Reunião Normal – 4/9/1967 – p. 3 de 3

Reunião Normal — 4/9/1967 — 2ª-feira

Nome anterior do arquivo: 670904--Reuniao_Normal_2.doc

Hoje nós não temos propriamente Santo do Dia, mas os senhores se lembram que foi resolvido fazer uma vez por mês, uma exposição a respeito da europeização, quer dizer, uma exposição de alguma coisa da Europa que desperte o senso do maravilhoso, o senso do admirável, do estupendo, do esplêndido, porque a apetência das coisas maravilhosas, é um elemento fundamental para o desenvolvimento de uma verdadeira civilização, desde que esse maravilhoso seja um maravilhoso reto e bom.

Aqui, os senhores têm uma espécie de micro maravilhoso e cuja maravilha consiste precisamente em ser micro. Trata-se de um pequeno castelo francês, não é um castelo de grande luxo, é uma habitação apenas comum, mas que tem as proporções de um castelo. E que tem uma certa importância histórica porque é o chamado castelo Delabrev, aonde morou Montesquieu, o malfazejo Montesquieu, o célebre Montesquieu. É um castelo na Gironde, nas proximidades de Bordeaux.

Eu, antes de fazer o comentário quero ver aqui um pormenor, que às vezes não está muito claro na fotografia.

Bem, os senhores para compreenderem a arquitetura um pouco singular docastelo, as várias partes que o compõe, os senhores notam que o castelo se compõe de um corpo grande aqui, depois uma ponte levadiça e entre esse corpo de edifício e esse corre água, de maneira que suspensa a ponte, ninguém entra no castelo, aqui existe outro corpo de edifício. Depois isto constitui uma pequena ilhazinha autônoma, que é ligada por uma ponte levadiça de madeira para cá. Quem olha a fotografia de perto percebe aqui a cor de madeira, aqui a cor comum da terra.

Bem, e aqui os senhores têm uma terceira ilha. São portanto, três ilhas um, dois e três. A exposição aqui, a fotografia não está muito clara, mas eu tenho a impressão que esta ilha, esse quadrilátero aqui é fortificado também. De qualquer forma aqui os senhores encontram uma fortificação e aqui os senhores encontram outra para guarnecer esse corpo. Aqui corre água de novo. E aqui os senhores percebem que está na estrada.

Então, os senhores compreendem a razão estratégica do conjunto. O conjunto é um sistema de defesa do castelão e de sua família na hipótese de um ataque. Esse lago, os senhores vêm pelo traçado, que se trata de um lago artificial ou de um lago natural que foi muito, muito retificado em seus contornos, esse lago serve de fosso para o castelo. E todo as janelas do castelo, como os senhores podem ver aqui, ficam a uma considerável altura das águas, da superfície das águas. De maneira que até uma pessoa encostar um barco aqui para subir homens armados, ela facilmente pode ser atingida pelos defensores postados nas janelas mais altas. E o ataque direto ao castelo fica difícil, para quem queira atingi-lo por água, por aqui.

Então o recurso é atingir por terra, entrar pela porta. Mas quem corre e entra pela porta, encontra várias dificuldades. Primeira aqui é uma verdadeira fortaleza. Então, quem entra pela estrada aqui, os senhores estão vendo aqui, tem que fazer baixar uma ponte levadiça e travar uma batalha. Aqui está a porta. Bom, mas esta porta, suspendendo a ponte levadiça é quase inacessível. Aqui provavelmente era fortificado. Aqui tem outra torre. De maneira que quem quiser fazer o ataque do lado de cá é atingido pelas setas dos defensores da torre. Os defensores da torre se situam nesta faixa aqui e esse telhado aqui, pontudo é feito para evitar que projetos incendiados caem sobre os defensores.

Então esse quadrilátero aqui é um segundo campo de batalha. Se os defensores da fortaleza forem derrotados aqui, eles fogem e eles se fecham nesta ilha e começam a terceira batalha. Se eles forem derrotados para cá, eles fogem para cá e começam a quarta batalha. Os senhores estão vendo que, ou os agressores são um número extremamente grande o que é pouco compensador para um castelo pequeno e de importância estratégica pequena, portanto, ou os agressores estão em número extremamente grande, ou esse castelo é inconquistável.

