Santo do Dia – 24/10/1967 – p. 5 de 5

Santo do Dia — 24/10/1967 — 3ª-feira

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Santo Aretas

Hoje, vinte e quatro de outubro, é a festa de São Rafael Arcanjo, um dos sete anjos que assistem diante de Deus, e tem a missão de auxiliar os homens e apresentar as suas preces aos Céus. Hoje é o quinto dia da novena da Festa de Cristo Rei.

É também, hoje, festa de Santo Aretas, Mártir. No livro de Pereira de Santana, “Os Dois da Etiópia”, nós encontramos alguns dados biográficos de Santo Aretas.

Aqui é uma prática de Santo Aretas aos católicos da cidade de Negram, na Arábia, antes de ser martirizado pelo tirano Dunan:

Ouvi-me, inumano rei, doutores da Sinagoga, apóstatas franitas, bárbaros confederados, cortesãos ilustres e esclarecidos habitantes de Negram.

Sim, senhor! É saber dirigir uma apóstrofe! Algumas dessas coisas a gente nem sabe bem o que é que são. Mas são sonoras, não é?

Ouvi-me, inumano rei” é bem inteligível. “Doutores da Sinagoga” seriam, talvez, alguns judeus que armaram perseguição contra ele lá, não é? “Apóstatas franitas”, a palavra “franita” é terrível. A gente não sabe que espécie de… Já a palavra “apóstata” é uma palavra de alta expressão, não é? “Fulano é um apóstata” — todo o horror da apostasia se descarrega nestes dois “tás”. “Após-tá-tá”, não é? A gente tem impressão que é uma coisa que caiu e que rola em dois “tás, assim, que se desfaz, não é verdade? Agora, um apóstata franita, a gente tem a impressão de que é um apóstata que se deu a uma das heresias mais infectas, mais aliciantes ao mesmo tempo, mais dignas de rejeição, não é? De maneira que é muito bonito, como apóstolo, chamar alguém de apóstata franita. Há uma porção de gente que eu gostaria de chamar de apóstata franita.

Bem, “bárbaros confederados” é também uma forma de ultraje; soa como se fosse bárbaros requintados, não é? Bárbaros de tal maneira ligados a bárbaros, que forma uma coesão de barbárie, que é uma espécie de ultrabarbárie, pior do que todas as barbáries, não é? Então esses indivíduos são, ao mesmo tempo, bárbaros ou são grupos diferentes.

Existem, então, os doutores da Sinagoga, não é? Depois, os apóstatas franitas e os bárbaros confederados. Estão todos juntos, num conglomerado imundo, nefando e agressivo — não é? — contra o santo que está sozinho. Vai ser martirizado, mas, antes de morrer, diz o que quer. Não falta grandeza a essa introdução, não é?

Bem:

Companheiros, amigos, parentes e outros quaisquer dos circunstantes, ou sejais nobres ou plebeus, ou católicos ou infiéis, ouvi-me todos, vos suplico, pois com todos falo. Bem vos pudera dizer que canto, se observardes que, por artifício dos anos, me converti em cisne nacional, conservada na cabeça a candura, no coração, sem temor de morte, a alegria.

Entenderam o pensamento ou querem que eu explique?… Os que querem que eu explique a história, levantem o braço. Diz ele o seguinte. Ele disse: “Eu peço que me ouçam, porque eu falo a todos”. Depois ele disse: “Eu bem pudera vos dizer que, propriamente, eu não falo, eu canto, eu vou cantar”.

Os senhores sabem que há uma lenda que o cisne, quando vai morrer, canta, e que é o seu último canto, mas que é um canto de uma beleza maviosa. A idéia é muito bonita. A gente imaginar um cisne que canta e que, antes de morrer, deita um canto suavíssimo em que vai toda a “cisnicidade” dele, transformada em sons que batem na água, repercutem pelas árvores e morrem no céu. É uma coisa também à qual não falta poesia. Então este santo diz que ele é como um cisne, que, antes de ser martirizado, dá o seu último canto, não é verdade? Ele diz então… Mas é uma beleza, é preciso ser oriental para saber fazer isso. Por exemplo, eu espero não atingir ninguém aqui, mas um sueco não faz isto de nenhum modo. Se há suecos aqui, me perdoem, mas não faz mesmo. Bem, então diz o seguinte: “Eu me converti em cisne nacional”, quer dizer, no cisne do país, no cisne da Etiópia. Bem… “pois conservei na cabeça a candura e no coração a alegria, embora não tenha temor da morte”. Quer dizer, ele vai morrer, mas ele é cândido, ele é puro, é alvinitente na sua fronte, nas suas idéias e, na sua alma, ele é alegre, apesar que ele vai… [faltam palavras] …Então, com esta alegria cândida, e com esta… com esta alegria e com esta candura ele vai deitar o seu canto de cisne, e esse canto de cisne é bom que todos ouçam. Acho uma coisa… uma beleza, não é?

