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Santo do Dia — 12/5/1969 — 2ª-feira

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Eu não sei se os senhores estão no meu caso, mas eu sempre fui assim, que quando eu ouço falar em opiniões equilibradas, atitudes equilibradas, pessoas equilibradas, a primeira idéia que me vem à cabeça é de um idiota. Eu não posso deixar de reconhecer, intelectualmente, mentalmente falando, que o equilíbrio é uma virtude. São Francisco de Salles, que foi um grande Doutor da Igreja, chegou até a identificar o equilíbrio com a virtude, dizendo que a virtude está no meio. Eu sempre objetei que se a virtude está no meio, o meio está na virtude. E que se a gente quer saber onde passa o meio, a gente deve saber onde está a virtude. Mas acaba sendo que, de um modo ou doutro, a virtude e o meio são coisa que se identificam.

Ora, o meio é exatamente o equilíbrio entre dois extremos. Então se — a considerar as coisas geometricamente, mas de uma geometria que tem, que é verdadeira, no fundo — a considerar a coisas geometricamente, nós chegaríamos à conclusão de que a verdade está no equilíbrio, e que não há razão para a gente achar o equilíbrio uma coisa tão sensaborona, tão estúpida, ela tem que ter a verdadeira sabedoria.

E então é preciso ver bem o que é que nas conotações da palavra “equilíbrio”, na linguagem brasileira — não sei bem se na castelhana também — mas nas conotações da palavra “equilíbrio” na linguagem brasileira entra de fundamentalmente sem sabor, e que faz com que uma coisa tão eminente como o equilíbrio possa dar uma impressão tão desagradável.

O equilíbrio, afinal, o que é que é? É uma excelência das coisas por onde elas, nos seus aspectos contrários, elas se compensam, elas se harmonizam, de maneira tal que elas se reúnem em torno de uma nota suprema; mas de uma nota suprema que abarca uma porção de notas colaterais. Nós poderíamos dizer, por exemplo, que um edifício que tem uma torre no centro e duas alas iguais de uma amplitude harmônica com o tamanho da torre, que esse edifício tem equilíbrio; e em torno dele se juntam duas alas, e quanto mais alta a torre, mais largas as alas.

Bem, essa idéia de equilíbrio abrange uma grande variedade de aspectos, e nós começamos a entrever através disso, de um modo mais vivencial, quanto o equilíbrio é uma coisa boa.

Nós vemos, entretanto, que no Brasil se chama o homem equilibrado, não aquele que tem uma idéia central ou um princípio central em torno do qual ele traça a circunferência de todos os aspectos possíveis, mas que se tem a idéia do equilibrado uma coisa diferente: um trouxa, um songamonga que não tem nenhuma idéia central; e que sempre que ele é atormentado por dois extremos opostos, se coloca idiotamente no meio termo, e que pensa que com isso ele resolveu as coisas.

Então, por exemplo, entre um comunista e um fascista, o equilibrado seria um burguês. Entre um indivíduo que quer o divórcio e outro que quer o amor livre, o equilibrado quereria um divórcio muito evoluído. Entre um indivíduo que é favor, não sei, da alopatia e outro da homeopatia, o equilibrado gostaria de uma mistura idiota entre essas duas coisas incompatíveis. E daí para a frente.

Então nós temos a idéia de que o equilíbrio não é uma mistura ininteligente de coisas incongruentes, mas que o verdadeiro equilíbrio é a força de um pensamento central, com todo o leque das conseqüências que em todos os sentidos dele se podem tirar.

Então nós vemos que há certas formas de beleza que… Vamos dizer a coisa de outra maneira, que toda beleza é necessariamente equilibrada. Mas que há certas formas de beleza nas quais o que brilha à primeira vista não é o equilíbrio, mas é quase o desequilíbrio.

Os senhores tomem aquela Catedral de São Basílio, em Moscou, por exemplo, com aquelas torres pequenas, com aquelas cebolas em cima e que sobem com uma espécie de ascensão frenética para o céu, a nota daquilo é de um misticismo que parece não dar lugar ao bom senso e à razão. Parece. No fundo dá, mas parece não dar. É uma nobre e pseudo-unilateralidade, no fundo da qual existe um equilíbrio.

