Santo do Dia de 18.11.68 -- 2 Feira -- [SD 083]

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Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Eu vou fazer uma tentativa de um Santo do Dia um pouco sui generis, porque em vez de ter como base para comentário um texto, tem como base uma figura: e é um santinho representando a imagem, creio eu muito conhecida pelos senhores, de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Depois que eu organizei a projeção, etc, etc, me veio ao espírito um problema que a imagem sugere e que é relacionado com a minha caríssima geração-nova. É que esta imagem é uma imagem de inspiração bizantina e não se deve ver nela o gênero de beleza que apresentam as nossas imagens ocidentais. Se a gente considera, por exemplo, a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora que temos na capela, ou a de Nossa Senhora do Carmo, na Sala da Tradição, ou a de Nossa Senhora de Fátima aqui no auditório, os senhores notarão que são rostos muito bem talhados, muito bem cortados, representando faces de pessoas bonitas. Para representar a face da Rainha do Céu, pareceria razoável que se representasse uma pessoa bonita, se por bonito se entende a coisa bem cortadinha, bem arranjadinha, carinha de boneca. Então, não é bonita a imagem que vou representar aos senhores. Ela tem muita expressão. Ela é de outras eras, vem de séculos atrás, ela tem muita expressão entretanto. E é esta expressão que se trata de ver.

Eu vou procurar fazer um comentário da imagem nos seus vários significados, e depois os senhores me dirão, com toda franqueza, se um comentário desta natureza lhes é proveitoso para a vida espiritual. É uma tentativa de variar um pouco o estilo do nosso Santo do Dia. Então, eu pediria ao João o obséquio de projetar a imagem e apagar as luzes.

Trata-se aqui da imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, invocação muito bonita, que é difundida hoje na Igreja sobretudo pelos padres redentoristas. Esta invocação é muito bonita porque indica a misericórdia invariável de Nossa Senhora. O perpétuo socorro é um socorro, é um auxílio, é um ato de misericórdia, é um ato de piedade perpétuo, quer dizer, ininterrupto, que não se detém nunca, que não cessa nunca, que não se suspende nunca. Nunca quer dizer em nenhum minuto, nunca quer dizer em nenhum lugar, nunca quer dizer em nenhum caso. Quer dizer, por pior que seja a situação de quem recorra a Ela, Ela é mãe de misericórdia e Ela socorre sempre aqueles que a Ela se dirigem.

Esta imagem é uma imagem de uma técnica especial, a começar pelo fato de como os senhores devem estar notando aqui, ela tem um fundo dourado. E os fundos dourados se usaram muito para as imagens e os quadros de personagens no antigo império romano do Ocidente e do Oriente, e durante uma parte da Idade Média também se utilizou. Os senhores vêem, por exemplo, naqueles quadros de Fra Angelico que há na sala do Reino de Maria, aqueles anjos, o fundo é dourado. E o fundo dourado se utilizava para personagens eminentes, para personagens muito importantes. E a idéia era de não colocar estes personagens, como hoje se põe, imaginar estes personagens numa sala, num quarto, numa paisagem, sentados numa cadeira, mas imaginar estes personagens num fundo, desligado de todo o tempo, de todo o lugar, desligado de qualquer espécie de idéia que não fosse a idéia de glória.

Esta imagem tem como fundo então este ouro, que representa a glória da Rainha do Céu, e os senhores notarão que Ela tem uma auréola de santa em torno da cabeça, que é dourada também, como o Menino Jesus tem uma auréola de santo dourada. E depois, além da auréola, uma coroa com pedrarias, que representa a realeza e que é dourada também. E os senhores notam que a construção da coroa de Nossa Senhora é idêntica à construção da coroa do Menino Jesus. Os senhores notam que há aqui uma espécie de filigrana de ouro com pedras - tudo imaginário, é pintado - que parecem pérolas, aqui os senhores encontram umas pedras vermelhas que seriam rubis, na base da filigrana existe um diadema com pedras incrustadas, e a coroa do Menino Jesus obedece exatamente ao mesmo esquema.

Nossa Senhora está revestida de um manto azul, mas que Lhe sobe até a cabeça, e que envolve a cabeça. Constitui, aqui, uma espécie de xale. Os senhores notarão que Ela tem aqui uma pedra preciosa refulgente, algo que parece com uma estrela; e do lado de cá, algo que parece uma aplicação de ouro no próprio tecido e que também dá a impressão de uma estrela ou de uma cruz.

