Reunião – 29/3/69 (009.030) . 3 de 3

Reunião para o Grupo da Martim 1 — 29/3/69 — Sábado (009.030)

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Inimica Vis” * O mecanismo pelo qual não aceitamos o que o SDP diz * A causa dos deslizes na vida espiritual

Dr. Plinio sente que uma inimica vis passa pela sala quando ele trata de certos assuntos, como por exemplo quando ele diz que o problema religioso está no centro dos acontecimentos. Todos somos vassalos da Revolução. Por graça de Nossa Senhora, muito pouco avassalados à Revolução tal como ela existe no mundo, mas, muito avassalados à Revolução como ela existe em nossas famílias. Até, um pouco mais atrás, desde que nossas famílias parassem juntas também. Isso se deve ao fato de que nós achamos que o mundo é como nossas famílias o vêem. Temos a cosmovisão de nossas famílias:

─ “Essas coisas que DP disse são muito lógicas, são coisas que ele demonstra a martelo, mas, vá lá. Depois, o que ele diz é religioso, e, o que é religioso eu devo aceitar. Mas, papai e titio não pensam assim… Eu aceito isto, mas deitando um olho simpático e interrogativo para papai e titio”. (Dr. Plinio não é titio de ninguém).

Mecanismo pelo qual não aceitamos o que ele diz: é uma espécie de primitivismo que existe na alma de todo mundo, no qual se cai cedo, e do qual não se consegue livrar.

I.- Eu sou como todo mundo, e todo mundo é como eu; logo, julgarei a todo mundo como me julgo a mim. Daí saem toda sorte de erros de apreciação. Ex.: o ultramontano que vê todo mundo como ultramontanável.

II.- Minha família é como todo mundo, e todo mundo é como minha família; logo, julgarei a todo mundo pelos conceitos que aprendi de minha família. Logo, os conceitos de minha família, a escola de minha família são a própria expressão do bom senso universal. Isto entra como as evidências primeiras e constituem os princípios primeiros e intuitivos dos novos.

III.- Toda família dá para seus filhotes uma visão mega do papai e da mamãe. Mesmo que eles tenham nascido num ninho de ratos, eles são o colosso da ratolândia. Quando o pai é “de lo ultimo” e insustentável, dá-se a transposição para o titio, a mãe, e às vezes se prolonga até o avô. “Se eu pensar como minha família e seguir a escola de viver de minha família, eu terei a classe e o prestígio, ou eu terei a simpatia e o sucesso, eu terei a vida cômoda e agradável — depende das apetências de cada um — própria à minha família, a meu pai, por exemplo, que é um colosso. E a prova de que é um colosso é tudo quanto ele conta, Ou você duvida do papai? Então agora vamos começar a brigar. Isto é muito sério, duvidar do papai. Vamos logo a bofetada.

Agora, o resultado é que a pessoa por esses cálculos ingênuos, por uma espécie de oportunismo, se agarra ainda mais à família; depois entram os afetos — familiosas, e as “osas”, etc. Então fica pedra e cal na cabeça do sujeito, isto é, a escola de pensar da família. Vai para o catecismo, o catecismo não ensina nenhuma incompatibilidade entre ele e a família, e o resultado é que se faz um amálgama da religião com aquilo.

Chega no Grupo, até involuntariamente recebe as trombadas mais violentas, em coisas, coisinhas e coisonas da mentalidade da família — e de todas as famílias. Resultado: “ai, o que este homem está pensando? Ele será mais do que papai? Mais do que titio colosso ou vovô colosso? Onde é que se viu uma coisa dessas? Depois, no fundo eu não quero… pronto, está acabado, me é mais cômodo, mais gostoso, pactuar com minha família. Eu não quero, está entendendo?!”

Não sei se fui claro, se fui demasiadamente claro? Não bato no peito por ter sido desamasiadamente claro. Não sei se fui insuficientemente claro. Apenas disse o resultado de uma paciente e longa observação.

Creio que nada suavisa tanto, quando falo das famílias do outros, quanto quando falo da minha. É um consolo: “Ao menos ele não fica pensando que aquelas ninhadas de víboras de onde ele provém valem qualquer coisa”. Não pretendo isto, dous a mão à palmatória, sou o primeiro a dar; daqui a pouco vou falar disso.

[Como se pode fazer para combater isto?]

É registrar isto, e começar a compreender isto. Em nível de vida espiritual, não adianta a gente ter a RCR na cabeça se não se faz uma CR contra a R ideológica doméstica. Não se trata aqui de brigar com o pai, porque a mais poca das coisas é brigar com ele. Tem-se que brigar com uma imagem do pai que se fez dentro de si; e se não é do pai, é do tio, do bisavô… É preciso destruir esta imagem pela crítica, e uma crítica cum granum sallis. Não ser perfeitamente bob perante isto. É preciso desembobar-se.

[O que parece mais difícil não é o primeiro confronto, mas algo que fica para depois: “não vamos tão longe, o papai nisso tem razão”.]

É bem isto, a coisa está no segundo movimento. Depois dos dias heróicos da conversão, em que a gente briga com o papai… E quase: tese, antítese e síntese: 1º.- a gente do lado do papai; 2º.- briga com o papai; 3º.- acordo com o papai. É terrível: é na última emanação do papai que a coisa é terrível.

[Vendo-o derrotado, aniquilado frente ao grupo, vem uma espécie de pena dele.]

Entra de tudo. Entra pena e uma outra coisa que é a seguinte: é das provações mais duras pelas quais passa o ultramontano, e, qualquer um que entra pelo caminho da cruz. É que no primeiro élan tem-se entusiasmo pela cruz; o duro, é depois que o entusiasmo sensível pela cruz começa a passar. Assim também com o Grupo. Quando se está lá fora, tem-se fome e sede do Grupo. Depois que se entra: primeiro se sacia; depois vem um período em que se começa a perceber aquilo que chamaríamos os defeitos humanos do Grupo, e começam os probleminhas de amor-próprio. E daí então, concomitantemente, começa-se a perceber uma coisa de que não tinha idéia: é como o mundo se afastou de nós e quanto ficamos isolados.

Então:

Afrouxamento do entusiasmo;

Ressentimentos e coisinhas pessoais ligadas ao amor-próprio

Pânico diante de um isolamento cujas proporções não se calculava;

Pena do papai, mas sobretudo pena do filhinho do papai;

Então, concorda-se com papai.

O mecanismo é este. A forma de combater é ter isto bem em vista. Sempre que a pessoa percebe que está deslizando na vida espiritual faça esta pergunta: no que estou dando trela à pretensão e ao “papai”? Ou à Revolução como ela é em minha casa? Porque todos os afrouxamentos e decadências vêm daí.

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1 Estava como “Reunião Normal”. Nos Sábados à tarde eram realizadas reuniões para os membros do Grupo da Rua Martim Francisco, na Sala dos fundos da mesma sede; e, no domingo, para os membros da Pará, na Sede do Reino de Maria, da rua Pará.