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Reunião Normal — 6/2/1969 — 5ª-feira
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Princípio do amor à perfeição – II
A argumentação de ontem se divide em uma tese há naquilo [o] que nós poderíamos chamar uma sub-tese. A sub-tese é muito longa, a tese é arqui-sumária.
A tese é a seguinte: o espírito monárquico é um elemento indissociável e essencial ao espírito católico.
Argumento: O espírito monárquico é um desejo de perfeição. É um espírito de amor à perfeição. É um amor à perfeição.
Ora, o espírito católico tem como elemento fundamental o amor à perfeição. Logo, a conclusão: o espírito monárquico é essencial ao espírito católico.
Esse é o primeiro raciocínio. Agora, essa tese, que é simplisíssima, veio acompanhada de uma distinção – para evitar objeções – entre a forma de governo monárquica e o espírito monárquico. Quer dizer, o fato do indivíduo ter espírito monárquico não significa que queira necessariamente a monarquia por toda a parte, mas é uma mentalidade.
O espírito monárquico – eu mostrei ontem – é o amor à instituição monárquica, mas não é a necessidade da implantação da monarquia por toda a parte. Pode haver razões pelas quais legitimamente um país não seja monarquia. É uma outra questão.
Agora, destas três partes do raciocínio, quer dizer, os senhores estão vendo que é um raciocínio perfeito: maior, menor e conclusão. O espírito monárquico é um amor à perfeição.
Ora, o espírito católico tem como elemento fundamental o amor à perfeição.
Logo, o espírito monárquico é essencial do espírito católico.
A parte mais discutível é essa. Quer dizer, o raciocínio é claro, desde que se prove esta parte. Quer dizer, é a parte mais discutível hoje em dia. Aquela com que o maior número de pessoas entra em descordo é a idéia de que o espírito monárquico seja um amor à perfeição. Todo mundo não pode deixar de reconhecer o seguinte: que o espírito católico tem como elemento fundamental o amor à perfeição. Isso ninguém pode deixar de reconhecer. Ninguém pode recusar a conclusão. Se é verdade que o espírito monárquico é um elemento da perfeição, é verdade que o espírito monárquico é um elemento da doutrina católica. Quer dizer, a única parte discutível é esta. Porque o resto todo o mundo admite. Se isto for provado, então a tese está provada. Então, trata-se de provar esta frase. Nós podemos, então, apagar a frase e passar para a demonstração desta espécie de tese, que é um suporte desta tese. Esta tese é um pressuposto desta tese.
(Sr. - : O amor à perfeição que há dentro do espírito monárquico, isso é no sentido de que a monarquia é a melhor forma de governo, e que expressa melhor a perfeição de uma sociedade, por exemplo?)
Não, é no sentido diferente, que eu vou dar aqui. Que eu já dei ontem e que eu vou esquematizar agora.
(Sr. –: Um republicano pode ter amor à perfeição?)
Desde que ele tenha espírito monárquico, quer dizer, amor à instituição monárquica como sendo a instituição ideal; ele pode desejar a república para o seu país. Pode ter amor à perfeição. Porque pode ser que para o seu país aquela instituição convenha mais. Vamos dizer, para Andorra, a República de Andorra, eu acho que a república é mais adequada do que a monarquia.
(Sr-: Mas um revolucionário?)
Não, um revolucionário, não. Um revolucionário, por definição, não tem amor à perfeição.
(Sr. - : Agora, esse amor à instituição monárquica exige também um amor à hierarquia, a todo o espírito católico?)
É, porque o espírito monárquico é integrado de tudo isto: amor à hierarquia, à ordem, tudo o mais.
(Sr. - : Por que depende desse amor ao espírito monárquico; qual é a causa pela qual não pode haver monarquia em algum lugar?)
É que, para haver monarquia em algum lugar, não basta que haja o desejo da instituição monárquica, mas é preciso que o jogo dos interesses sociais, econômicos e culturais se tenha polarizado numa determinada família. E, às vezes, não aparece a família que polariza isso. Mas aparece, às vezes um grupo de pessoas, uma elite que polariza isso, que poderia se polarizar numa família. E às vezes, quando há um Estado de uma configuração muito especial, como por exemplo Andorra, fica isso difusa na população. De maneira que as circunstâncias podem variar legitimamente.
(Sr. –: Agora, o senhor pensa que se pode assim essa família se transformar em reinante numa monarquia?)
Podia. Muitas vezes até tem sugerido. Mas outras vezes não tem sugerido. Veja, por exemplo, a República de Veneza: nunca deu origem a uma dinastia. É uma república aristocrática, que floresceu num tempo em que a Revolução não existia, que é a Idade Média e que ficou uma república aristocrática até a fim, até morrer.
