Reunião
Normal – 29/8/68 – 5ª feira .
Reunião Normal — 29/8/68 — 5ª feira
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No documento da “CELAM”, o episcopado toma uma posição que favorece a propaganda comunista * O documento da “CELAM” desarma as resistências anticomunistas na América Latina, constituindo assim um crime de alta traição * Falso conceito de empresa, adotado no documento da “CELAM”, que destrói a propriedade privada e favorece o coletivismo * Conceito católico de empresa e sua oposição ao materialismo comunista. Exemplos: leiteria “Campo Belo”, uma companhia de teatro * No documento da “CELAM” o episcopado prega a guerra civil * A atitude da Igreja face à escravidão prova que não é próprio a Ela o espírito de revolução social * Cuba: país onde mais necessárias seriam as reformas pleiteadas pela “CELAM”, não é, entretanto, citado em seu documento
* No documento da “CELAM”, o episcopado toma uma posição que favorece a propaganda comunista
… artigos da resolução do “CELAM”, mas ainda ficou uma uma parte por examinar.
São reflexões muito rápidas que eu queria fazer a respeito disso.
A primeira é a seguinte: é a posição que tomou o “CELAM” perante a propaganda comunista.
A meu ver o mais grave do documento do “CELAM” está nisso, quer dizer, os defeitos filosóficos que D. Mayer muito bem apontou no documento existem, mas além desses documentos feitos do lado político, eu acho que o mais grave está no seguinte:
Em última análise nós estamos em presença de um fato que é notório para todos nós [que] somos um país no qual o comunismo desenvolve uma propaganda com determinadas metas, com determinadas palavras-chaves, palavras-talismã, e com determinados métodos.
Bem, em face dessa propaganda, a posição do episcopado foi de não tomar conhecimento que a propaganda existe, adotar inteiramente as metas, as palavras-chaves (talismânicas) e os métodos de maneira tal que, sem dizer diretamente que é comunista, acaba sendo a tal história: Porque se tem cabeça de cachorro, corpo de cachorro, cauda de cachorro, é cachorro, não é? No quê é que está a coisa?
O comunismo diz: “Nós estamos num mundo em desenvolvimento, nós precisamos realizar reformas urgentes, reformas profundas, reformas de estruturas radicais”.
Bem o comunismo não diz quais são essas reformas, mas pelo modo pelo qual essas palavras são lançadas, fica muito claro que se trata de reformas o mais possível restritivas da propriedade privada e que se for possível chegarão à eliminação da propriedade privada.
Isto é notório aos olhos do país inteiro. Tanto mais notório que foi sob o rótulo de reforma que Fidel Castro realizou o comunismo em Cuba.
Quando ele eliminou a propriedade privada em Cuba ele declarou que estava fazendo a reforma agrária, reforma da empresa e reforma urbana. Quer dizer, é o nome usado pelo comunismo para realizar suas metas. Mas quando ele diz que está fazendo seus confiscos, ele chama isso de reforma.
Bem, agora os métodos. É agitação, luta de classes. As palavras-chaves: pobreza, subdesenvolvimento etc, etc. Isso daí é notório que o comunismo está fazendo.
Bom, vem agora o episcopado e diz: “É preciso fazer as reformas. Reformas urgentes, reformas tátátá…” tal qual diz o comunismo. Adotar as mesmas palavras mirabolantes e exageros a respeito da situação atual etc.
Métodos: desenvolve a luta de classes pintando a situação muito pior do que é, e evidentemente criando clima para o tal movimento de “pressão libertadora” do C. Helder Câmara.
Mais ainda, o episcopado — eu vou tratar isto daqui a pouquinho — por dois dados expressos, vai mais adiante do que a propaganda comunista habitual.
Bem, mas ainda que fosse só isto, ele por esta atitude indica o seguinte: “eu não tenho conhecimento que o comunismo existe, ou por outra, como é absurdo dizer que não tem conhecimento que o comunismo existe, eu acho que o comunismo a gente não deve combater. A gente deve usar as mesmas palavras que ele, os mesmos sistemas que ele e não deve combatê-lo.
