Santo
do Dia (Auditório da Santa Sabedoria) – 28/1/1969 –
3ª-feira – p.
Santo do Dia (Auditório da Santa Sabedoria) — 28/1/1969 — 3ª-feira
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Fundador da Ordem dos Mecedários; o voto heróico de oferecer a vida para a libertação dos cativos * Humildade, fé e senso de hierarquia na atitude do centurião * Glória e esplendor na recordação perpétua das palavras do centurião * Profecia de Nosso Senhor sobre a salvação e a condenação dos povos * A apostasia do povo francês, o povo eleito do Novo Testamento * O bluff da felicidade fora das vias de Nossa Senhora, e a tranqüilidade em carregar a cruz
* Fundador da Ordem dos Mecedários; o voto heróico de oferecer a vida para a libertação dos cativos
Bem, em matéria de Santo do Dia, nós temos hoje, dia 28 de janeiro... Hoje é 28? É 28? Hoje, 28 de janeiro, nós temos festa de São Pedro Nolasco, Confessor. Ele foi o fundador da Ordem de Nossa Senhora das Mercês para a redenção dos cativos, e foi enterrado, com a sua couraça e a sua espada, no século XIII.
Nós já temos falado várias vezes da Ordem de Nossa Senhora das Mercês, também chamada Ordem dos Mercedários. Os senhores já sabem que se trata de uma Ordem de Cavalaria antiga, que conduzia o combate contra o adversário, de armas na mão, mas cujos membros faziam este voto, esta resolução heróica: para libertar os católicos do cativeiro do adversário, eles se sujeitavam a ficar escravos, em lugar dos escravos maometanos, dos escravos brancos que estavam junto aos maometanos, de maneira que, então, eles expunham sua própria alma a risco de salvação, que não eram riscos próximos e nem graves por causa da graça especial que eles recebiam, para que outras almas pudessem atingir países cristãos e viver, então, livres.
Era essa a Ordem de Nossa Senhora das Mercês, porque cada alma que ela suscitasse para ficar escrava em nome dos outros era naturalmente uma mercê para uma série de outros escravos. Eram, em geral, homens de categoria, homens de alta situação que se entregavam assim, como escravos. E para tê-los, os maometanos embarcavam nos navios dos brancos, fileiras inteiras de dez, de vinte, de trinta, às vezes mais — conforme a categoria da pessoa que assim se dava — de dez, de vinte, de trinta, de cinqüenta escravos, amarrados nas suas correntes e que todos eles entravam para os navios cristãos onde implicitamente passavam a ser homens livres. Então, serravam as correntes e começava para eles a liberdade.
Os senhores estão vendo que há nisto um devotamento, há uma dedicação extraordinária e há muito a idéia presente da reparação, a idéia de expiar pelo pecado dos outros, de suportar o peso da cruz dos outros, de sofrer pelos outros por amor a Nossa Senhora que é Mãe de todos e que quer que nós auxiliemos aqueles que estão em situação pior do que a nossa. É, portanto, uma linda atitude, um feito de heroísmo tão grande quanto se poderia ter num campo de batalha, enfrentando o adversário, talvez maior. Eu julgaria, quanto a mim e quanto às minhas preferências pessoais, muito melhor morrer num campo de batalha do que entrar aos trinta anos como escravo dos maometanos e ficar escravo até os setenta anos, de senhores ímpios, infiéis, servindo, sem receber os sacramentos, quer dizer, é uma coisa tremenda. Um pecado que a pessoa tivesse, dúvidas se consentiu ou não, se está com contrição ou atrição, era a própria dúvida do Céu e do Inferno que podia haver, porque quem morre com atrição e não com contrição, este vai para o Inferno. Os senhores podem imaginar o que uma coisa dessas representa! É tão sublime, que embora tenha falado disso várias vezes, eu devo falar, eu quis ainda falar nesta noite de hoje, de tal maneira eu acho isso transcendentemente belo. É das coisas mais belas que fazer se possam. É, de algum modo, mais bela até do que um recluso que entra para uma Ordem Religiosa, porque é mais suave ser trapista, debaixo da direção de um abade católico, do que ser escravo debaixo da direção de um maometano, filho das trevas e inimigo da Igreja.