(Sr. - : Com perfeição se entende santidade?)
Se entende também santidade. Não é só santidade, a perfeição é o que eu defini ontem e que eu vou redefinir daqui a pouco. Santidade é a perfeição moral. Há outras formas de perfeição além da moral.
Então, nós vamos ficar só com esta tese aqui: que o espírito monárquico é um amor à perfeição. E a sub-tese. Eu estou dando, por assim dizer, o esqueleto da exposição, porque vários me disseram que seria conveniente.
Sub-tese: o espírito monárquico é o conhecimento, admiração e o amor da perfeição. É uma definição mais cuidadosa.
Agora, a argumentação vai desenvolver-se em três itens:
O que é o amor à perfeição? Amor, quer dizer, conhecimento, admiração, amor.
Como ele gera as elites?
Como, pela concentração das elites, ele gera a realeza?
(Aí entra espírito aristocrático).
Agora, depois, uma espécie de apêndice muito importante para a compreensão da coisa: o “rei impessoal”. É um apêndice.
A admiração e ao amor à perfeição gera o espírito monárquico.
Então, vamos pegar a primeira parte: o que é o amor à perfeição? Eu falo em amor, mas os senhores já entendem: conhecimento, admiração e amor. Admiração já envolve certa forma de amor.
A parte I se compõe dos seguintes elementos:
Explicação introdutória: conceito de perfeição. Aqui cabe o que eu lhes falei ontem. Quer dizer, os dois conceitos: um conceito de perfeição é o cúmulo, o ápice de todas as qualidades que cabem em um ser, segundo a natureza desse ser. Vamos dizer portanto, o brilhante perfeito seria um brilhante que contém todas as formas possíveis de perfeição que um brilhante possa ter. Quer dizer, no fundo, um brilhante de fantasia, porque nem pode existir um assim. Mas enfim, isso seria uma idéia de perfeição.
Agora, segunda idéia de perfeição é a seguinte: perfeição é o fato de que um ser tem em quantidade suficiente todas as qualidades exigidas por sua natureza e nenhum defeito. É um conceito mínimo de perfeição. De onde nós tiramos um outro conceito que é o de graus de perfeição. A perfeição tem, portanto, graus. Essa é a primeira idéia que foi dada ontem e que se insere aí.
(Prof. Fedeli: Aí, essa idéia não se encaixa perfeitamente com a idéia do perfeito-absoluto que é Deus e perfeição relativa, não é mesmo?)
Não. Aquilo é o perfeito das criaturas. Eu não nego a ir até Deus por aí. No momento, não seria didático dar isso assim.
Agora, segunda nota é: a afinidade entra as perfeições; é aquele princípio que eu dei ontem, que os seres que tem graus diferentes da mesma perfeição, por uma homogeneidade tendem a se unir, a se entrosar, a se encontrar. E que o ser que tem uma perfeição menor, tende naturalmente a unir-se e apoiar-se no ser que tem uma perfeição maior. O menor no maior. Por uma verdadeira necessidade, parecida com o princípio da atração da matéria: em que a massa maior atrai a massa menor. E que, reciprocamente, o ser maior tem – e essa é uma tese que me é muito cara e que eu gostaria de desenvolver oportunamente – tem uma necessidade de fazer bem, de orientar, de guiar o que é menor, homogêneo com ele. Daí sai exatamente uma tese que me é sumamente grata, é que quanto mais alta e excelsa é a autoridade, tanto mais paterna. Mas isso é uma tese colateral de que eu pretendo tratar numa outra noite que haja vaga.
Aliás, para ser positivo, o maior tem necessidade de se fazer servir. Ele não vive sem o apoio do menor. Por exemplo, Nossa Senhora. É da dignidade d´Ela que Ela tenha Anjos para servi-La. Ela é inconcebível sem seres inferiores que a sirvam. Há uma outra regra: quanto maior um homem, maior o número de secretários que ele precisa. O que quer dizer que o maior precisa dos menores. Há mil fatos que se poderiam citar assim, que se tocam com a mão.
Enfim, aqui está colocado o princípio – eu estou dando só o esqueleto, todo o recheio que eu dei ontem, não repito, eu quero apenas que o curso do raciocínio seja claro – então aqui está dado o princípio de que o maior e o menor precisam um do outro. E que, portanto, o maior, o amor do menor à perfeição do maior é uma coisa natural nos seres homogêneos. Que é o que me interessa para o efeito da monarquia.
Agora, assim fica entendido o que é o amor à perfeição.