“Quer dizer então, ou estamos colaborando com ele, ou estamos entregando os pontos para ele, mas nós ignoramos a presença do comunismo dentro da questão social da América Latina, da propaganda comunista dentro da questão social da América Latina”.
* O documento da “CELAM” desarma as resistências anticomunistas na América Latina, constituindo assim um crime de alta traição
Agora, vamos conceber aquilo que não está na realidade, mas vamos conceber que a América Latina tenha problemas sociais tão graves quanto o comunismo afirma que tem, quanto o “CELAM” afirma que tem. Vamos dizer que esses problemas são como chagas. O comunismo dentro dessa chaga representa o vírus que infecta a chaga. Que pode não ser a causa da chaga, mas que infecta a chaga.
Resultado, não é possível pensar num curativo da chaga sem que se pense na eliminação do vírus. Um médico que procure debelar a chaga sem debelar o vírus está traindo o seu desejo.
Agora, que é evidente que dentro dessa chaga da questão social o comunismo faz o papel de vírus, faz o papel de micróbio, é uma coisa evidente.
Agora, o quê é que faz o episcopado? O mínimo que faz é ignorar a existência do micróbio e com isso desarmar as reações anticomunistas. Porque, ou ele indica por aí que tem a esperança de eliminar o comunismo sem combater ou — coisa muito pior — ele indica que deseja o advento do comunismo.
O anticomunismo enquanto tal, a reação da América Latina contra o comunismo à vista dessa coisa do comunicado — vamos formular de outro modo. Tudo no comunicado tende a desmoralizar completamente a reação anticomunista na América Latina.
Vamos apresentar isso por essa fórmula. Isso é uma coisa fácil de demonstrar, é uma coisa evidente e constitui um crime de alta traição.
* Falso conceito de empresa, adotado no documento da “CELAM”, que destrói a propriedade privada e favorece o coletivismo
Mais ainda. Indica claramente o desígnio de fazer o comunismo. Tanto mais que há dois pontos que vão além do que eu falei, que são, dentro do linguajar da mensagem do “CELAM”, são como que dois mosaicos, duas incrustações, mas que vão além dessa atitude mal velada, porque nesse ponto eles arrancam a máscara duas vezes.
E a respeito desses dois pontos eu gostaria de saber se o comentário ontem foi bastante claro ou se os senhores quereriam fazer uma leitura calma desses dois pequenos textos para se inteirarem bem.
Primeiro é a respeito da empresa. O documento nega a propriedade privada da empresa. Ora, quem nega a propriedade privada da empresa … o que é a empresa? Ora, todo patrimônio empregado para produção econômica é empresa. Uma fazenda é uma empresa agrícola, uma casa de comércio é uma empresa comercial, uma fábrica é uma empresa industrial, um colégio é uma empresa de caráter educativo, mas tudo é empresa, não é?
Quem nega o caráter de propriedade individual da empresa, esse afirma o comunismo taxativamente, de modo tranchant.
Bem, eu não sei se esse ponto ficou bem claro na leitura da mensagem ou se gostariam que eu lesse o trechinho da mensagem referente a isso para documentar bem.
Os que desejam que eu leie esse trechozinho, tenham a bondade de levantar o braço para eu fazer uma idéia.
O trecho da mensagem é este: — tudo isto está entre aspas, não é resumo do “Estado de São Paulo”, mas é texto. Quer dizer, pode ser que o texto esteja falsificado, nada indica, mas a ser o texto, o texto é este:
A Empresa não se identifica com os donos do capital, porque não é propriedade de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, nem propriedade privada do Estado.
Quer dizer portanto, vamos dizer, uma fazenda não se identifica com os donos do capital. Há uma coisa chamada capital e a outra coisa que é a empresa. O indivíduo que é dono do capital não é dono da empresa.