Os senhores encontrarão, assim, várias formas de beleza. Mas a forma de beleza francesa — sobretudo no seu período de decadência, mas também nos áureos tempos da França, na Catedral de Notre-Dame, por exemplo — é o equilíbrio. Mas é um equilíbrio cheio de gosto, cheio de sabor, cheio de classe, cheio de estilo, porque não é o equilíbrio abobado entre duas opiniões quaisquer irenisticamente a gente tratando meio termo pro bonum pacis, mas é porque é um pensamento e um pensamento seletivo, ordenativo, forte, vigoroso, que agrupa em torno de si os respectivos elementos, e faz disso propriamente uma maravilha.

Os senhores têm um exemplo neste panorama que os senhores têm aqui. Eu considero esse panorama de uma alta categoria. Eu estou certo de que os senhores também o consideram de uma alta categoria. Agora, onde é que está a beleza do quadro que os senhores têm aí?

Os senhores analisem elemento por elemento. A grama, é a grama de um verde esmeralda que nos nossos trópicos não se encontra. Mas é uma grama. No meio da grama, a coisa mais comum do mundo, uma estrada inteiramente reta, um caminho inteiramente reto. Bem, no fundo um castelo.

Agora, o que é que tem esse castelo propriamente de maravilhoso? Os senhores não vêem na fachada uma estátua. Os senhores não vêem quase ornato nenhum. Os senhores não vêem no castelo nada, vamos dizer, que deslumbre. Não é uma construção cara; é cara apenas porque é grande, porque tem muito tijolo. Mas o dinheiro está ausente daí. Vamos dizer que este é o material com que se faz qualquer casa. Entretanto, eu acho que seria um absurdo não reconhecer a isto a nota do equilíbrio, a nota do maravilhoso. Mas qual é o maravilhoso? É o maravilhoso do equilíbrio, é o maravilho da coisa bem pensada, bem estudada, e feita com categoria: aqui está o esplendor do equilíbrio. E é o equilíbrio francês, cheio de toda espécie da sabores.

Os senhores agora analisem o prédio, depois os senhores vêem o resto.

Os senhores percebem que o prédio é composto de uma espécie de torreão central. Mas esse torreão, que é o centro do prédio, não é uma coisa bojudona, perto da qual as… que faz assim um papel de um tórax, de um abdômen, perto do qual o resto são duas asinhas. É o contrário: é uma coisa fininha, esguia, terminada, para acentuar a idéia do fino, por um teto pontudo. Mais ainda, os senhores encontram de um lado e de outro, duas chaminés altas que ainda acentuam mais a idéia do pontudo, porque elas terminam em ponta; e no alto uma espécie de clocheton, eu não saberia como dizer isso em português, mas seria um mirantezinho, uma pequena cúpula, suportado por coluninhas. De maneira tal que há uma ponta… e outra coisa: esta ponta termina numa janela que faz ponta, que termina numa ponta, que termina numa ponta e do lado, duas pontas. Essa coisa central é toda leve, toda esguia, toda fininha. Mas ela está de tal maneira no centro, e ela é tão bem pensada, que ela não faz o papel de raquítica, de nenhum modo, em relação aos dois extremos atarracadões e bojudos que se encontram aqui num ponto e do outro.

O governo, a linha retriz do prédio está aqui bem no centro. É a graça dominando a força, Jacó dominando Esaú. As coisas, as coisas pesadas coordenadas em torno da leve.

Não sei se os senhores percebem o alto pensamento que há nisto; a afirmação da superioridade do espírito que há por detrás disso; é o triunfo da graça sobre a força; é o triunfo, a faculdade ordenativa da inteligência sobre as coisas da matéria, não é?