Segundo: … [faltam palavras] …
O que é importante, portanto, para a nossa tese, é que os menores tenham necessidade de um maior e de um mais perfeito para o qual tendem, se orientam.
2º) Como é que esse amor à perfeição gera elites?
A) A noção de estado de graça e de perfeição. O estado de graça é a perfeição da alma. A alma em estado de graça está num estado perfeito. Não está no estado da mais alta perfeição. Mas está num estado perfeito. Essa é a tese. Eu não vou demonstrar; já ontem tratei disto. Eu só estou dando o esqueleto.
B) Um povo em estado de graça tende a fazer tudo perfeito. Então, os senhores estão vendo a perfeição moral que gera uma perfeição em tudo. Tende a fazer tudo perfeito. Os perfeitos fazem a coisa perfeita. Porque é próprio do perfeito fazer a perfeição. Quem está em estado de graça é perfeito, neste sentido, ele tende a fazer tudo perfeito. Um povo em estado de graça tende a fazer tudo perfeito.
C) Quem faz tudo perfeito tende necessariamente a fazer sempre o mais perfeito. É outra conseqüência. Quem é perfeito, enquanto tem a perfeição – ele pode perder a perfeição – mas enquanto ele tem a perfeição, ele tende ao progresso, tende a melhorar. Isso é o próprio da perfeição. O resultado é que um povo em estado de graça tende a produzir coisas sempre melhores. Então, nós temos como conseqüência, assim palpável… [faltam palavras] ….
Qual seria então a conclusão?
Se nós tomarmos um povo que tende a fazer tudo mais perfeito, conclusão:
1º) Todas as obras desse povo vão ficando de uma qualidade sempre maior: filosofia, literatura, arte, poesia, técnica, finanças, enfim, tudo fica cada vez mais perfeito.
Então a primeira coisa que se apalpa e que didaticamente é mais conveniente mencionar primeiro, é este crescimento em todas as formas de perfeição externa: cultura, arte, literatura, tudo cresce.
Conclusão – 2) Se tudo é mais perfeito, forma-se elites em tudo, capazes de fazer o mais perfeito. Os senhores notem bem: quer dizer, forma-se uma elite de padeiros, de lixeiros, de açougueiros, e…também uma nobreza. A nobreza não é o único fruto disto. A nobreza é um fenômeno entre mil outros de estratificação de elites. É o fruto necessário da tendência para uma perfeição sempre maior. Vão aparecendo elites de tudo. Logo, está demonstrada a conclusão segunda: o amor à perfeição gera elites.
Como se dá a concentração das elites para produzir a realeza?
A tese então é essa: as elites tendem naturalmente a se concentrar gerando a realeza. Essa é a tese terceira.
A) Tudo que tende para a perfeição, tendendo para o auge da perfeição, tendendo para o auge da perfeição, tende para o sublime. É o natural. Porque aperfeiçoa, aperfeiçoa, tende para o sublime. Isso é forçoso. O que é o sublime? É um grau de perfeição que é meio desproporcionado à criatura, que de algum modo lembra o Criador. Isso é o sublime. Nós podemos dizer, por exemplo, que o mar é sublime, que o céu é sublime, são graus de perfeição desproporcionados com a criatura, que nos causa assim uma impressão desproporcionada com o homem. Tendem para o sublime.
B) Todas as perfeições de espécies diversas tendem a encontrar-se, principalmente em seu ápice. Esse segundo princípio precisa ser um pouco lembrado. Vamos dizer que exista numa cidade, por exemplo, uma senhora supremamente elegante. E ao mesmo tempo existe nessa cidade uma mulher que faz vestidos supremamente bonitos. É o natural que essas duas pessoas se encontram. E que a que faz vestidos magníficos acabe servindo aquela que é muito elegante. Vamos dizer que numa cidade exista um grande poeta e um grande músico. É natural que eles queiram se conhecer. E é natural que eles fiquem amigos. É natural que um bom poeta e um bom músico fiquem amigos. Mas é sumamente mais natural ainda que uma sumidade da poesia tenda para ficar amiga de uma sumidade da música. Porque as sumidades, porque são raras, tendem a se concentrar. É natural. Todas as sumidades de espécies diversas tendem a encontrar-se. Por exemplo, se numa cidade passa um grande diplomata, lhe oferecem um banquete no melhor restaurante. E o natural é que num mesmo ambiente, por exemplo, se ponha para ornamentar a sala do banquete o quadro de um grande pintor. E a culinária, a cultura e a diplomacia se encontrem. É o natural. Pela afinidade natural, sobretudo nos ápices.
C) …[faltam palavras]…
(Sr. - : Agora não poderia ser, evidentemente, por exemplo, de um ápice bom e outro mal, que se encontram?)
