Santo do Dia – 9/12/1968 – p. 4 de 4

Santo do Dia — 9/12/1968 — 2ª-feira

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* Cartas de combatentes * Primeira carta tem algo de vidinha * Na segunda, noção da verdadeira coragem * Alicerce da Fé * O “Pai Nosso” da distância psíquica * Característica espanhola

Então vamos tratar da Guerra Civil espanhola e essa nota sobre o sentimento e o sentimentalismo. Primeiro, então, a Guerra Civil espanhola. São cartas enviadas por combatentes espanhóis, durante a Guerra Civil, tiradas do livro de Mukermann[?] “Ouvindo a alma da Espanha”.

* Cartas de combatentes

De Antonio Mena, a seus pais: — deveria ser, naturalmente, um combatente anticomunista —.

Burgos, 5 de agosto de 1936.

Portanto, há cinqüenta anos atrás, ou melhor, há trinta anos atrás.

Meus queridos pais: De saúde vamos bem. A toda hora as balas sibilam sobre as nossas cabeças, mas a Santíssima Virgem nos protege, embora não o mereçamos. Já há cinco dias estamos numa trincheira na primeira linha, a metro e meio de profundidade. Já estamos acostumados ao sibilar das balas, ao troar dos canhões e aos aviões. Tanto que ninguém mais se impressiona com tal barulho. É realmente um prazer viver em companhia desses rapazes: são moços bons, valentes e sempre alegres. Dentro de poucos instantes, como o fazemos duas vezes por dia, rezaremos em comum o Terço.

De Ângelo Ruiz a Iucar. É um rapaz de 16 anos, mais ou menos do mesmo ano, de 1936:

Das operações militares da semana passada não vos preciso contar nada. Só uma coisa vos quero dizer: cada vez que as balas assobiam com mais fúria ao redor de mim, compreendo mais a nossa felicidade de sermos católicos. Como poderia deixar-me de sentir-me feliz pensando que Maria Santíssima é minha Mãe no Céu e está me olhando e tomando sob sua proteção? Nela pensamos quando atacamos as posições inimigas. Que importa se os inimigos atiram? Todos os falangistas, à noite, antes das refeições, cantam a Salve Regina; antes de nos deitarmos rezamos o Terço todos juntos. Como é belo ver que o catolicismo é a base de todo o movimento.

Que diferença entre as duas reações! Nossa Senhora! [?]

De uma testemunha, Joana Diniz, que presenciara um combate em Pamplona, também em 1936:

O espírito dos oficiais e soldados de Samossierra é excelente. Pensava que muita coisa que se contava sobre eles era invenção, mas tive que verificar com surpresa que é a pura realidade. Estive presente quando em pleno combate os requetés…

Os requetés eram… [faltam palavras] …

Repentinamente cessaram o fogo e os vermelhos continuavam como endemoninhados. Mas os requetés, imóveis, rezaram um Padre Nosso em comum por todos que estão morrendo nessa guerra. Mas apenas disseram o Amem, também suas metralhadoras começaram a crepitar, os fuzis continuaram o seu canto de morte contra as fileiras dos vermelhos.

Eu acho que as três repercussões merecem uns comentários.

* Primeira carta tem algo de vidinha

A primeira é uma repercussão que não deixa de indicar uma certa coragem, mas é um pouco… [faltam palavras] …A um metro e meio de profundidade, as balas passam por cima e raramente atingem, suponho eu, quem está em baixo. A grande coragem é estar enfurnado dentro daquela espécie de tubo, mas a céu aberto. Não é agradável. Mas o comentário de que os rapazes são divertidos e que ali a gente se sente bem eu acho que é um comentário que baixa muito o nível. É mais ou menos a coragem de um sujeito que diz: Bem, já que não tem remédio, eu vou tratar de fazer a minha vidinha aqui mesmo também. Por isso, fede à vidinha e não é uma coisa de que eu goste muito.

* Na segunda, noção da verdadeira coragem

O segundo comentário eu aprecio enormissimamente, porque corresponde bem à verdadeira noção da coragem, a coragem do católico, que, como eu já tive ocasião de dizer aos senhores aqui, não é o estourado. O estourado é o doido varrido, que mede mal o perigo e levado por um otimismo fundado em nada, avança em cima dos outros. Avança, depois leva o tiro e morre. E morre de bobo. Depois o pessoal comenta: “que herói!” — Herói? Cretino, tonto, imprevidente, isso sim. Eu não vejo nisso heroísmo. O verdadeiro heroísmo é do homem que tem Fé, que sabe que existe outra vida, e que sabe que há, portanto, uma razão pela qual se deve sacrificar essa vida, e que avança para o adversário num ato de fé e de amor.