O quê é que é? Então o capitalista seria dono do capital que gira na empresa, mas ele não é dono da empresa. Bem, ele não é dono, o Estado também não é dono da empresa, quer dizer estão todos confiscados da empresa. A empresa existe mais como propriedade de ninguém. Bem, a empresa é fundamentalmente comunidade de poucas e unidade de trabalho que necessita de capitais para produção dos bens.
Quer dizer, a empresa portanto é fundamentalmente um grupo de pessoas que necessita do capital para produção dos bens.
A empresa é portanto, — vamos dizer — a fazenda é um conjunto de colonos, mais de fiscal, mais de administrador, não é? E isto se identifica com a entidade chamada fazenda.
Agora, o quê é que é o capitalista? Ele é o proprietário do dinheiro de giro, ele é o proprietário de alguma coisa ali dentro que não é o conjunto. O conjunto tem como propriedade o próprio grupo de produção.
[Dr. Castilho faz uma pergunta]
Não se pode achar que é, que o capital abrange as terras, pelo seguinte, veja a expressão:
A empresa não se identifica com os donos do capital porque não é propriedade do indivíduo ou de um grupo de indivíduos, nem propriedade privada do Estado.
Veja bem, a empresa portanto não é também propriedade de uma sociedade anônima, não é nada disso, não é?
A empresa é fundamentalmente comunidade de pessoas e unidade de trabalho.
Bom, sugere a idéia que esta comunidade de trabalho e esta comunidade de pessoas tem sobre aquela exploração, uma propriedade, um direito, para o qual o capital é apenas um colaborador, é um instrumento, é um dos elementos… Como? [Alguém faz uma pergunta]
É um instrumento de produção da empresa, o capital. Vamos dizer, por exemplo, leiteria; fulano tem uma leiteria. A leiteria o quê é que é? É o conjunto de pessoas, naturalmente, mais o negócio, quer dizer, os fregueses, aquela coisa toda, não é?
Quem tem o capital na leiteria é uma espécie de prestamista, porque a empresa — evidentemente se entende — um negócio, vamos dizer, uma leiteria é um conjunto de fregueses, de clientes, de abastecedores, é uma relação que, considerada teoricamente, pode valer mais, e muito mais do que o capital que nela está empenhado, não é verdade?
Vamos dizer, por exemplo, uma leiteria na cidade, como foi a “Campo Belo”, muito freqüentada etc, etc. O capital que tem dentro da “Campo Belo” é um capital muito pequeno, mas a empresa vale muito, por quê? Porque é um conjunto de relações que um homem conseguiu estabelecer. Ele encontrou os fornecedores, ele encontrou o ponto, ele encontrou os fregueses.
Esse conjunto é a substância da empresa, não é verdade? Este negócio é reputado propriedade da equipe que nele trabalha e é distinto do capital que está posto a serviço dele. Esta é a teoria que a gente vê insinuada dentro do negócio.
[Dr. Azeredo faz um aparte com exemplos]
Fica oferecida aqui veladamente uma espécie de acordo para o capitalista, compreende? Quer dizer, o capitalista acaba sendo um elemento… no capitalista você acaba distinguindo duas coisas: o diretor da empresa que faz parte do grupo humano e o dono do capital que foi aplicado na empresa, que é uma espécie de prestamista da empresa…
[Dr. Castilho faz um aparte]
… de aplicar. E outra coisa, a coletividade, como precisa daquilo, tem o direito àquilo, não é? Então você tem uma espécie de patrão que é mais ou menos o tipo de patrão ideado pelo Mao-Tse-Tung. Quer dizer, o chefe de empresa, ainda vagamente titular de um direito qualquer dentro da empresa, mas a empresa já não é dele, ele é funcionário da empresa.
[Uma pessoa faz um aparte mostrando como os revolucionários utilizam declarações de Pio XII e daí fazem sofismas, jogos de palavras]
Pio XII, em mais de uma declaração, afirmou que a natureza da propriedade é individual, inclusive da propriedade da empresa. Em mais de uma declaração, e isto naturalmente contraria essa declaração de Pio XII, não é?