Não, sempre na linha da perfeição. Como eu expliquei ontem, a perfeição é incompatível com a imperfeição, e luta. É outra questão.
(Sr. – : O encontro de São Domingo e de São Francisco?)
É um ápice. Eram três aliás: São Domingos, São Francisco e Santo Ângelo, carmelita. Que a Providência Se alegrou em reunir na terra. Eles até sabiam, por inspiração divina que iam se encontrar. Não se conheciam e quando se encontraram, os três se ajoelharam. Um diante da santidade do outro. Nós sorrimos diante desses três sóis que se encontram, ficamos encantados. É o normal.
Agora, isso vale para os maus do outro lado. Nós estamos propriamente na destilação do oposto.
(Sr. - : Uma pessoa pode ser perfeita num ponto e imperfeita no outro ou para ser perfeita num ponto, tem que sê-lo no outros, com a mesma qualidade?)
Uma pessoa pode ser excelente, ter uma qualidade técnica qualquer excelente e não ter perfeição moral. Mas, essa mesma obra excelente que a pessoa produziu, apesar de ser uma obra excelente, tem alguma carga do seu defeito moral. Quer dizer, não é propriamente perfeita. É excelente sem ser perfeita. É um paradoxo, mas é verdade. Vamos dizer por exemplo, um pintor. Um pintor que esteja em estado de graça, ele pintará um quadro bom. Pode até pintar um quadro excelente, depende do talento dele. Do talento para pintura. Se ele estiver em estado de pecado, de algum modo, esse estado de pecado se reflete na pintura dele, embora ele pinte muito bem, embora ele tenha muito talento. Então, pode ser um quadro muito bem pintado, mas no qual entre o espelho de uma certa imperfeição moral.
(Sr-: Então uma pessoa sem estado de graça não entraria nisso?)
Não, tudo isso supõe um estado de graça. Donde caráter profundamente religioso dessa concepção. É a concepção mais religiosa que se possa imaginar.
(Sr. - : Não seria mais ou menos como a [ainda?] e entre as virtudes?)
É, é uma manifestação disso. É um campo onde isso se dá.
(Sr. - : Isso que o senhor expõe, descendo a fatos concretos, pode ser que isso não se passe exatamente assim, mas isso é um princípio que, para o caso em concreto, não se aplique…Por exemplo, o senhor diz que existem famílias de São Paulo que iam indo muito bem, que eram da alta aristocracia de São Paulo e de repente elas começam a cair. Quer dizer, ela estava no meio da perfeição, mas por um fator qualquer, ela cai?)
Não, um fator moral. Está dentro desse esquema.
(Sr. - : O angélico?)
O angélico é sublime. Embora haja graus de sublimidade entre os anjos, o angélico é sublime, porque é uma perfeição que é proporcional ao homem. É sublime e se chama angélico de tão sublime que ela é. Depois, porque tem uma doçura angélica. São dois conceitos que se juntam.
(Sr. - :Essa perfeição significa cada vez melhores e mais eficientes. Agora, isso se aplica também para os maus?)
Também.
(Sr. –: Então não entendo com é que o senhor uma vez disse que a Revolução se deteriora cada vez mais e que não há mais revolucionários como antes.)
Eu não disse propriamente isso. Isso, é na massa do povo, que pelo contrário à força propulsora da Revolução, está ficando cada vez mais radical e que é a destonia com a massa do povo, dela, que opera isso.
(Sr. –: Então a elite cada vez pior, e o que não acompanha é o povo?)
É isso, exatamente.
(Dr. Paulinho: Ouviu-se dizer que não aparecem mais líderes como aqueles do Protestantismo ou da Revolução Francesa, o senhor teria dito?)
É, eu tenho dito, mas isto sem embargo, aquilo que se chama a força de propulsão da Revolução, que são os agitadores, isso são cada vez mais radicais, tem uma apetência de radicalidade tremenda, não tem mais os mesmos talentos; isso é uma outra questão. Muito – eu nunca desenvolvi antes essa tese – muito é porque o que propicia o desabrochar do talento são as condições receptivas e as massas se tornando menos receptivas, o talento floresce menos. E as massas se tornaram menos receptivas à Revolução. Dom Hélder, num Brasil menos sonolento, eu creio que seria um orador muito melhor. Mas é um meio de ser um grande orador: se chega num teatro, ele começa a falar das misérias e faz aquela coisa. Embaixo, tem um menino que está chupando um pirulito e a mãe que bate no joelho dele para ele não fazer barulho, e mais outro que está dormindo; como foi o que o João Clá descreveu do lançamento do “Movimento Justiça e Paz”, em Recife. É como ele se lamenta que as coisas sejam.