Bom, agora, entretanto este contraste entre esta parte central e esses dois extremos, este contraste é equilibrado — porque todo contraste equilibrado tem que ter termos intermediários, harmônicos —, é equilibrado por dois corpos de edifícios iguais, que não são nem tão esguios quanto isto, nem tão bojudos quanto isto, mas que ficam entre uma coisa e outra preparando a transição. Esta fachada é mais larga do que esta. Aqui, este cimo é mais, mais esparramado do que este; isto não termina em ponta, mas termina num cone truncado. Aqui, os senhores vêem uma janela só, aqui os senhores têm três janelas, aqui no alto. Enfim, isto aqui é parecido com isto. Isto aqui, comparado com isto, é meio parecido com isto.

São Tomás de Aquino diz que toda quantidade intermediária é parecida, vista de um lado, parece com a outra. Quem compara isto com isso, acha isso parecido com isso. Quem compara isso com isso, acha isso parecido com isso. Os senhores vêem a transição bem preparada, que inteligência houve nisso.

Usa-se na geração-nova uma expressão um pouco popular, mas que às vezes tem uma certa força de significado: “Que coisa bem craniada”, não é? Porque é preciso ter crânio para fazer isso, isso é propriamente crânio.

Depois, isso não foi feito para bobo; não foi feito por bobo, nem foi feito para bobo, porque é muito discreto. É como quem diz: “Se tu não me percebes, eu não te ligo. Eu sou para quem tem quilate; diante de mim há mata-burro.

[Risos]

Se tu me julgas banal, eu te julgo trivial. Os eleitos, os seletos venham a mim. Eu sou feita para poucos.”

Os senhores estão vendo… isso tudo é categoria, não é? E é alta categoria. É… é cabeça superiormente orientada.

Bem, agora, aqui no extremo, os senhores estão vendo a coisa curiosa. Aqui, esses corpos de edifícios são atarracadões; não tanto atarracados porque têm três janelas — porque esses também têm — mas é pelo espaço maior entre as janelas, e, sobretudo por esse teto pesadão e grandão, que constitui uma tampona. Mas o muito pesadão horrífica o gênio francês, e por causa disso, no meio do pesadão, tem algumas coisas que equilibram o pesadão.

Os senhores já imaginam que pesadelo seria essa tampa grande se não fosse essas janelinhas pequenas em cima, redondinhas? Como elas dão um sorriso que compensa a carranca deste mundo de ardósia que está aqui em cima? Depois, por detrás chaminezinhas, clochetonzinhos, que evitam que isto tome um jeito de um calcanhar achatando a ala do castelo. Mas, apesar de tudo, isto é pesadão, isto é pesadão; isto é meio leve, isto é meio leve; isto é levíssimo. Mas o centro é isto. A altivez do castelo está no que ele tem de mais gracioso. É com quem diz: “Forte eu sou, mas sobretudo eu me prezo de ser inteligente. Em última análise, eu sou completo, porque eu tenho tudo. Eu tenho a inteligência e tenho a força. Tenho muita força, mas tanta inteligência que, em mim, a inteligência domina a força. Eu sou equilibrado.” A noção de equilíbrio está dada.

Isto é um equilíbrio de primeira categoria. Isto é crânio, isto é cabeça. Isso é degustação, porque a gente degusta isto como um prato saboroso. Isso é turismo. Ir à Europa, é ir percebendo essas coisas. Porque essas coisas assim, os guias não dizem. O guia diz: “Magnífico castelo, construído em tal data, bla, bla, bla, bla, bla, bla, bla”… O que um guia diz. Mas é preciso ver o que o artista diz, o que o ambiente que inspirou esse artista tinha a sofreguidão do quê? Os senhores estão vendo aqui uma noção de equilíbrio. Quando São Francisco de Sales diz que o equilíbrio está no meio, que no meio está a virtude, pensem nesse torreãozinho. E os senhores encontrarão a explicação. Não é nosso equilíbrio sensaborão, mas os senhores encontrarão a explicação cheia de sal da coisa. É o gênio francês.

Bem, agora, esse gênio francês, muito discretamente, se faz sentir noutra coisa: é o quadro. O castelo é, talvez, um pouco discreto demais. Então, ele é realçado pela perspectiva. Ele fica num grande parque; ele é tão simples nas suas linhas e nos seus enfeites que se houvesse canteiros com muitas flores e esguichos, etc., ele ficava pobre, não podia ser; então, ele tem um simples, mas esplêndido tapete de esmeralda para lhe servir de apresentação e arvoredos lo que dice arvoredos, formando, um pouco longe dele, moldura. Dir-se-ia que ele sai de dentro de um mundo de delícias e de mistérios que essas árvores encobrem. A gente diria: a clareza e a lógica cercadas dos imponderáveis. Outra forma de equilíbrio. Eu acho isso aí maravilhoso.