* Humildade, fé e senso de hierarquia na atitude do centurião
Bem, pediram-me que fizesse [um] comentário a respeito do centurião do Evangelho de São Mateus, da última… do último domingo.
E tendo entrado Jesus em Cafarnaum, aproximou-se d’Ele um centurião fazendo uma súplica e dizendo: “Senhor, meu servo jaz em casa paralítico e sofre cruelmente”.
“Meu servo” é “meu escravo”; antigamente eram escravos.
E Jesus disse-lhe: “Eu irei e o curarei”. Mas, o centurião respondendo, disse: “Senhor, eu não sou digno [de] que entres na minha casa; dize, porém, uma só palavra e meu servo ficará curado. Pois também eu sou um homem sujeito a outro, tenho soldados às minhas ordens. Eu digo a um: ‘Vai’, e ele vai; e a outro: ‘Vem’, e ele vem. E ao meu servo: ‘Faze isto’, e ele o faz”.
E Jesus, ouvindo estas palavras, admirou-Se e disse para os que O seguiam: “Em verdade vos digo: não achei fé tão grande em Israel. Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente e que se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus, enquanto os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes”. Então disse Jesus ao centurião: “Vai e seja-te feito conforme creste”. E, naquela mesma hora, ficou curado o servo.
É uma lindíssima… um lindíssimo Evangelho. Tão cheio de lições, nas linhas e nas entrelinhas, que eu me limitarei a dar apenas uma parte do que ele contém. E os senhores vejam [a] idéia fundamental que saiu. O centurião estava com o seu escravo doente e ele procedeu como um católico, procedeu como uma alma cheia de misericórdia, indo pedir a Deus a cura desse escravo.
Os senhores sabem que os escravos eram tratados na antiguidade como a última coisa que há. Eram, muitas vezes, até tomados para experimentar venenos, para ver se serviam para o eventual suicídio do seu dono. Eram tratados como Virgílio, quando nas… [falta palavra] …bucólicas dele, quando ele fala dos conselhos para a agricultura, etc., etc., diz ele que, num tom rimado, bonito, que o senhor, que o dono da cultura acabe com as árvores velhas, que jogue o ferro-velho, que mate — nas suavidades dessas rimas — que mate o escravo velho e inútil. Quer dizer, isto era o conceito pagão do escravo.
Este homem tinha um escravo doente e ele vai procurar Nosso Senhor para pedir-Lhe a cura do escravo. O escravo estava paralítico. É um ato de caridade, um ato de amor, que mostra como estas relações são impregnadas e embebidas de afeto dentro da Religião Católica. Bem, ele vai a Nosso Senhor e Nosso Senhor disse: “Eu vou à sua casa e vou curar este homem”. A partir desse momento, o centurião tem duas atitudes: uma primeira atitude é esta atitude de humildade. Ele entende que não é digno de que Nosso Senhor entre na casa dele e que nem é necessário; é um ato de fé. Nosso Senhor, diz ele, manda em tudo, domina tudo, é o dono do universo, é Deus, a tal ponto que qualquer coisa que Ele manda, está lá. E ele, então, diz isto de modo indireto, como é [o] sistema dos orientais. Não deveria dizer como estou dizendo, ele diz de modo figurado, de modo bem católico. Ele diz:
“Eu sou um homem sujeito a outro”, quer dizer, os superiores hierárquicos dele. E o que está subentendido é o dever para “os meus superiores hierárquicos”. Por sua vez, ou “por minha vez, eu tenho homens que me obedecem, eu tenho soldados a quem eu digo: ‘Faça isto e aquilo’, e os soldados fazem. Eu tenho servos a quem eu digo: ‘Faça isso e aquilo’ e os servos fazem”.
Diz ele:
“Vós também podeis, portanto, fazer isto com tudo; dizei uma só palavra e meu escravo será salvo”. Quer dizer, “uma palavra de vossos lábios domina o universo, domina… [faltam palavras] …, faz as curas mais espetaculares; em outros termos, Vós sois Deus”. Aqui está a questão.