(Dr. Castilho: O Camões exprimiu isto, dizendo que “o favor com que mais se acende um gênio.”)
Que néctar? Que descanso no século XX: o favor vem a ser exatamente esta boa acolhida, esta graça “com que mais se acende um gênio.” É toda uma filosofia das coisas que está nisto. Que respiração gostosa! Obrigado por este minúsculo balão de oxigênio.
(Sr. - : Camões não podia nascer num… [faltam palavras] …)
E menos ainda em São Paulo.
(Dr. Paulinho: O talento também é conexo com o simbolismo, de maneira que por exemplo, um Lutero, um Marat, eram muito homens-símbolos e por isso mesmo, ao mesmo tempo que eram símbolos, desenvolveu o talento. Porque a massa também exigia mais símbolos)
É verdade, mas tem uma outra coisa. É que diante de uma massa apetente do que Lutero dizia, ele desenvolvia seu papel de Lutero. Diante de uma massa que dormisse, ele não ousava chegar às extremas conclusões de si mesmo. Não sei se exprimo bem isto. E isto me parece que é o grande fato fundamental.
(Sr. - : Isso não se pode dizer do bem?)
Também. Por exemplo, a mim, o que me estimula muito, para me exprimir inteiro, é exatamente o ódio dos outros. Se eu estivesse colocado numa cidade tão primitiva que não tivesse a menor noção de Revolução ou Contra-Revolução, como é que eu iria cumprimentar alguém “contra-revolucionáriamente”? No meu apartamento mora uma senhora… [faltam palavras]…
(Sr. - : … [faltam palavras] …)
O Grupo é, mas o Grupo parece um pouco, eu estou sendo Saint-Simoneando, da sonolência geral. Eu bem de propósito disse! Eu digo com muito afeto, mas não com a menor franqueza: O Grupo não me ajuda em nada, para eu me desenvolver Contra-revolucionáriamente! O que me ajuda são os inimigos. Eu, no entrar numa sala e sentir efervescer uma certa forma de ódio, eu sei o que é que eu faço. O Grupo muito menos. Por quê? Porque o Grupo, feitas as exceções que a cortesia mande fazer, o Grupo me entende menos do que os nossos inimigos.
(Sr. Paulo César: O clima de unanimismo em que o senhor diz isso é favorável? Quer dizer, nesse caso, não seria favorável nem à revolução, nem à Contra-Revolução? Ou da Revolução seria?)
No fundo, no fundo, naturalmente, o unanimismo acaba favorecendo, mas muito lentamente, uma Revolução que quer correr. Mas “à la longue”, ao cabo de dez mil anos de unanimismo, saia a Revolução.
(Sr. Paulo César: Mas porque a Revolução às vezes prefere o unanimismo?)
É uma coisa muito longa. A Revolução, sentindo que ela estava perdendo terreno, teve que fabricar o unanimismo. Porque, continuando a luta, ela acabava perdendo o terreno inteiro.
(Sr. Paulo César: … [faltam palavras] …se ela criou e se houvesse, por exemplo, uma reação do povo… [faltam palavras] …O que é um clima de unanimismo?)
É exatamente o torpor do povo diante de uma cidade feita para entusiasmar e que não entusiasma.
Então, vamos concluir:
3) – C) Por causa dessas duas circunstâncias anteriores, porque as elites tendem a encontrar-se…Não: primeiro, porque tendem para o sublime, e tendem a encontrar-se, tendem a fazer um lugar chamado corte aonde tudo quanto é “quintessenciado” se encontra. Então, porque existem esses dois fatores, tende-se a constituir um lugar chamado corte, aonde todos os expoentes de todas as ordens se reúnam, convivam, se conheçam.
D) E tendem dentro da corte, pelo mesmo movimento centralista e sublimador, tendem e formar a figura de um homem que reúne tudo em si. Isso é o rei.
O “Rei impessoal”: forma-se na corte, no país, a idéia de um rei ideal, tendo todas as sublimidades. Tudo quanto é sublime, se reúne nele. É um arquétipo, sublime. E o rei real, de carne e osso, só reina porque ele tende a realizar isso.