[Continua o aparte]
Acaba absorvido pela empresa, fica ele com uma espécie de resto de um direito qualquer que não se sabe qual é, não é? Que é extrínseco à condição dele de administrador da empresa, que aliás a gente compreende que seja extrínseco quando a gente pensa no acionista.
[Aparte]
É, é isso, exatamente um pouco nessa linha.
Mas agora, acontece o seguinte, o sócio de capital-indústria é co-proprietário da empresa, e nesta concepção ele não é proprietário da empresa.
O que tem a escamoteação deste texto é o seguinte: é que a gente tem que considerar portanto, numa empresa, três elementos: tem que considerar o negócio, tem que considerar o capital aplicado que é uma coisa distinta do negócio e tem que considerar, depois os trabalhadores, assalariados, não é isso?
Bem, e eles não especificam o papel do negócio no caso, não é?
Eles simplesmente dizem a “empresa é propriedade” etc, etc. Bom, fazendo a distinção entre a empresa e o capital, não é? Afirmando a existência de um grupo humano, a gente entende bem qual é a idéia, não é?
É que o negócio nasce do trabalho de todos, como nascendo do trabalho de todos o negócio é propriedade comum de todos. E o capitalista então acaba sendo um prestamista que aplicou o dinheiro ali para tirar algum juro ou alguma coisa, na melhor das hipóteses; e um prestamista não livre, hein! Essa é a idéia.
* Conceito católico de empresa e sua oposição ao materialismo comunista. Exemplos: leiteria “Campo Belo”, uma companhia de teatro
Bom, agora, como essa idéia teoricamente se justifica?
A idéia se justifica por aí: vamos voltar ao caso do … eu explico um pouco para os que não são de São Paulo, mas o exemplo é tão bom que vale a pena dá-lo.
A leiteria “Campo Belo” era uma leiteria que havia aqui na rua de São Bento, fechou creio, não é? É, é uma leiteria que havia aqui na rua de São Bento, mas que servia chá, servia tudo, uma casa-de-chá, vamos dizer, mas aberta, assim meio popular, onde ia um mundo de gente.
Como capital, tinha umas mesinhas muito ordinárias, umas cadeiras muito ordinárias, uns balcões muito ordinários e um serviço de chá dos mais ordinários possíveis. Quer dizer, o capital era o mínimo, mas dava muito dinheiro.
Então havia ali um negócio, quer dizer, uma relação de fornecedores, organismo e consumidores, a qual valia incomparavelmente mais do que o capital que estava aplicado aí.
Neste exemplo concreto a distinção entre empresa e capital fica mais clara.
Bem, então nossa idéia é a seguinte:
O homem que fez o negócio, que é o dono do negócio, é o sujeito que pela primeira vez abriu esta leiteria, que compreendeu que aquele ponto era bom, que estudou um tipo de negócio que atendia às conveniências da clientela, que estudou preços, que estudou um ambiente, que estudou um conjunto de circunstâncias que sem dúvida nenhuma pesavam na leiteria “Campo Belo”; que foi o homem que pensou tudo isto, que inventou tudo isto; este é o homem que criou, que constituiu a empresa.
Bem, então ele era o dono da empresa. Se a empresa falisse, quem respondia por tudo era ele, os outros são os empregados, são os instrumentos que ele escolheu para a realização da empresa, ganhar um tanto por mês, não tinha prejuízo nem tinha lucro.
Bem, numa visão comunista isto é falso. O empregado colaborou com o proprietário para fazer a empresa. Porque o trabalho manual do empregado é reputado da mesma valia ou mais do que o trabalho intelectual do sujeito que pensou na coisa, do comerciante que ideou a coisa.
O comunismo exatamente se baseia na maior valorização do trabalho manual e negação do trabalho intelectual. De maneira que então a nossa idéia de que o golpe de inteligência que o homem teve fundando aquilo é tudo, e o resto é uma migalha que com o ordenado se esgota, esta idéia é negada pelo comunismo.