Ele pratica um holocausto. Ele ama tanto a Deus que ele quer dar a sua vida por Deus. E ele faz isso com entusiasmo, ele faz isso com alegria, com a alegria de se imolar por Deus que merece essa imolação. Ele faz isso para a vitória da causa de Deus aqui na terra.

* Alicerce da Fé

Aqui os senhores têm, o segundo comentário, o homem de fé. O motivo pelo qual ele ataca é um motivo de fé; a coragem com que ele ataca é uma coragem de fé. Ele sabe que ele faz uma coisa bem feita e ele sabe que ele não vai morrer. Que a vida eterna o espera do outro lado e, mais do que a vida eterna, a felicidade eterna. E porque ele conta com a felicidade eterna, ele vai de encontro ao adversário, sabendo que às vezes uma bela dessas que estão zumbindo pelo ar pode atingi-lo e pode abrir-lhe as portas do paraíso. Ele é mártir, se ele morrer nessa guerra. Ele é mártir como os mártires do Coliseu, do circo romano. Mártir como os Cruzados. Canonizado, pela teologia, não pelo pronunciamento individual do Papa sobre o caso dele, canonizado ali na hora.

Eu me lembro que na casa de um líder carlista na Espanha eu vi um quadrinho pintado muito bonito: um requeté, um jovem com aspectos de que fora saudável, moreno, de olhos pretos, sobrancelhas pretas, cabelo preto, uma boina vermelha mal ajustada na cabeça, um jeito varonil, escapando sangue em abundancia da garganta. Era um carlista morto na guerra. E, recém morto, ainda se via pelo sangue que ainda borbulhava. Em baixo, havia a frase: “Diante de Deus, tu não serás um herói anônimo”. Os homens esquecerão de teu nome. Tu serás enterrado no meio de mil outros. E ninguém mais na terra se lembrará de ti. A vida desertará o teu corpo. Tu serás pasto dos vermes. A morte, com tudo quanto ela tem de horrível, te dominará. Tu cairás no anonimato, é verdade. Para todo mundo, exceto para o único ser em relação ao qual ninguém é anônimo, que é Deus, Nosso Senhor. Diante de Deus, tu não serás herói anônimo. É o pensamento que está estupendamente expresso aqui.

* O “Pai Nosso” da distância psíquica

O terceiro comentário é o do tal parar [para o Pai ]Nosso. É bonito parar, rezar o Padre Nosso e continuar lutar? É bonito. É bonito, antes de tudo, pela distância psíquica que isso significa. Chegou a hora de rezar, a gente na hora para o combate. Ninguém está devorado de ódio, pulando em cima dos outros. Está com uma vontade única de matar, mas uma vontade virtuosa e razoável. E, por isso, cessa no momento em que a gente quer. Para rezar, para poder rezar bem. Rezar o quê? Pedir a graça de lutar ainda melhor. Ainda que as balas do adversário estejam sibilando nesse momento, o que é que tem?!

Que coisa mais bonita do que ser fuzilado rezando a oração ensinada pelo próprio Nosso senhor Jesus Cristo. Logo depois, terminado, começa a carga de novo. Tem muito mais grandeza do que nunca interromper a carga. É um ato de fé magnífico, e que tem uma nota especial de grandeza, que é a forma de grandeza espanhola. No que consiste essa grandeza?

* Característica espanhola

Uma espécie de luxo perdulário diante da morte. Os outros são corajosos diante da morte. Mas faz parte da graça, quando ela trabalha em alma de espanhol, que ela acumula as condições por onde a gente enfrente a morte. Há uma espécie de esbanjamento de pormenores arriscados que se empilham uns sobre os outros. Parar durante a batalha e durante o tempo de um Padre Nosso fica esperando a morte é, dentro da morte, abrir ainda mais as possibilidades da morte vir por cima de nós. É como que multiplicar a coragem pela coragem, sob o signo da piedade. Que homens tão “leoninamente” corajosos! Tem uma coragem recolhida, parada, varonil. Rezem e continuem a lutar. Há uma espécie de grandeza dentro da grandeza, que é uma espécie de beleza dentro da beleza e de glória dentro da glória, que é verdadeiramente uma maravilha.

Sentimentalismo — eu fico para dizer uma palavra rápida a respeito do sentimento e do sentimentalismo.

A.R.M.