Quer dizer o seguinte: vamos dizer, um país elege um rei, constitui, sobe ao trono o primeiro rei. Vamos dizer, por exemplo, na Europa de Carlos Magno. Ele foi o primeiro imperador. Ele foi um homem tão extraordinário, um tal monarca poderoso, que o Papa o coroou Imperador. Você está vendo que é o que? É uma Europa tendente para ter um chefe supremo que a exprime. Aparece um grande homem, esse grande homem é eleito chefe supremo. Depois de Carlos Magno, sempre se exigiu do rei que correspondesse a um ideal, que no fundo era mais ou menos Carlos Magno. Ora mais, ora menos Carlos Magno. E todos os reis só conseguiram reinar quando davam uma certa impressão de uma medida de participação desse ideal. Senão, perdiam o trono. Se fossem inteiramente contrários, perdiam o trono.
Quer dizer, portanto, uma espécie de rei ideal, ou se quiserem um ideal de rei que modelava o rei, obrigava o rei concreto, em muitas coisas a ser assim, a se apresentar assim, a se vestir assim, a fazer assim, senão ele perdia a situação de rei.
Os senhores vejam essa coisa curiosa, mas por exemplo: uma das notas – o rei tem que ter todas as perfeições – uma das perfeições do rei, é de ser guerreiro, é natural. O resultado: sempre que o país entra em guerra, o rei ou faz ou finge que faz a guerra. Ele vai para o Estado Maior e ainda que ele não entenda nada de arte militar, ele finge que está comandando. Porque o povo exige que ele corra o risco, maior ou menor, mas exige e exige que ele vista um uniforme. E nisso, algo de guerreiro entra nele, ainda que ele não seja guerreiro.
Se os senhores imaginam um rei que arrebenta a guerra, e faz a seguinte declaração: “Ó meus amigos, eis que os valentes generais vão para o frente, eu lamento ficar aqui na capital, porque a minha índole não é guerreira.” Ele está destronado. Quer dizer, seja como for, ele acaba pelo menos tão desmoralizado que ninguém mais dá atenção a ele como a um rei. Quer dizer, se não há um destronamento físico, há um destronamento psicológico. Mas ele perde o trono, perde tudo. Por quê? Porque se criou a idéia do rei guerreiro e sem isto não vai. Imaginem que a gente dissesse deste filho da rainha da Inglaterra, que tem muitos ares disso; é, ele é um rei, mas…A rainha da Inglaterra desse até uma entrevista, dizendo o seguinte: “Meu filho é destinado a ser rei, mas eu devo confessar aos ingleses que ele não tem nada do gentleman.” Não se daria a sucessão à coroa. Por quê? Porque, quando um rei, em cuja idéia está que ele é o primeiro dos gentlemen, ele não tem nada do gentleman, de um modo ou de outro ele não vai reinar. Quer dizer, há uma imagem do rei e o rei só consegue governar quando ele corresponde em larga medida a essa imagem. O que equivale a dizer, no fundo, que a imagem governa o rei. E que o verdadeiro rei é essa imagem. Na linha geral, não nos pormenores, mas na linha geral.
A imagem é protótipo. É a idéia prototípica do rei que governa o rei.
Então, acaba acontecendo que este rei impessoal, igual a rei nacional. Quer dizer, é a nação nos seus desejos de perfeição impondo uma linha ao rei, quando ele não quer. A nação, pelos seus desejos de perfeição, impõe ao rei, que se encaminha naquele arquétipo. É mais: quando o rei corresponde a esse arquétipo, quando ele é assim, ele arrasta a nação.
O que é um grande rei? É um rei que corresponde a esse arquétipo nacional. Os senhores tomem por exemplo, Luís XIV. Quando se fala num grande rei, vem a imagem de Luís XIV. Ele corresponde inteiramente à idéia que os franceses de seu tempo faziam do rei. E das gerações que vieram depois. Filipe II foi o rei prototípico da Espanha. É a idéia que o espanhol faz do rei, mas que ele era por pessoa, a pessoa dele era assim. Ele arrastou a Espanha. Os senhores peguem aquele quadro de Goia, representando Carlos IV e sua família. É um bando de nulos, sem nenhum valor, procurando representar muito mal essa noção que o espanhol tinha da realeza. Napoleão o derrubou com um tapa. Nunca Napoleão derrubaria Filipe II. Ele iria de castelo em castelo, de morro em morro, a Espanha o acompanharia. Nunca as coisas teriam corrido daquele jeito.
O que faz com que eu tenha notado que muito príncipe revolucionário tenha uma espécie de ódio contra esse papel de rei que obrigam de fora para dentro a executar. E que aparentemente sufoca as originalidades de ordem das pessoas deles. Não é para ser original, a não ser naquela linha, o resto ele não presta. Deixe de ser príncipe, deixe de ser rei. Aqui é a história.
A Imperatriz Elisabeth da Áustria, por exemplo. Fisicamente, o tipo da imperatriz. Mas a psicologia é um ódio contra esse papel.