Os senhores, analisando melhor a imagem de Nossa Senhora, percebem que ela está revestida de uma túnica vermelha, encimada provavelmente por um tecido de ouro, no qual estão costuradas algumas pedras preciosas e um brilhante magnífico enfeixa aqui a túnica, nesta parte da frente. Os senhores vêem aqui que reaparece a túnica vermelha, por debaixo, aqui na manga e aqui também, porque o pano da capa está afastado. Os senhores notam que a túnica vermelha aparece aqui e aqui também. Como os senhores verão daqui a pouco, todas estas coisas têm seu simbolismo. Eu estou primeiro chamando a atenção dos senhores para os pormenores para depois atrair a atenção dos senhores para o valor, o alcance destes símbolos.

O Menino Jesus está sentado sobre a mão de Nossa Senhora. Nossa Senhora O carrega na mão. Ele está olhando com uma fisionomia, Ele está inteiramente encostado Nela, mas como uma criança que está muito familiarizada com sua mãe, e que ao mesmo tempo que está gozando do prazer de estar junto ao regaço materno, entretanto se distrai com alguma coisa que está olhando. Há, da parte do artista, uma certa imperícia. Os senhores estão vendo que o Menino Jesus está um pouco grandinho demais para ser carregado por esta forma por Nossa Senhora. Quer dizer, há qualquer coisa que não está bem de acordo com as proporções. Mesmo o tipo do corpo Dele - já não digo o tamanho, mas o tipo Dele dá mais idéia de um adolescente do que o corpo de um menino. A imagem é muito venerável, mas ela não é reputada como uma grande obra de arte. Ela é reputada uma obra de arte muito interessante, na qual um crítico artístico exigente encontra defeitos e um, mais competente do que eu, encontraria certamente defeitos muito maiores.

Os senhores notam que o Menino Jesus está vestido com uma túnica branca. Ele tem uma cintura rósea, e Ele tem colocado um pouco negligentemente uma capa que está aqui caída, mas que nós vemos aparecer aqui e depois reaparecer aqui. E então, como a capa é muito, muito larga - a gente vê porque está caída - forma numerosas pregas, as quais, a meu ver, estão muito bem estudadas, como também o panejamento me parece muito bem estudado e muito natural.

Os senhores têm aqui anjos com instrumentos da Paixão. Aqui está um anjo com a asa, com uma túnica vermelha, o halo da santidade, ele tem aqui uma lança e a esponja. Aqui os senhores têm a esponja com fel que deram a Nosso Senhor para beber. Aqui os senhores têm um outro anjo, com uma túnica rósea, os senhores vêem a asa e aqui está a cruz. Curiosamente, uma cruz com vários braços.

O que devemos dizer, antes de tudo, da fisionomia da imagem? A imagem de Nossa Senhora é muito expressiva por causa da atitude profundamente materna que ela tem. A gente vê a mãe que carrega seu filho com uma naturalidade extraordinária, com um afeto extraordinário, toda a intimidade magnífica de Nossa Senhora com o Homem-Deus, com o Menino Deus aí aparece, porque os senhores vêem que Ela está com uma expressão de olhar recolhida, numa expressão de olhar de orante, de pessoa que reza. Os senhores vêem que Ela, apesar de O segurar com muita intimidade, O segura, entretanto, com respeito, e que a atitude Dela é de um profundo respeito, de uma profunda veneração, de um profundo recolhimento. É que Ela está rezando para Ele, ao mesmo tempo em que O carrega. Ela está certa que tem nos braços o próprio Deus encarnado e a atitude Dela é de adoração.

A fisionomia de Nossa Senhora, o rosto, não é bem cortado. Aqui, por exemplo, o pescoço aparece muito rígido. Os traços fisionômicos: a boca é delicada, o nariz talvez um pouco comprido demais, qualquer primitivismo que chama um tanto a atenção. Mas isto são defeitos secundários, porque o sopro da arte autêntica existe aí na expressão recolhida da fisionomia, na nobreza do porte e no afeto que todo o porte revela.

Agora nós passamos ao simbolismo. O hábito, o traje de Nossa Senhora representa Nossa Senhora com a túnica azul e com a roupa vermelha. Ora, acontece que a túnica azul distinguia as virgens no tempo de Nossa Senhora, ou melhor, a túnica vermelha distinguia as virgens e a túnica azul distinguia as mães. De maneira que o vermelho e o azul indicam a virgem e a mãe. Os senhores vejam que bonita combinação, símbolos discretos, que não chamam a atenção, mas que dizem, definem quem é Nossa Senhora.