Bem, então, humildade, fé, fé e — o que é muito bonito aqui — senso de hierarquia. A idéia de que ele tem quem mande nele e ele obedece; ele manda aos outros e os outros obedecem a ele. [É] Esse mecanismo da hierarquia que ele apresenta como algo que lembra o poder divino, não é?
* Glória e esplendor na recordação perpétua das palavras do centurião
Bem, Nosso Senhor, a Igreja tomou as palavras dele e fez delas a mais bela das canonizações. Não haver durante séculos, com uma comunhão, não haver uma Missa em que o padre comungue em que esta palavra do centurião não seja lembrada: “Senhor, eu não sou digno de que entreis na minha casa, mas dizei uma só palavra e [a] minha alma será salva!” Isto, dentre todos os séculos, durante todas as comunhões, e tenho eu a impressão de que até o fim do mundo vai ser assim, isto é uma tal glória para a fé desse homem como eu nem sei que dizer.
O que é que os senhores… Comparem a maior glorificação: o Arco do Triunfo de Napoleão, por exemplo, ou obter um Prêmio Nobel, ou, então, um triunfo desses astronautas. O que é isto — Cristóvão Colombo — o que é isto em comparação de ser o homem que diz uma palavra tal que nunca mais ninguém, ou como que nunca mais ninguém recebe o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo sem que a palavra ou o ato de fé, ato de fé desse homem, sejam lembrados? Pode haver glória maior, pode haver esplendor maior? Pode haver, de algum modo, uma canonização mais estupenda, de algum modo, para um homem, do que estas suas palavras [que] saem assim?
Em escritas da Liturgia [há] mais ainda. Os senhores vejam que todos os anos… [faltam palavras] …litúrgico traz o mesmo Evangelho. O exemplo deste homem é lembrado de novo e é lembrado o elogio que Nosso Senhor fez dele. Nosso Senhor disse: “Na verdade, Eu vos digo, não encontrei tanta fé em Israel”. Quer dizer, ele é glorificado pela virtude da fé. Um homem que teve uma fé extraordinária, tão grande fé que Nosso Senhor não elogia a humildade dele. Entretanto, é patente, e que é uma virtude que Nosso Senhor inculca tanto; mas a fé está tão saliente, ela sobrepuja de tal maneira a própria humildade, que Nosso Senhor Se refere apenas à [fé]. Ele diz “é a fé”. Ele diz: “Eu não encontrei tamanha fé em Israel”.
* Profecia de Nosso Senhor sobre a salvação e a condenação dos povos
Agora, a partir dele — vejam agora que coisa estupenda, hein! — a partir do ato dele, Nosso Senhor faz uma profecia. Ele profetiza o castigo do povo que não tem fé e Ele profetiza o chamado dos gentios para a Igreja Católica. Essa profecia está nestas palavras. Diz:
Digo-vos, porém,… em verdade vos digo, não achei fé tão grande em Israel.
Ele não diz o seguinte: “Eu achei poucos com tanta fé”. [Pelo contrário:] “Eu não achei fé tão grande; homem que cresse tanto quanto esse, eu não creio, eu não encontrei em Israel” É, de algum modo, o pai e o modelo dos tempos, não é isso? É o homem que encantou a Nosso Senhor pela fé que teve.
Agora, Nosso Senhor, então, a partir disso lança uma profecia. Nosso Senhor diz — o homem não era judeu, o homem era romano, enfim, romano, súdito do Império Romano; que nascesse em Roma, não se sabe — bem, diz o seguinte:
Digo-vos, porem, que muitos do Oriente, e… [falta palavra] …virão do Oriente e do Ocidente e se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus.
O que quer dizer isto? Pertencerão à Igreja Católica. O Reino dos Céus na Terra é a Igreja Católica. E, então, pertencerão à Igreja Católica e irão para o Céu. Muitos virão do Oriente e do Ocidente — seriam os pagãos, os gentios, aqueles dentre os quais floresce essa fé —: estes são chamados, diz Nosso Senhor. Agora, em sentido contrário, vem a maldição. Ele diz: “Enquanto os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores.”