Bom, os caçadores. Notem bem a coisa interessante: a posição desses caçadores — eu tenho impressão que é uma fotografia tirada espontaneamente — mas o homem que fotografou, fotografou tão bem, que se um encenador devesse colocar esses caçadores numa posição bonita, ele os colocaria assim. Os senhores querem uma coisa mais sem graça do que, por exemplo, todos andando na mesma linha? Estragou o quadro. Os senhores querem uma coisa mais sem graça também, do que um cavaleiro aqui, outro aqui, outro ali e outro aqui? Cinco manchas de vermelho, sem sentido? Aqui não. Há um meio distância e meio proximidade, meio fantasia e meio ordem dentro da distribuição deles, que faz com que eles sejam deliciosos de ver.

Agora, notem, por outro lado, o estilo. Eles estão parados, tranqüilos, de uma tranqüilidade pronta para a ação. E a idéia da efervescência da caçada não é dada pelos homens, mas pela cachorrada: um ferver de cães, famintos, dispostos para correr. E os franceses, sólidos, mas elegantes — porque são, são homens elegantes —, montados em cavalos que não têm nada de espetacular, mas espetacularmente proporcionados ao conjunto, que com toda distância psíquica, se preparam para uma caçada que vai ser feroz; por vales e por montes, e tocando cornetas etc., etc., a démarrage é equilibrada. Os senhores estão vendo, é estupendo, não é?

Bom, pode-se tirar disto uma recomendação? Os senhores, eu ouso esperar que eu tenha conseguido tornar claro aos senhores o que isso tem de estupendo. Seja como for, eu estou certo que os senhores perceberam o estupendo que há na coisa. Vários dos senhores, quase todos, estão com uma expressão de fisionomia muito comprazida com a coisa. Não é verdade que para degustar aqui um dos prazeres da vida, que tornam a vida humana e digna de ser cristãmente vivida, é perceber essas coisas? Mas perceber com o rumo ao Céu. Isto são valores de espírito que são assim porque essa civilização foi cristã. E são assim porque tem o precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo dentro disso. Tem a graça, tem o batismo, tem a Igreja Católica dentro disso. Isto é, no fundo, um reflexo da Igreja Católica. Se não fossem as virtudes cristãs, isto não teria sido assim.

Bem, então não é um puro gáudio dos olhos que a gente tira daí, nem um puro gáudio da inteligência, mas por cima do gáudio dos olhos e da inteligência, é um gáudio superior do espírito, considerando uma ordem transcendente de coisas, aonde existe um Deus pessoal, sobrenatural, que nós contemplaremos face a face, e no qual todas as formas desse equilíbrio se realizam de um modo tal que isto é uma imagem de Deus, mas Deus é tão mais isso do que isto que Deus até não é nem um pouco assim. Isto se encontra n’Ele de um modo insondável e incapaz de ser imaginado por qualquer criatura. Este é o Céu para o qual nós vamos. Assim é a terra como a bênção de Deus a fez, como a civilização cristã modelou. Esta é a figura do Céu para o qual nós vamos.

Aqui os senhores têm um termo religioso para uma meditação sobre uma coisa profana.

Alguém me diria: “Dr. Plínio, falta um cruzeiro diante desse castelo para ele ter a nota cristã”. Eu diria: Em todos os lugares onde se queira colocar um cruzeiro, eu exulto. Mas dizer que a coisa fica falha sem cruzeiro, eu não concordo. O espírito católico está aí até sem o cruzeiro. Ela é católica em si; esse equilíbrio sem a graça não se consegue. É uma tradição constituída por homens que em certo momento tiveram a graça, que tem esses valores. Aqui está o equilíbrio católico.

E com isso, meus caros, fica encerrado o Santo do Dia.

Vamos rezar.

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