Falo primeiramente contigo, ó rei. Mais que as feras, como já te lancei em rosto, és desumano. Respondendo às cem razões em que me acusas queixoso, condenas injusto…

Este nosso Pereira de Santana tem um estilo muito arrevesado. Ele foi professor do Morato? De que época é este Pereira de Santana?… Ah, bom, está se entendendo. Os senhores estão vendo que eu tenho que traduzir. Quem sabe se é melhor eu ler baixo e depois traduzo, ou os senhores querem ler alto?… Está bom. Então é o seguinte… Mas eu acho que uma tradução, depois, é necessária. Bem, eu leio, então, como quem lê para o pessoal que acompanha, ouviu? Então diz o seguinte:

Respondendo às cem razões em que me acusas queixoso e me condenas injusto: verdade é que sou, como dizes, a total causa, motor e única cabeça da firmeza e… [falta palavra] …dos negrenses, mas não dos seus padecidos escravos.

Eu tenho a impressão de que, para a parte de cá do auditório, isto não é chinês, não? Bem, resistiram ao meu parecer, sem atenderem a que sempre dos anciãos é o mais discreto e bem fundado.

Desprezaram o meu conselho sem advertirem que, em proporção das minhas cãs, era o mais maduro. Perigaram, pois, nesse desprezo e naquela resistência se perderam. O que sempre a todos persuadi, foi que perseverassem confiantes na oposição, pois, não obstante, serem tuas forças superiores às nossas, mais fortes que as tuas armas eram os nossos muros, e mais inconquistáveis que estes, os nossos corações.

Com que poder saiu, em outro tempo, a pelejar contra tantos milhares de madianitas um Gedeão? Pois se este, porque o Céu amparava, pôde vencer, com tão poucos, a tantos soldados, que razão havia para que não triunfassem também os nossos do teu poder, tendo certa, do Senhor do Céu, a proteção e mais vigorosas forças do que as daquele príncipe?

Não imagines que és do castigo que experimentamos o autor, senão um instrumento; por tuas mãos nos castiga Deus a temeridade de crermos que seria fiel às criaturas, quem, além de ser traidor do seu soberano, era mais que laivoso, rebelde ao seu Criador.

Ele sabia dizer a coisa, hein?

Chama-me, ó tirano, para que [acertes zelador da honra de Deus?]. Chama-me, ó tirano, zelador da honra de Deus a este Senhor justamente invoco contra ti, vendo que desprezaste a sua lei, destruíste os seus templos, profanaste os seus altares, extinguiste, finalmente, os seus sacerdotes. Sabe, pois, que eu, à imitação do mesmo profeta que a tantos reis idólatras vaticinou a morte, te asseguro que, brevemente, serás desta púrpura despojado e deposto da monarquia.

De sorte que, sem ficar dos teus domínios parte alguma isenta, todos sujeitará Deus ao etiópico império de Elesbão. Este insigne varão e poderoso príncipe será, da nossa derrotada Cristandade, o restaurador, prevalecendo-te de tal modo em desagravo de Jesus Cristo contra ti que, por Ele, verá admirada Negram suas igrejas novamente recuperadas e a ti, como soberbo edifício, sem que jamais seja reedificado, aos seus pés caído.

Bom, vamos traduzir isto para português corrente, para o português básico, de matéria plástica. Eu acho que dá no seguinte sentido. Ele, então, depois de dizer que iria deitar o canto do cisne, ele diz ao rei o seguinte: “Tu, ó rei, és pior do que as feras e, entretanto, tu tens razão quando dizes que eu sou a causa, motor e única cabeça da firmeza e resolução com que os negrenses lutam contra ti”. A gente percebe, pelo texto, que ele quis tirar a Fé… O rei quis tirar a Fé a esses negrenses e que os negrenses resistiram e que o rei, então, prendeu este santo porque o santo estava, era a cabeça da resistência. Então ele diz ao rei, como homem que não tem medo de ser condenado, ele diz ao rei: “É fato, eu sou a cabeça da resistência”. Agora, depois percebe-se que os tais negrenses fizeram uma resistência excessiva e, talvez, o trecho não é inteiro claro, mas dá a impressão que eles foram temerários na resistência e que padeceram muito, e que este Santo Aretas, então, disse aos negrenses que eles não deviam resistir tanto. E que, por causa disto, então, o rei acusava, neste ponto, de uma resistência excessiva da qual ele não era o culpado. Ele, de fato, era a favor da resistência, mas ele era a favor de uma resistência pacífica, era a favor de uma resistência de caráter ideológico, enquanto que os negrenses tinham feito uma resistência a mão militar.