O que se poderia fazer é em confronto com essa idéia, da realeza, retomar as objeções republicanas contra a realeza e verificar como elas ficam reduzidas a nada. Por exemplo: o filho do rei pode ser bobo. Pouco importa, se ele representa o tipo ideal, é o que se quer.
(Sr. - : Transpondo isso para o Grupo, é uma coisa bastante interessante que uma vez tivemos uma repercussão… [faltam palavras] …espiritual… [faltam palavras] … consciência de que o membro de Grupo… [faltam palavras] …a monarquia… [faltam palavras] …à pessoa… [faltam palavras] …)
Certamente. Pode-se dizer a coisa da seguinte maneira: o amor à nossa vocação… [ilegível] …um grande amor à perfeição. Este amor à perfeição, de algum modo existe naquele que ama. Porque aquilo que nós admiramos, entra em nós. Daí uma forma de dignidade especial do membro do Grupo.
(Sr. - : Sobre o rei pessoal e impessoal… [faltam palavras] …)
É, ela é uma rainha impessoal, mas que representa bem a parte decorativa do papel de rainha. A parte decorativa ela representa muito bem. Mas, naturalmente, como a Inglaterra não tem mais esse amor à perfeição, só tem um certo filão… [faltam palavras] …ao lado de um resto de amor à perfeição que resta na Inglaterra, o que domina é o ódio, ela fica congelada. Mas, no que lhe permitem ser, ela é.
(Sr. Júlio: Esse princípio tem algo a ver com… [faltam palavras] … das luzes primordiais dentro do Grupo?)
Tem. No Grupo, as luzes primordiais têm muitas vezes uma afinidade, e as pessoas têm as luzes primordiais, num sentido, procurar apoiar-se naquelas que tem as luzes primordiais mais definidas no mesmo sentido. E, em última análise em mim. É o mecanismo das perfeições.
(Dr. Paulinho: Por causa das monarquias que não conseguiram se fixar quando… [faltam palavras] …como hereditárias. Por exemplo, como o Império Romano, que aliás nem era eletivo… [faltam palavras] …)
Por causa das monarquias que não conseguiram se fixar quando… [faltam palavras] …nem é propriamente uma monarquia aquilo.
(Dr. Paulinho: Mas digamos no caso de… [faltam palavras] …)
… [faltam palavras] …legítimo, entra a aristocracia numa monarquia eletiva. De algum modo, pode-se dizer que Veneza era uma monarquia eletiva. A única coisa que tem é que como o doge era temporário, não realizava inteiramente a figura do monarca. No Sacro Império Romano-Alemão, eu tenho impressão de que enquanto Sacro Império, foi a expressão de uma unidade européia talvez que devesse ter sido eletiva. A partir do momento em que ele passou a ser uma realidade apenas no mundo germânico, se compreendeu melhor que ele tendesse para uma hereditariedade. Mas não estou muito certo a respeito disto. O problema histórico é muito complexo, mas em tese se poderia compreender tanto uma coisa como outra.
(Sr. - : O senhor dizia que todas as qualidades do povo vão ficando cada vez melhores e que isso gerava elites. Eu não entendi bem como isso é, se envolvia o povo todo, como era? Como é que geram essas elites?)
Eu dou a coisa historicamente como se passou no Ocidente Você pegue a Idade Média, na Europa, logo depois da invasão pelos bárbaros. Os bárbaros dominaram, a civilização romana ruiu, desapareceu. Mas depois, começou a obra de Cluny, dos monges beneditinos de Cluny, um grande sopro de vida espiritual, santos de todo lado, etc., o estado de graça generalizando-se na massa da população. O resultado é que começa um progresso em tudo. Vamos dizer, além de sábios cada vez mais sábios, ordens religiosas criando verdadeiras dinastias de santos, se assim se pode falar. Nós podemos mencionar também, no terreno humano por exemplo, que há padeiros sabendo cada vez melhor fazer pão. Ferreiros, sabendo cada vez melhor trabalhar o ferro, pedreiros sabendo cada vez melhor trabalhar a pedra, tecelões sabendo cada vez melhor fazer tecidos e naturalmente nessa emulação, aparecerem alguns que sabiam tão melhor do que os outros que formavam dentro da própria classe, uma espécie de elite. Muitas vezes isso se tornava hereditário. Era um fenômeno freqüente na Idade Média, que havia dinastias de padeiros, de tecelões, de tudo mais, hereditários. Ainda no tempo de Luís XIV, portanto séculos depois da Idade Média ter terminado, festejou o seu jubileu de prata, o chefe de uma família de lenhadores – lenhadores hein! – que podia demonstrar que descendia dos primeiros lenhadores do reino. Luís XIV ofereceu então a ele o título de barão. E ele mandou dizer que ele preferia ser o primeiro lenhador da França a ser o último barão. O que a gente compreende, não é um gesto Revolucionário, é uma verdade. Realmente, que glória descender dos lenhadores que começaram a derrubar ao primeiras árvores das florestas que reapareceram na Gália, com a retração da civilização romana. Então, Luís XIV mandou um piquete de cavalaria levar a ele as insígnias de chefe da corporação de lenhadores do tempo: umas fivelas de prata, uma faixa de seda, etc.; mandou levar até os matos onde ele habitava. Você está vendo aí elites de todas as ordens; de lenhadores como de tudo. Também uma nobreza, porque uma das mil formas de elite. Mas, quando a gente fala em elite, pensa logo em nobreza. A nobreza não é senão uma quintessência de uma sociedade cheia de toda espécie de elites.
