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Sofrimento que vem do fato de ser rejeitado por aqueles que são seus * Para o verdadeiro apóstolo, o sofrimento principal é ver Nosso Senhor ignominiosamente rejeitado * O sofrimento que tem um caráter expiatório, que tem um caráter imprecatório, tem um caráter de um ato de amor e de holocausto desinteressado * Aquele que inicia uma obra tem a glória do iniciador da obra e todos os sofrimentos da fundação * O sacrifício da Cruz tem uma beleza que excede todo o resto da beleza * Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor * É uma coisa bonita ver que os de dentro do Movimento têm morrido com vantagens para o Movimento * A necessidade do sofrimento para o iniciador de um apostolado * A eficácia do sacrifício de Santa Teresinha
Bom, eu estava usando aquela imagem do “Chanteclair”, quer dizer, daquele que é o bem inicial para que as graças que a Providência destina para um certo ambiente social de fato se difundam ali.
Agora, primeiro, no que é que consiste esse sofrimento? Depois, por que é que é preciso de um sofrimento para isso? São duas coisas.
* Sofrimento que vem do fato de ser rejeitado por aqueles que são seus
Há um primeiro sofrimento, que a gente poderia dizer assim, é um sofrimento grande até, mas que acaba sendo um sofrimento meio poca dentro da coisa. É o sofrimento que tem a pessoa que vai a um meio que é o seu, que nesse meio dirige-se àqueles a quem deve se dirigir e é rejeitado. E às vezes é rejeitado até com brutalidade, com desdém. É uma coisa que é inútil a gente querer fechar os olhos, mas um dos sentimentos aos quais o homem é mais propenso, e mais aberto é o sofrimento que lhe vem do fato de ele ser rejeitado por aqueles que são seus.
A tal ponto isso que por exemplo, no Evangelho de São João uma das coisas que ele diz a respeito de Nosso Senhor como um grande sofrimento em matéria de glória é aquela mesma em que ele diz que Ele veio para os que eram Seus e os Seus não O receberam. Quer dizer, Ele deveria ser recebido por aqueles, deveria ser acolhido por aqueles; aqueles que deveriam fazer, não o acolheram. É um traço dominante da vida d’Ele, é um sofrimento muito grande d’Ele e que é para ser sofrimento mesmo.
A tal ponto é para ser sofrimento que, se uma pessoa não sofre com isso ─ às vezes eu vejo uma ou outra pessoa gabar: “Ah, eu lá bem pouco me incomodo”, não sei mais o que…
Eu tenho vontade de dizer: Não, bem pouco me incomoda não, porque se bem pouco incomoda esta alguma coisa errada em você, porque é para incomodar. E depois, não é verdadeira coragem a gente sofrer uma determinada coisa porque ela não incomoda.
Imaginem um sujeito ter, por exemplo, uma doença para a qual ele tem insensibilidade nesta parte aqui da pele. Então, encostam uma brasa lá aquilo chia e ele diz:”Bem pouco me incomoda”. Aquilo é um herói? Aquilo não é um herói, aquilo é um faquir. Quer dizer, é errado; o normal é que incomode, e que suporte o incômodo. E aqui também, com essa sensação de rejeição, o natural é que incomode, o natural é que pese. Quer dizer, a pessoa tenha a coragem de sofrer isso porque deve sofrer, mas não é natural que não sofra.
Aliás, nós vemos isso em numerosos episódios da vida de Nosso Senhor. O sofrimento que Ele teve em vários fatos concretos, em várias circunstâncias, por causa daqueles que não O receberam. Como nós vemos a alegria e até ─ a palavra é incrível da parte de um Deus, mas afinal de contas… ─ a gratidão que Ele teve por aqueles que O receberam, por aqueles que foram bons para com Ele.
Quer dizer, isto é um sofrimento que um apóstolo de alma bem constituída deve ter. Não é natural que não tenha. É mal lançado, mal concebido que não tenha. É preciso ter e suportar. Pensar que não é sofrimento é uma tolice, ou então é uma azeda psicologia, não está direito.
* Tudo aquilo que viola ou que contraria um instinto do homem, para ele é um sofrimento
Por que é que isto constitui sofrimento? Constitui sofrimento por duas razões. Em primeiro lugar, porque tudo aquilo que viola ou que contraria um instinto do homem, para ele é um sofrimento. Ora, o homem tem um instinto de sociabilidade cujo efeito próprio não consiste apenas em que ele viva no meio de um número grande de pessoas. Mas, em que ele viva num número também restrito, dentro do número grande num número restrito, e que nesse número restrito ele tenha um convívio harmonioso, um convívio correto, um convívio agradável. Isto é o efeito próprio do instinto de sociabilidade do homem. É claro que quando isso é tocado, quando isso é recusado ao homem, ele padece, porque lhe é recusado algo que está na sua natureza, que sua natureza pede.