De outro lado, para mim, o simbolismo mais tocante é aqui: os senhores estão vendo o gesto com que o Menino Jesus se apóia na mão de Nossa Senhora e como que Nossa Senhora - não sei se os senhores percebem - como Nossa Senhora segura as duas mãos Dele: uma das mãos está inteiramente contida aqui, entre este dedo e dedo indicador. A outra mão vem de trás e segura aqui, mas de maneira tal que o movimento da mão de Nossa Senhora governa o movimento da mão do Menino Jesus. Era exatamente um símbolo de homenagem e de obediência antigos, a mão do inferior ficar posta na mão do superior. O superior indicava seu domínio, seu poder, sobre o inferior, porque um homem que segura as mãos do outro evidentemente segura-o por inteiro. Então, para indicar o valor da oração de Nossa Senhora, que Nossa Senhora pode tudo sobre o Menino Jesus, que a oração Dela governa o Menino Jesus, com muita naturalidade o artista representou o Menino Jesus prestando este ato de obediência a Nossa Senhora. Se não se conhecesse o simbolismo, a posição Dele é tão natural e tão freqüente em crianças que não se diria que teve uma segunda intenção.

O que é próprio desses quadros assim é que o simbolismo quase não aflore e que a pessoa que o contemple tenha a distração de adivinhar o que cada símbolo quer dizer. É uma ocupação piedosa que retém a atenção no quadro e que é incomparavelmente superior às tais charadas de quadrinhos, etc, etc. É uma coisa nobre, em que a pessoa vai procurar algo que tenha significação.

Estes dois anjos, o que representam? Nossa Senhora segura o Menino Jesus e o Menino Jesus olha para os dois e vê a Sua Paixão, que é profetizada por Ele. Quer dizer, ao mesmo tempo [em] que se lembra Nela a Virgem e a Mãe, lembra-se Nele o Menino, mas o Redentor do gênero humano, que foi esperado pelos profetas e que vai resgatar o gênero humano.

Depois, pormenor pitoresco, para o qual eu ainda não vi nenhum simbolismo, é esta sandália que está pendurada no pé do Menino Jesus. Não vi nenhuma explicação. Tem que ter algum simbolismo, eu não vi nenhuma explicação. Os senhores estão vendo que num dos pés a sandália está bem presa. No outro pé, a sandália está quase caindo, está pendurada aqui. Mas o Menino Jesus move um pouco aqui o pezinho, como quem quer segurar a sandália. Eu precisaria estudar melhor o assunto para poder dizer que esta explicação é justificativa, é justificada, mas eu tenho a impressão de que seria muito bonito que isto significasse exatamente a situação da alma pecadora, quase para cair, mas que o Menino Jesus socorre e ainda sustenta sobre os abismo e sobre o chão. Quer dizer então o perpétuo socorro: a sandália que é apoiada, a sandália que é sustentada no ar e que não cai por causa do socorro do Menino Jesus, que Nossa Senhora segura e para quem Nossa Senhora ora. Seria, a meu ver, uma linda explicação.

Eu tenho conhecido em minha vida tantas almas suspensas a esta sandália, como esta sandália, e tenho visto depois tantas almas suspensas assim se erguerem depois e ficarem como a outra sandália, que eu acharia muito bonito que a explicação fosse esta. Este santinho que me foi dado, interpreta assim: não, interpreta do mesmo jeito: ''A sandália desatada, símbolo talvez de um pecador preso ainda a Jesus por um fio, o último: a devoção a Nossa Senhora''. Os senhores estão vendo que é uma linda interpretação.

Estas letras gregas querem dizer, de um lado em cima, Mãe de Deus; a estrela, no véu de Nossa Senhora, indica que Nossa Senhora é a estrela que nos guia no mar da vida até o céu. A outra abreviatura significa São Miguel Arcanjo. Esta coroa de ouro foi colocada no ano de 1867, não é original do quadro, não está no quadro. Foi presa ao quadro em 1867, como agradecimento por tantas graças que Nossa Senhora tem dado aos homens. São Miguel é o que apresenta a lança e a vara com a esponja. O outro anjo é São Gabriel, que fez a Anunciação. Uma outra abreviatura de Jesus Cristo e assim está explicado o essencial do quadro.

Eu não vou perguntar, porque os senhores por polidez vão dizer que esteve esplêndido. Mas os senhores depois comentem entre si e alguém me transmita se vale a pena fazer de vez em quando assim a projeção de uma imagem, ou se… [faltam palavras] …que isto é menos expressivo do que uma vida de santo.