(Sr. –: O senhor falou que o Grupo não lhe ajuda, não sei se o senhor [acha] conveniente falar alguma coisa sobre isto.)
O Grupo deveria ser enormemente mais Contra-Revolucionário do que é. Eu, ainda hoje, para três membros do Grupo que falaram comigo, eu disse isso: um dos traços que deve caracterizar o membro do Grupo é ter bem claramente diante dos olhos, e continuamente, a noção do ódio diabólico e contínuo que lhes têm os amigos da Revolução. Concretamente, a TFP é detestada. Vocês sabem disso, porque inclusive já foram agredidos por ódio à TFP. Mas os que têm ódio à TFP, não são só os que agrediram; esses foram alguns extremistas, de uma onda enorme de ódio que existe contra a TFP. O ódio mais injusto que possa haver, porque a TFP não procura fazer outra coisa senão o bem e a prática da virtude. O verdadeiro Contra-Revolucionário tem a noção desse ódio. Não para responder ao ódio para fazer mal, mas para responder ao ódio com a luta contra o ódio para fazer vencer o bem. Ora, quantas vezes eu, por razões de itinerário, eu sou obrigado a passar de automóvel por aquilo que se poderia chamar o eixo do Grupo, que é rua Aureliano Coutinho, rua Martinico Prado, rua Martim Francisco, aquelas adjacências, onde quase sempre a gente vê um membro do Grupo andando. Eu vejo às vezes membros do Grupo andarem tão tranqüilos, tão despreocupados, num passinho lento de paletó aberto, olhando para o ar de um lado para o outro, gozando a sombra das árvores, olhando para o automóvel que passa etc., [parece ter havido um corte] não tem, a gente procura esquecer isso. Ora, aonde não se tem a noção do caráter militante de nossa Causa, não se tem a noção de nossa Causa. Porque quem não tem a idéia do ódio que o mal tem ao bem, não tem verdadeira idéia, idéia completa, nem de bem, nem de mal. Agora, o senhor me garante que esta idéia, por exemplo, é inteiramente viva em todos os membros do Grupo? Eu acho que nós somos, por exemplo aí, muito falhos. A tal ponto que, às vezes, eu entro aqui ultrapreocupado com algo, pensando em como combater tal forma de mal, ou um golpe de energia, ou por um golpe de política, venho sério no automóvel pensando, transponho esses umbrais do portão e me ponho a sorrir. Porque eu percebo que se eu descesse com o que me entra na cabeça, eu ficaria incompreendido. Agora, qual é a causa desse sorriso? É só para os senhores.
Eu já ia sorrir, tal é o hábito que eu tenho de sorrir. Por quê? Porque muitas vezes não estou… [faltam palavras] …minha função não é essa, nem as circunstâncias pedem isso. Estamos no ápice de uma Campanha, e chego aqui: “Ah, hein, hein, como vai, etc..” Este é o estado próprio de alma de um homem que está chefiando uma Campanha que o enche de preocupações? Que está no ponto de tensão maior de uma luta? É esse? Não é! Mas… eu me inclino, sorrio, sorrio, sem querer já estou sorrindo.
Os que acham que seria interessante fazer confronto disso com as objeções da Revolução Francesa, tenha a bondade de levantar o braço.
Os senhores dirão: o sorriso nunca tem cabimento no semblante de um homem? Bom. Quando o homem contempla os filhos da Contra-Revolução e vê neles o que eles tem de Contra-Revolucionário. Aí tem. E os senhores considerem a hipótese de um Contra-Revolucionário que é incontaminado do espírito da revolução, para ele o sorriso sem restrições e sem arrière pensée, mas não é a única atitude do homem enfiado em preocupações. Aqui está um ponto de acréscimo que eu acabo de dizer.