E o mais grave dessa dor é que não é uma necessidade física que pede isto, mas é sobretudo uma necessidade espiritual. É espiritualmente que o homem tem necessidade desse convívio assim. E quando esse convívio lhe é negado, é a coisa mais normal do mundo que ele sofra com isso.
De maneira que o sofrimento desses pioneiros, que são os primeiros a levar a boa nova a um ambiente em que são rechaçados, em que são pisados, em que são recusados, em que são subestimados, contra os quais se faz toda espécie de campanha, o normal é que essa primeira penetração seja uma penetração muito dolorosa, mas muito dolorosa! E que a pessoa sinta essa dor. Que ela tenha a coragem de arrostar essa dor. Mas isso é que é preciso ser.
Bem, há um outro lado que é também doloroso e que é o fato de a pessoa ser objeto de injustiça. Porque se ela vai a um lugar e ela leva uma mensagem, leva a missão de realizar uma coisa grandiosamente boa, mas ela ali é objeto de uma injustiça, o senso de justiça vivo em todo homem ─ infelizmente ainda mais vivo quando são os direitos da gente que estão em cena ─ esse senso de justiça se revolta. Há uma coisa que faz parte da natureza humana: que o homem tratado com injustiça se indigna. Se muitas vezes, ele tratado com justiça, ele se irrita, quanto mais é compreensível que tratado com injustiça ele se irrite. De maneira que há ali um sofrimento pessoal dele e que é evidentemente um sofrimento que deve ser grande, que numa alma bem constituída deve ser grande.
* Para o verdadeiro apóstolo, o sofrimento principal é ver Nosso Senhor ignominiosamente rejeitado
Agora para o verdadeiro apóstolo esse sofrimento não é o principal. O principal é ver que ele leva Nosso Senhor Jesus Cristo a um lugar, que ele leva Nossa Senhora a um lugar, e que Nosso Senhor é ali rejeitado. Quer dizer, ele leva os princípios mais altos, ele leva a visão do universo mais perfeita, ele leva as verdades eternas reveladas que dizem respeito a Deus Nosso Senhor e que abrem a porta do Céu; ele leva o fundamento de toda ordem, de toda decência, de todo bem consigo. Ora, ele vê que esse fundamento de toda ordem, de toda decência e de todo bem é ignominiosamente rechaçado. Esse rechaçar ignominioso fá-lo sofrer como se ele fosse com Nosso Senhor a algum lugar e Ele diz: “Nós fomos recusados”.
Quer dizer, que propósito tem ─isto é uma coisa de levantar as pedras do chão─ mas não tem propósito nenhum que Nosso Senhor seja tratado por essa forma, que a glória d’Ele seja obnubilada por essa forma, é uma coisa que eu não posso suportar, me revolta, me indigna! Naturalmente, o revolta e o indigna a gente deve entender o que quer dizer: não é uma revolta azeda, não é uma indignação personalística, mas não impede que seja um altíssimo furor e um furor fixo, estável, que o homem sente até quando dorme. É essa inversão de valores, por onde Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o sumo Bem, a Igreja Católica, que é a Igreja de Deus, são rechaçados. Uma pessoa que diga que é insensível a isso não tem amor de Deus.
* O sofrimento que tem um caráter expiatório, que tem um caráter imprecatório, tem um caráter de um ato de amor e de holocausto desinteressado
Agora isto é apenas um aspecto da questão. Há um outro aspecto da questão, é o seguinte: Vamos supor que uma pessoa leva ─um indivíduo faz o papel de “Chanteclair” num determinado ambiente─ leva a graça ali, e é muito bem recebido ali. É normal que ele por uma outra qualquer razão, doença, pobreza, ou qualquer outra coisa, ele sofra muito. Porque todo apostolado deve ser regado com dor. E esse apostolado do sofrimento eu considero ─é claro que sob diversos pontos de vista, mas sob certo ponto de vista eu considero mesmo─ o mais sublime e o mais empolgante de todos os apostolados. Agora por que isso?