Se essa idéia é negada pelo comunismo, nós vemos aí as raízes no materialismo comunista, porque no fundo isto é materialismo.
Bem, então naturalmente a empresa é um produto de colaboração de todos e o trabalhador é, por natureza, sócio da empresa. Ora, foi precisamente isto que Pio XII condenou: a teoria de que o trabalhador é por natureza sócio da empresa.
Isto está claro? Porque como isso vai aflorar, eu acho interessante tornar isto bem claro. Dr. Eduardo…
[Dr. Eduardo faz uma pergunta]
Ah, claro!
(Dr. Eduardo: Quer dizer então que aquele homem está continuamente exercendo uma influência sobre ela que faz com que na hora em que ele morresse aquilo fechasse?)
Isto. Recriando a empresa. Não tem nada a ver com o capital que ele aplicou e que no “Campo Belo” era um mínimo.
Mais ainda, no caso do “Campo Belo” ainda era mais. Era ele que selecionava o tipo de garçonette que servia para o caso, fazendo com que uma mulher que fosse apta para aquele serviço entrasse lá e ganhasse bastante, percebendo nela dons que ela talvez ignorasse, evitando que ela fosse para uma fábrica ganhar muito menos.
Mas a questão é a seguinte: se alguém é materialista equipara o trabalho material ao trabalho intelectual e mais ainda, subestima o intelectual e aprecia o material.
Se isto é verdade, toda essa concepção da empresa como filha do talento de um comerciante ou de um industrial, cai. E então a idéia de que todos são sócios da empresa, nasce necessariamente. Eu não sei se estou bastante claro, ou não?
Bom, essa concepção é uma concepção injusta. O homem que teve o golpe comercial, ele teve uma forma de inteligência, ele soube sentir, ele soube fazer uma coisa que outro não soube, não é? E por causa disto, ele é o “pai” da coisa. E o outro é o assalariado, não é?
Nós podemos sentir bem o absurdo disso imaginando, por exemplo, uma companhia de teatro.
Um empresário forma uma companhia de teatro ambulante. Nesta companhia ele contrata artistas. Ele sabe sentir de que artista o público gosta. Ele sabe… [aparte]
Não, mas o Procópio era, ele mesmo, um trabalhador. Vamos tomar um que é apenas o organizador.
Ele sabe que repertório o público gosta, ele sabe que maestros saberão exigir dos artistas, o jogo necessário para o público. Ele sabe influenciar o público pela propaganda de maneira a gostar da “mercadoria” que ele apresenta.
Bom, então tem ele, tem os artistas, tem o maestro, digamos enfim etc.
Depois tem os empregados de toda ordem, porque uma companhia de teatro se desloca levando malas enormes com muitas roupas, enfim, tem trabalhadores manuais de toda ordem.
Bem, segundo esta concepção, a empresa é este conjunto de pessoas, o negócio se identifica com o conjunto de pessoas e todo este conjunto de pessoas é o negócio e são as proprietárias do negócio.
Numa concepção espiritualista, não. Na concepção espiritualista o negócio pertence àquele que concebeu.
Alguém dirá: “Está bom, mas vamos imaginar um tão grande artista na empresa, que a empresa passe a viver deste artista. Este artista tem o direito de exigir sociedade no negócio ou sair do negócio”.
Isso ele tem, mas isto é porque numa situação dada, excepcional na empresa, um determinado colaborador passou a ser prodigioso e entra como sócio.
É como numa fábrica. Entra um técnico que faça invenções extraordinárias. Ele, em determinado momento pode chegar e dizer: “Não, estas minhas invenções valem muito. Ou vocês me dão uma co-propriedade de uma quota “tanto” de ações, ou eu não entrego a vocês as minhas invenções”.
Isto é uma outra coisa, é quando um trabalhador, pelo alto quilate intelectual de seu trabalho, sobe a um tal grau que ele se identifica com a direção do trabalho. Então é admitido no quadro social. É um fato comum na vida de incontáveis empresas.
Mas daí dizer que, por sua natureza, o negócio se identifica com o grupo humano, isso não é verdade.