Quais são estas trevas exteriores? Qual é o reino? O reino é o reino de Israel, o reino de Deus na Terra, que era a Sinagoga. Estes vão ser lançados nas trevas exteriores, quer dizer, nas trevas que estão fora do Reino de Deus. Vão ser lançados na abominação. E Ele acrescenta, para os senhores verem bem, que trevas são:
Ali haverá choro e ranger de dentes.
Realmente, a alusão direta é o Inferno. São almas que se perderão. Mas há uma alusão mais ou menos próxima: a vida [na] Terra para estes homens vai ser choro e ranger de dentes. Daí os senhores têm a situação e o… [faltam palavras] …Se eu dissesse: “Passei por Portugal, e na porta de uma loja encontrei um ourives português fabricando calmamente a sua jóia”, os senhores achariam natural, da Inglaterra, de qualquer canto do mundo. Se eu dissesse: “Na Igreja Católica os judeus deveriam ocupar uma espécie de presidência, não por razões étnicas e raciais — porque estas são tolas em matéria sobrenatural — mas porque eles são o povo eleito primeiro”. Mas nós fomos chamados e aqui nós estamos.
* A apostasia do povo francês, o povo eleito do Novo Testamento
Eu estou me alongando um pouco demais, eu estou um pouco me expandindo. Isto é verdade, dos judeus é verdade; depois de outro povo eleito que Nosso Senhor chamou: esse povo eleito é o francês. São Pio X disse que era o povo eleito do Novo Testamento. Prestem atenção no francês de hoje. O francês de hoje está apostatando, está a pique de perder a sua primogenitura. Os senhores sabem até que ponto eu amo a França, com todos os enlevos de minha alma. Está bom, o francês de hoje não tem paz, ele não tem tranqüilidade. Podem procurar nele o que quiserem. Encontram até talento dentro dos escombros; tranqüilidade não tem mais. Um tio de D. Bertrand, que morreu, mas que era um homem que até tinha certa tranqüilidade, o Conde Nicolai, conversando comigo me disse isto, disse: “Paris mudou completamente. Ainda antes da guerra era a cidade das habilidades. Hoje cada um vive de tal maneira fechado sobre si mesmo, que quando dois conhecidos se encontram na rua e podem não se ver, eles preferem não se ver”. Isso aí era a terra das belas maneiras, era a terra das habilidades, do sorriso, da delicadeza, da gentileza, da… [faltam palavras].
Quando Nosso Senhor entra em uma alma e depois começa a sair, Ele tira, Ele leva embora a tranqüilidade. É uma das coisas que o demônio não conta àqueles que ele tenta, mas é uma frustração, é uma sensação de vazio, é uma agitação, é um zero, que é preciso a gente ser psicólogo e observar para poder se dar conta do que é que é. Mas, tranqüilidade sai de lá, não existe mais.
* O bluff da felicidade fora das vias de Nossa Senhora, e a tranqüilidade em carregar a cruz
Os senhores olhem os antigos congregados marianos, quem foi congregado e saiu. Olhem bem no fundo dos olhos e procurem a tranqüilidade. Os senhores podem encontrar até modorra, a tranqüilidade os senhores não encontram.
Toma, por exemplo, alguns… [faltam palavras] …que é o Rei da paz, por meio de Nossa Senhora, que é Rainha da paz, que nos faça compreender isto: o supremo bluff que há na promessa da felicidade terrena, fora das vias de Nossa Senhora, e a suprema ventura que há dentro da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. A gente carrega a cruz, a gente sofre, a gente pode… [falta palavra] …mas que paz, no fundo, que estabilidade, que tranqüilidade! Como, no fundo, esta cruz é suportada e como as alegrias dos outros são estritamente insuportáveis.
Aqui está, meus caros, em duas palavras, em vinte palavras, talvez em duzentas ou em duas mil — não sei quantas eu pronunciei —, o Santo do Dia de hoje. Os senhores podem retirar-se.
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Auditório da Santa Sabedoria