A Igreja nos ensina que a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo teve um mérito superabundante. Mas que, por uma disposição da vontade d’Ele, Ele quis que esses méritos fossem aproveitados pelos homens, juntando os homens um sofrimento seu ao d’Ele, em muitos casos, em muitas circunstâncias, em muitas situações. De maneira tal que é um modo de nós unirmos ao sacrifício da Cruz; modo do qual, naturalmente, os litúrgicos falam muito pouco, porque eles abominam o que eu estou dizendo. Mas que consiste no seguinte: para conseguir tocar tal alma, há os méritos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo, sem os quais nada se conseguiria e substancialmente pelos quais tudo se consegue. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo quis, por uma disposição d’Ele, e uma disposição cuja beleza eu vou ressaltar daqui a pouco, Ele quis por uma disposição d’Ele que para aquela alma fosse necessário que meus sofrimentos se integrassem ali também.
E, se é para eu conseguir uma grande conversão, se é para eu conseguir uma grande transformação, se é para eu conseguir um renouveau da vida da Igreja, é preciso que eu sofra inteiro, queimando-me nesse sofrimento como uma tocha que queima com fogo, de uma maneira a restarem apenas os resíduos. E isso porque Nosso Senhor Jesus Cristo quis que isto fosse assim.
De maneira que, para aquela alma, para aquele grupo social, enfim para aquele ciclo de civilização, aqueles sofrimentos estivessem unidos aos d’Ele, para que de fato toda a Paixão fosse útil àquelas almas.
Eu ouvi dizer, não sei bem se é verdade, que aquela gota de água que o padre põe no cálice, quando ele prepara o cálice para o sacrifício, que aquela gota d’água simboliza exatamente o sofrimento humano; de si nem é matéria para a transubstanciação, e que é colocado no oceano do sofrimento divino, para se oferecido junto com o de Nosso Senhor. Se não simboliza, pelo menos poderia simbolizar, pelo menos exprimiria bem a coisa, exprimiria adequadamente a coisa, porque é uma gota, mas é uma gota de água, não de vinho; é uma coisa tão diferente e que, enfim, se mistura, e que é objeto do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quer dizer, às vezes há sobre simbolismos da Missa ─ aliás validamente ─ umas considerações um pouco arbitrárias, mas válidas. Esta seria uma consideração inteiramente válida. Quer dizer, pode ser arbitrária talvez, sem fundamento histórico, mas exprime algo, um pensamento piedoso que se pode ter nessa ocasião, e que sempre que eu vejo fazer eu me lembro, porque eu acho que incita muito, forma muito. É a gota do nosso sofrimento no oceano das dores de Nosso Senhor Jesus Cristo.
(Aparte inaudível).
É bonito! Também é transubstanciado. É, dissolve-se no conjunto, não é? ─ na composição. Pois é, é uma lindíssima realidade. Quer dizer, aquilo que de si não é matéria para a transubstanciação, pelo fato de estar ali dissolvida naquele conjunto, aquela matéria física se transubstancia. E isto exprime bem o valor de nossos méritos minguadíssimos, quando unidos aos méritos infinitamente preciosos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, de nossa parte aquilo não teria valor, mas unido aos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, aquilo pode então ter um valor colossal.
O que eu acho muito bonito é quando esse sofrimento, que tem um caráter expiatório, que tem um caráter imprecatório, tem um caráter de um ato de amor, de holocausto desinteressado também ─ e até de tudo ─ quando esse sofrimento tem esses três caracteres, vem misturado com a luta e as dificuldades. Quer dizer, é preciso levar a cabo essa obra num determinado meio, vêm as incompreensões, vêm as apostasias, vêm as calúnias, vêm os apodos, vem tudo e se precipita sobre o apóstolo. E ele luta contra aqueles obstáculos; e parece que a casa lhe cai em cima da cabeça, que Deus o abandonou. Por que é que aquilo esta acontecendo? Entre outras razões, de um modo muito importante por causa disso: é que é preciso que ele sofra.
É preciso que ele sofra, como é preciso que ele atue e como é preciso que ele reze. Se não houver o sofrimento dele, Nosso Senhor recusa a aplicação dos méritos da Paixão d’Ele para aquele ambiente, para aquela categoria, para aquela alma.
Bem, qual é a razão de ser disso e qual é a beleza disso? Isso está em toda ordem da criação. Deus, tendo criado seres inteligentes e dotados de vontade, Ele deixou intencionalmente que uma parte da beleza da criação e da ordem da criação fosse completada por esses seres. Assim, por exemplo, vamos dizer a natureza. Há coisas lindas na natureza, mas Deus deixou que algumas das coisas mais belas da natureza fossem feitas pelo homem. Vamos dizer, por exemplo, o casulo da seda foi manifestamente feito por Ele para que o homem soubesse fazer a seda. É uma coisa de si até feia, da qual o homem, pelo seu talento, tirou o meio de fazer um tecido precioso, muito bonito, etc., etc.