É um castelo, portanto, que se pode chamar estritamente funcional, porque como os senhores vêm todas as partes dele foram calculadas para uma determinada função militar muito definida. Apesar dele ser estritamente funcional, não lhe faltam uma grande beleza e um grande encanto. E isso não obstante o fato de se tratar de uma construção pobre.

De onde é que vem essa beleza e esse encanto. Qual é o valor artístico desse castelo construído manifestamente com a preocupação principal de ser uma fortaleza e não ser uma bonita construção.

A impressão que se tem, é de que o primeiro elemento de beleza é dado pelas águas. Tudo que fica à beira da água sobe de valor. Se os senhores imaginassem esse castelo colocado no meio do campo, ele perderia enormemente. Mas a água lhe dá uma moldura de irrealidade. O céu se reflete na água, aspectos do castelo se refletem dentro d’água e com esta proximidade da água toda a arquitetura se nobilita. Há um modo digno e plácido do castelo dominar a água que lhe dá, assim uma espécie de distinção aristocrática tranqüila. E por esta forma o castelo já sai da linha do vulgar.

De outro lado o que é bonito nele é o contorno desta ilha aqui. Se bem que não seja um contorno regular, há uma espécie de suavidade, de inopinado nessa forma, de doçura nessa forma, e o que esta forma tem de um pouco achatarrada e que esse telhado tem de um pouco achatarrado é vantajosamente compensado pelas torres que de um lado e de outro se levantam. Nada menos do que uma, duas, três, quatro, cinco e seis torres ou cúpulas se levantam no castelo.

Aqui a principal das torres que parece dominar todo o castelo com a sua massa. Depois pequenas outras torres que fazem cortejo a ela. E aqui, esta cúpula que dá toda a impressão de ser cúpula da capela do castelo encastoado no corpo da construção. Por outro lado, os senhores…a gente é agradavelmente surpreendido por estas duas ilhotas de uma forma tão diferente. Esta aqui, que é uma outra torre separada, mas que tem um quê de indefinivelmente digno e plácido também, apesar de seu ar de fortificação, esta torre é flanqueada por duas outras torres menores que lhe dão como que um apoio e que se perde nas águas distanciadas do resto. E depois muito inopinadamente, esse quadrilátero realçado ainda por uma espécie de arbusto no centro desse grande gramado verde com a beleza dos gramados europeus.

Aqui e aqui, outra nota inesperada. E o conjunto dá um ar simultâneo de calma, de dignidade, de altaneria, de distinção, de harmonia, mas ao mesmo tempo de fantasia com esses corpos de edifício aqui, que distraem a vista e agradavelmente fixam o olhar sobre a massa do edifício e o lago. É o charme, é o encanto do pequeno castelo, e da pequena vida de castelo, da pequena nobreza que é uma nobreza já mais próxima ao povo. Nobreza que existe na familiaridade dos homens do trabalho manual. Nobreza que constitui o ponto de apoio da verdadeira aristocracia na massa da nação. Nobreza exatamente que conseguiu em algumas regiões da França levantarem os camponeses contra a Revolução Francesa e produzir a chouanerie. É esse tipo de castelo, é esse tipo de coisa.

A vida que aqui se leva, é uma vida de que gênero. Em geral, essas famílias desse tipo assim, eram famílias numerosas. O filho mais velho ficava habitando no castelo e como o Castelo era ao mesmo tempo, a sede de uma propriedade rural grande, ele se dedicava à exploração da agricultura e exercia ao… e da criação, exercia alguns poderes governativos sobre seus súditos, resto do feudalismo que é o regime político, social e econômico no qual esse tipo de construção foi concebido.

Um nobre desse tipo, de vez em quando, freqüentava a corte real aonde em cujo protocolo ele tinha um lugar, embora modesto, mas definido em razão de sua categoria e de seu nascimento. Mas em geral, a sua vida era uma vida pacífica. Quando moço, ele servia no exército e quando ele tornava um pouco mais maduro, ele se retirava para as suas terras e então entregava-se o resta de sua vida à agricultura, à criação, a esse pequeno governo local, à educação de seus filhos, ao convívio com sua esposa e de vez em quando ele ia ver o rei em Paris. Era esta a vida de um castelão desse tipo. Vida calma, vida operosa…

[O áudio encerrou bruscamente]

*_*_*_*_*