Agora, é o que está dito aqui. Porque o quê é que é a empresa? A palavra “empresa” tem um sentido comum. O quê é que é a palavra empresa?
No fundo é o negócio. Se ele diz que o negócio se identifica com o grupo humano e que ninguém é dono do negócio, eles põem de lado o capital. Os senhores estão vendo onde é que ele chega, onde é que a declaração chega.
Quer dizer, é uma declaração materialista, que produz todos os seus resultados dentro de uma declaração episcopal.
[Fazem uma pergunta]
Ah! Sumamente, porque o materialismo é igualitário, não é? Tudo é uma coisa só: matéria. É o fulcro do igualitarismo.
[Dr. P. Brito faz uma observação a respeito de uma empresa socialista “teste” organizada pelos dominicanos, com fins estratégicos]
E isso aqui tem uma finalidade política, por não ser o último passo, tem uma finalidade estratégica, tática que daqui a pouco eu mencionarei. Isto está claramente posto ou não?
Bom, vamos chegar ao último ponto da interpretação.
Eles então dão aqui uma definição de empresa. Alguém poderia dizer: “Dr. Plinio, quem sabe se eles entendem por empresa uma coisa diferente do que o senhor está entendendo. O senhor está entendendo por empresa o negócio, ela entendeu por empresa o grupo humano, não é?”.
Não se pode alterar por esta forma o uso de uma palavra corrente e consagrada no vocábulo comum. No vocábulo comum a palavra empresa não quer dizer grupo humano.
Vamos imaginar, por exemplo, um grupo humano que é expulso de uma casa comercial. Está na rua; isto se pode chamar uma empresa? Quando eles estão desencarnados de qualquer negócio, eles podem se chamar uma empresa? Quem não compreende que isto aí é violar todas as regras do vocábulo Português como ele é, é violar quer dizer a la absurdo, porque ninguém pode fazer interpretação que chegue a atribuir a uma palavra um sentido que ela não tem.
Quer dizer, eles de fato, não definindo o que é empresa, eles estão fazendo outra coisa, eles estão é dizendo que é propriedade do grupo humano. Aqui está o fundo hermenêutico do negócio. Este fundo hermenêutico está bem claro ou querem que eu me exprimisse mais claramente?
* No documento da “CELAM” o episcopado prega a guerra civil
Bom, então, se me permitirem eu passo adiante, à parte da violência.
Ele [o documento do “CELAM”], tem uma parte aqui na violência, em que ele diz — se quiserem depois eu procuro aqui, porque está sublinhado: “A América Latina vive num estado de violência institucionalizado”, quer dizer, são instituições, a violência de uma classe dominadora sobre a classe dominada é tal que já passou a ser uma instituição e vive das instituições, modelou as instituições para serem instrumento de opressão dessa violência.
Bem, se isto é verdade, então também é verdade que a classe que está sendo objeto da violência tem o direito de pleitear que essa violência cesse. Porque todo o indivíduo que está sendo objeto de uma violência tem o direito — uma violência com base na injustiça — tem o direito de pleitear que seus direitos sejam reconhecidos e que aquela pressão, mediante a qual a pessoa é obrigada a estar numa situação injusta, cesse.
Bom, agora, deve em primeira linha tentar isso por meios suasórios, mas quando não consegue tentar por meios suasórios, tem o direito de usar a contra-violência, isso é comum.
Se, portanto, o regime nosso tem tantas violências institucionalizadas que elas, por assim dizer, se identificam com ele — que é o que resulta de toda a mensagem — então é legítimo, e até um dever da Hierarquia já que outros líderes civis não tentam isso, tentar acabar com essa violência.
Se por meios pacíficos a “pressão moral libertadora” de D. Helder Câmara — moral, não é física — se não houver meios está aberto o campo para a violência material.
Mais ainda do que aberto o campo, está criado o ambiente, porque exatamente uma primeira pressão moral, um movimento de pressão moral, cria o clima para depois passar às vias de fato. Como uma briga de boca, cria o clima para o tapa. Não há uma alternativa: ou tapa ou briga de boca. A briga de boca é normalmente precursora do tapa. Pela ordem natural das coisas.
