Santo do Dia – 21/1/1969 – p. 2 de 2

Reunião Normal — 21/1/1969 — 3ª-feira

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Comentários sobre a Pop arte

Agora, uma outra do “Jornal da Tarde”, também do Sérgio:

Há uns cinco anos, os artistas americanos de …[faltam palavras]… Village, resolveram que era tempo de a arte descer da imaginação abstracionista às coisas mais simples e comuns. Assim, elegeram como material para suas obras, latas de conservas, ferro velho, pedaços de pano, tudo o que o povo utiliza diariamente. Daí nasceu a Por art.

Ah! Não sabia que Pop art é isto!

Pop art parte do princípio de que os objetos já têm por si qualidades estéticas que podem ser aproveitadas em composições artísticas de pinturas e esculturas. Na pintura especialmente, pop é herdeiro da colagem e da história em quadrinhos. Darcy Penteado, pintor popista brasileiro, está procurando uma nova linha, que chama post pop. Acha que a pop teve uma primeira fase destrutiva e que agora é tempo de passar à parte positiva.

É interessante, em primeiro lugar, porque é um caminho para a trivilização e para a ruptura daquilo, da arte com aquilo que a arte tem de melhor. Porque o que a arte tem de melhor é uma tendência para os modelos das coisas. É arrancar da coisa uma expressão que avizinha, ou a aproxime do modelo ideal de todas as coisas. Isso é que a arte tem de melhor. Eu não chegaria a dizer que a arte é só isto, mas que ela tem de melhor eles podiam mentir, isso não tem dúvida. Agora é próprio ao espírito comunista procurar exatamente tirar do homem – porque isso é inerente ao ateísmo – a tendência para a concepção de um modelo ideal em qualquer coisa; mas apenas admitir as coisas com o aspecto que realmente elas têm e a realidade com o aspecto que realmente ela tem. Mais nada. E tudo, portanto, que é um trabalho da arte para produzir coisas nobres, ou para figurar seres nobres, isto fica fora dessa visão porque exatamente é a vulgaridade, a plebeidade, a democracia imperando na arte.

Então, se vou fazer de uma lata de goiabada, de um pedado de sapato velho, de um charuto mastigado e jogado no chão, se vou fazer dessas coisas o objeto da arte, eu desvio o espírito das coisas elevadas e com isto eu faço propriamente uma operação de caráter ateístico. Porque Deus se exprime a nós sobretudo pelo que é melhor e pelo que é mais elevado, não é isto? E o espírito que não apetece o elevado, não apetece o eterno, nem o absoluto, e portanto, não apetece Deus.

É preciso dizer o seguinte: eu não nego que às vezes a arte, representando alguma dessas coisas, possa obter notas expressivas de muito valor. Há, por exemplo, um certo jeito de lata velha que está jogada pelo lixo, um jeito de estar aberta, de estar escangalhada, que de tal maneira diz ruína, diz decrepitude, diz inutilidade, diz catástrofe, que eu compreendo que uma lata velha possa ter essa nota. Eu me lembro que numa casa muito caipira que eu conheci, de parentes meus, havia sobre uma mesa uma coisa que, no seu gênero era um objeto que eu nunca queria e que, entretanto, tinha expressão, era em gesso – mas um gesso meio esverdeado, meio amarelado, não é um gesso pura e simples, é o gesso meio esverdeado ou amarelado, representado em tamanho natural, um sapatinho de criança, muito usado. Esse negócio de representar sapatinho, de por sapatinho em cima de mesa, é só como um outro objeto que eu vi, que aí era uma beleza; era o sapato, como é que se chama? Da Gata Borralheira, mas então era um sapato de cristal [lalic?] Aí é diferente, elegantíssimo, muito bonito! É uma ousadia, ma ainda vá. Mas sapatinho de gesso de criancinha suja não tem guarida nas nossas coisas, não é?

Bem, mas esse sapato de tal maneira dava …[faltam palavras]… quando criança brincava muito, pula muito, meche muito e que fica sapato de criança travessa, está compreendendo? A gente quase que vê a travessura na deformação do sapato. A partir do sapato havia toda uma reconstituição psicológica que significava, com muito talento, muito senso das coisas e um certo valor artesanal – porque eu não vejo nisso propriamente uma arte, eu vejo qualquer coisa de artesanal, eu não nego que isso se possa fazer. Mas glorificar esse gênero de arte, que é um gênero minoríssimo, e sobretudo ter a tendência de fazer disso o principal da arte, é uma gagueira, é uma coisa que não tem propósito, não é? Eu já vi uma vez, num cinzeiro, um charuto mascado de um homem que estava em apuros de negócio, viu! O charuto trazia toda a aflição do homem, está compreendendo? A gente compreende como é um charuto assim.

Bem, é uma certa inteligência o sujeito pegar e reproduzir esse charuto. Mas a inteligência não está tanto na reprodução que aquilo tinha. Aqui que está sobretudo, o dado de inteligência, não é? Portanto, não posso chamar isto [como?] arte, mas é uma observação que pôs a seu serviço certa qualidade artesanal. Não é mais do que isso, não é?

Depois, é post pop art também é uma coisa curiosa. Todas essas coisas arrebentam com uma fase destrutiva, e depois vem uma fase construtiva, que é mais perigosa. Em tudo. É sempre a marcha da revolução.

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