Agora, ele não deixa de louvar a coragem dos negrenses com uma expressão muito bonita que é essa: que as armas dele, do rei, eram menos fortes do que os muros dos negrenses, e os corações dos negrenses ainda eram mais fortes do que os muros. Quer dizer, o rei era menos forte do que os muros e ainda menos forte do que os corações, que eram mais fortes do que os muros. E que, portanto, não havia razão para eles terem perdido essa batalha, mas que eles perderam por causa de um castigo, e que o castigo que eles mereciam, e que os fez derrotar pelo rei ímpio, era que eles tinham confiado, durante algum tempo, nesse rei. Ora, num herege não pode haver confiança. Um homem que está rompido com Deus é um homem ímpio no qual não se pode depositar nenhuma espécie de confiança; e o fato de eles terem depositado confiança, durante algum tempo, no rei — isto se refere a algum episódio anterior, que também não se conhece —, este fato explica que eles tenham, então, sido derrotados. “Ó rei, diz Santo Aretas, não imagine, absolutamente, que foi ele que venceu. Foi Deus que venceu pela mão dele, para castigar o povo. Mas esse povo que tinha sido condenado por Deus por causa disso, esse povo ia ser, por sua vez, reedificado. Viria um imperador da Etiópia, Elesbão, e creio que é Santo Elesbão, e haveria de reconstruir toda a Cristandade na Etiópia e haveria de derrubar no solo o rei Eretas, de maneira que, de todo o seu poder, não ficaria nada.”

Então, os senhores vêem a economia de Deus. Havia um rei ímpio Eretas; havia um povo mole e ordinário, mas ainda católico. Deus quis punir a moleza desse povo católico, que consentia, provavelmente, em ter um rei ímpio, e então permitiu que o rei ímpio perseguisse o povo católico. Ele serviu, portanto, do ímpio como açoite, para flagelar o povo mole. “Se fosses frio ou quente, Eu te aceitaria” diz a Escritura, “mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca”. Esse povo morno foi açoitado por Deus, pela mão do rei ímpio. Mas o rei ímpio fez isto porque Deus permitiu e não porque Deus mandou. E, por causa disso, ele pecou, e Deus tomou um varão de sua destra, Santo Elesbão, e conduziu vitoriosamente Santo Elesbão para a derrota do rei ímpio. E, com isso, ficaram naturalmente derrotados os doutores da Sinagoga, os apóstatas franitas e outras abominações do gênero, e, durante algum tempo, se reconstruiu a Cristandade na Etiópia.

Eu não posso de deixar, ao dar este fato, chamar a atenção dos senhores para a maravilhosa beleza da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Por toda a parte onde Ela floresce, desde que os homens correspondam à influência d’Ela, nasce tudo quanto há de melhor, em toda forma, em todo grau, em todo jeito. É questão só dos homens corresponderem à influência d’Ela e à ação d’Ela. Os senhores vêem aí a Etiópia. A Etiópia que, depois, passou séculos cortada da Cristandade, por falta de comunicações, que caiu nessa heresia monofisita miserável, na qual ela se debate hoje. Houve tempo em que a Etiópia foi uma nação verdadeiramente católica. Os senhores vêem a maravilha que nasce. Aparecem esplendores de Fé católica na Etiópia como em qualquer país, como isso aí seria digno, por exemplo, da história religiosa da Espanha, nas melhores épocas da Espanha um fato como esse! Por quê? Porque não é a Espanha que é magnífica, não é a Etiópia que é magnífica, como não é Brasil, nem Argentina, nem Chile, nem Uruguai, nem nada disso. O que é magnífico é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, aonde a Igreja entra, todas as maravilhas de todo o gênero, de todos os modos, de todas as espécies se multiplicam do modo mais magnífico, desde que os homens digam “Amém” à influência da Igreja, digam “sim” à influência da Igreja.

Agora, desde que a Igreja saia, tudo decai, tudo rola por terra, tudo dá em apóstatas franitas, dá em reis que não prestam, dá em comunismo e dá em tudo o mais. A verdadeira fonte de toda grandeza, de toda a beleza, de todo o bem, de toda a bondade, de toda a santidade, de toda a ordem, de toda a cultura é a Igreja Católica. E fora da Igreja Católica as coisas podem nascer, formar-se um pouquinho, ou estagnam ou decaem. Os senhores vejam, por exemplo, a cultura da China, cultura do Egito, culturas, afinal de contas, extraordinárias, não é verdade? Levantam-se, chegam a um certo teto, não progridem. É a imobilidade do Oriente parado e por dentro apodrecendo. Agora os senhores tomam a cultura católica. Não, ela se levanta como um chafariz no meio das águas estagnadas, só Ela é água límpida; e mesmo depois da Fé católica ter sido praticamente extirpada do Ocidente, o Ocidente, naquilo em que ainda progride, ele progride na velocidade adquirida pelo fato da Fé católica. Razão pela qual nós devemos compreender que amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor de Deus, isto importa em amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana sobre todas as coisas e amar o nosso próximo na medida em que ele está unido à Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Em conversas particulares, eu inculco tantas vezes essa graça da admiração única, que é, a meu ver, um elemento integrante da graça do amor de Deus. É a graça de só admirar aquilo que é segundo Deus. Esta graça da admiração única na ordem concreta dos fatos dá na graça — admiração única em relação a Deus —, dá na admiração única à Igreja Católica. Tudo quanto é tocado pela Igreja e recebe a influência d’Ela é admirável; tudo quanto está fora disso merece, quando merece admiração, merece com tantas reservas, com tantas restrições, com tantas condições, que praticamente não dá em nada. E, então, a gente compreende esse enlevo, essa paixão que se deve ter pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana, verdadeira pátria de nossas almas, verdadeira pré-figura da Igreja gloriosa à qual nós devemos pertencer no Céu.

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