Então, em última análise o episcopado visa aí a revolução social, insufla a revolução social.
(…)
… disse, “eu sou contra a violência”.
Perdão! Contra a violência todo mundo é em primeira linha, mas “in extremis” nós …
(…)
Não sei se querem ver o trecho da violência, ou se está visto já. Os que desejam ver o trecho da violência tenham a bondade de levantar a mão.
“O problema da violência é abordado de acordo com as declarações de Paulo VI em Bogotá a esse respeito. Diz o documento:
“A guerra civil com destruição de vidas e bens é uma eventualidade muito grave”.
Vejam hein! Até aqui sempre se disse que a guerra civil, a revolução é de si legítima, é per accidens que certas circunstâncias a tornam legítima. Aqui não. É uma eventualidade grave. A eventualidade grave pode ser legítima. Pode até ser um dever. É uma eventualidade muito grave…
“que não se pode admitir se não em casos extremos”.
Os senhores estão vendo como é o negócio? Portanto, verificar um caso extremo, pode-se admitir! Qual é o caso extremo? É exatamente o de uma pobreza crônica que uma classe dominadora não quer aceitar de remover. É caracteristicamente um caso extremo.
Está aberto o campo para eles amanhã, depois do aparente insucesso dessa “pressão moral libertadora”, se ela não alcançar sucesso mesmo, tem a vantagem de dizer: “Aqui está, é preciso fazer violência, porque não deu outro resultado, não quiseram ouvir nossa voz! Agora, então, nós que chefiamos a “pressão moral libertadora”, vamos chefiar a “pressão moral libertadora”. Quer dizer, vamos fazer a revolução comunista, vamos operar”.
Não sei isto ficou claro na exposição de ontem, de maneira que eu queria pôr estes dois pontos que são a meu ver o âmago do documento, com toda a clareza necessária para nós compreendermos onde é que nós estamos entrando, não é?
Bem, o documento admite logo a seguir que é fato…
“inegável que o continente se encontra em muitas partes em situação de violência institucionalizada, que exige transformações globais, audazes e profundas”.
Portanto, se não forem feitas as transformações globais — global é transformar tudo! E mais ainda é transformar completamente, não é mesmo? — audazes, quer dizer, uma coisa que mete medo em muitos; profundos, que vai até onde pode ir. Se não for feito isto, essa violência institucionalizada que existe em muitas partes, dará razão à guerra civil. Está aqui o episcopado pregando a guerra civil. Esse é o negócio…
[Capitão Poli faz uma pergunta]
* A atitude da Igreja face à escravidão prova que não é próprio a Ela o espírito de revolução social
A questão é a seguinte: Eu disse isso aqui em reunião você estava doente, não estava aqui presente. A questão é a seguinte:
Em princípio, o argumento deixa claro até o seguinte ponto. As famílias pobres perdem crianças, há uma sub-natalidade, ou há… uma sub-natalidade não, uma mortalidade infantil muito grande, porque não há recursos para manter essas crianças na existência.
Portanto a pobreza implica em morte e trata-se de defender a vida dessas crianças que morrem por falta de recursos.
Como se trata de defender a vida dessas crianças, não se trata, no caso de uma violência, de defender bens dos pobres contra a vida dos ricos, mas se trata de ter vida contra a vida. Esse é o argumento deles.
Bem, eu não vejo ainda inteiramente, começo a ver, mas não vejo ainda contra esse argumento, que seria caracteristicamente o argumento cartesiano e quadrado, quais são os erros de premissa que determinam o falseamento da conclusão.Porque a apresentar assim parece muito lógico.
Apenas eu tenho um grande exemplo em sentido contrário, aliás dois grandes exemplos em sentido contrário:
A Igreja encontrou a escravidão no império romano com os senhores de escravos com o direito de vida e de morte sobre o escravo, como se fosse para um bicho.
Hoje, por exemplo, se um de nós matar o cachorro, manda abrir uma vala aí no jardim, enterra o cachorro, não há um caso policial. No tempo dos romanos, sobretudo no começo, quando o cristianismo entrou, quando as Epístolas foram escritas etc., era exatamente esta, dito assim no direito romano, a situação do escravo, era tudo como uma coisa.
Bem, agora, apesar disto e apesar de tudo quanto daí decorria, mortes de escravos, escravos utilizados para tomarem veneno horrorosos, como aliás a gente pode imaginar, escravos, escravos.
Bem, o que São Paulo recomenda é que os escravos fossem sujeitos a seus proprietários e ainda diz: “Ainda quando são ruins”, quer dizer, uma situação injusta, com a qual a Igreja acabou, onde havia também o direito à vida [a] defender. Entretanto, foi recomendado que — recomendado, não — foi imposto que não fosse resolvido pela revolução, num império como o romano que teve várias revoluções de escravos.
Quer dizer, não é um ideal que eles não tivessem. E depois, ainda que não tivessem, podia a Igreja começar a assoprar, podia fazer “pressão moral libertadora”, não é?
Quer dizer, nós temos aqui um algo que pinta, que mostra bem que não é este o espírito da Igreja, como a gente sente que não é.
Agora, quais são os pormenores que podem justificar isto? Qual é a manipulação das premissas para mostrar o quê que no argumento tem de falso? Algo a gente entrevê, mas ainda eu não tenho inteiramente claro. Depois, o pior é o seguinte: isto não se encontra em nenhum livro, não é? Ou a gente descobre ou a gente ignora.
[Alguém faz um aparte]
Sei, e os fatos provaram que existe. É, e depois, outra coisa — aqui é um dado positivo — era preciso, para justificar a violência, que esses “muitos lugares”, que é uma expressão ambígua — isso quer dizer muitos países, quer dizer muitas cidades, quer dizer muitas fábricas, quer dizer o quê? Que esses “muitos lugares” fossem tantos que justificassem um mal de uma convulsão geral para resolver aquilo. Pois não, Dr. Boreli…
É, aqui também no Brasil com a libertação dos escravos, não é? Leão XIII escreveu uma carta à Princesa Isabel — portanto séculos depois dos romanos — escreveu uma carta à Princesa Isabel apoiando muito, muito o que ela fazia pela libertação dos escravos. Mas ele urgia que se fizesse sem violência e respeitando os direitos adquiridos. Olhe aí, hein! Adquiridos, são para escravos, hein! E foi porque a Princesa Isabel não fez isso, que houve todas essas convulsões em que caiu o trono.
[Alguém faz um aparte]
… pela liberdade! … resolvia, resolvia muito bem.
Não, eu compreendo até que se desejasse apressar mais a libertação, mas não como foi feito, às vésperas da colheita, não é? É um verdadeiro absurdo, um non sense.
Dr. Paulinho, por favor.
* Cuba: país onde mais necessárias seriam as reformas pleiteadas pela “CELAM”, não é, entretanto, citado em seu documento
Bom, eu também acho que não é o caso de a gente mencionar muito mais do que isso. Eu daria mais um traço sobre o documento e estava pronto para nós analisarmos depois o lado político, que é o que eu quis tratar aqui, nesta reunião hoje.
O outro traço é o seguinte: o documento está cheio de preocupações a respeito do poderio colonialista. Mas é evidente que este colonialismo é o colonialismo exercido através do capital.
Bem, o documento não revela, e de nenhum modo, o seguinte ponto: que a maior violência institucionalizada do continente é Cuba. O primeiro lugar onde as reformas audaciosas, globais, bá-bá-bá, a serem necessárias deveriam existir é em Cuba! Ou então não é verdade que o comunismo é o regime intrinsecamente mau, que suprime todos os direitos etc., etc.
Se houvesse em Cuba uma dinastia que tivesse os direitos que Fidel Castro tem, o documento estaria urrando contra Cuba.
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