Quer dizer, são coisas, mil, mil e mil coisas que existem na criação, em que a criação é como que uma espécie de desenho que há ─eu falava desses desenhos hoje cedo para a Comissão B─ desses desenhos que se fazem para crianças, em que há umas linhas gerais e a criança tem que completar. A criação desses desenhos assim. E o homem, entendendo a criação, amando-a e aperfeiçoando-a, ele é elevado por Deus à altura de continuador na obra geral da criação. E nisso há uma grande honra para o homem.
Ora, tendo acontecido que Deus, além de Criador, se fez Redentor, e que Ele quis ─ ao menos foi necessário por um ato de vontade d’Ele, pelo menos ─ que Nosso Senhor padecesse na Cruz e morresse para os homens, era natural que nessa obra prima da criação, que é a Redenção, o homem também fosse associado. E que ele portanto tivesse um sofrimento complementar a dar, que fosse além do sofrimento que vem da ação ou então a cooperação que o homem dá pela oração. Quer dizer, é uma coisa que completa o plano geral da criação, que constitui o plano geral da Criação.
* Aquele que inicia uma obra tem a glória do iniciador da obra e todos os sofrimentos da fundação
Bem, agora, aquele que inicia uma obra tem a glória do iniciador da obra. Mas o resultado é que essa glória traz para com ele o peso tremendo de ele sofrer pela obra inteira. Porque assim como aquela obra até o fim do mundo vai existir ─ vamos dizer, que exista até o fim do mundo ─ e vai produzir seus frutos, e aquilo vai ser glória para ele, é normal que ele irrigue com o sofrimento dele aquilo, até o fim do mundo. Quer dizer, que ele tenha um sofrimento que tenha todos os sofrimentos da fundação.
De maneira que, aquele que sofre por nossa obra, aqueles que estão juntos conosco aqui e que são os iniciadores junto conosco de uma obra grandiosa, e que participam dessa fundação, aqueles é natural que sofram um sofrimento que seja proporcionado até onde essa obra deva viver. E os que levam em primeiro lugar a graça para um determinado grupo social, e que são nesse sentido como que fundadores, devem também ter um sofrimento mais intenso do que os outros. É uma glória maior, é um sofrimento maior.
Para isso, para suprir a fraqueza dos homens em tudo isso, existem na Igreja as almas que têm a vocação de sofrer. E eu confesso francamente que quando eu penso numa alma que tem a vocação de sofrer, a sensação que eu tenho é São João Batista diante de Nosso Senhor. Servatis servandis, porque Nosso Senhor é Sempre Nosso Senhor, mas eu teria vontade de dizer para qualquer alma seriamente desejosa de sofrer e capaz de sofrer, eu teria vontade de me ajoelhar diante dela e dizer: “Eu não sou digno de desatar as correias de seu sapato”; de tal maneira me empolga, me entusiasma, eu respeito, eu venero, eu seria quase tentado a dizer que eu adoro essa forma de apostolado!
Porque, nada é mais nobre, nada é mais bonito, nada revela uma maior integridade de alma, nada revela uma maior sinceridade em todos os propósitos, e nada é mais eficiente em seu gênero próprio, do que a alma que sofre e que aceita sofrer por causa dos outros. Barreiras enormes se abatem, preconceitos tremendos caem, dificuldades fabulosas se resolvem ─ homem tudo acontece! ─ porque uma determinada alma resolveu ser conseqüente e resolveu aceitar o sofrimento até onde Nosso Senhor quisesse mandar o sofrimento.
Eu simplesmente não tenho palavras para dizer a veneração, o respeito, a gratidão emocionada, o sentimento de culpa e de vergonha que eu tenho, diante de uma alma que realmente seja capaz de levar isso até o fim. Eu vou dizer porque de culpa e de vergonha: porque eu sempre tenho essa impressão ─ impressão que eu não tenho elementos para justificar ─ mas eu tenho essa impressão de que na raiz do êxito admirável de nossa obra existem almas que sofreram e que talvez já morreram para isso que a nós nos está acontecendo. E que talvez ainda estejam vivas, estejam sofrendo para isso que a nós nos está acontecendo.
Se eu tivesse a felicidade de conhecer uma alma assim, é fora de dúvida que eu me ajoelharia e lhe beijaria os pés. Porque eu estaria diante, à parte de Deus, da causa verdadeira da nossa grandeza, da causa primeira de nossos êxitos, da causa da minha perseverança, da causa do que possa haver de virtude em mim, porque se alguém por mim não tivesse tomado a cruz nas costas e tivesse ido ao alto do Calvário, eu não creio que eu fosse capaz de fazer aquilo que eu faço.
De maneira que este é o sustentáculo de minha fraqueza, este é o remédio para a minha falta de virtude, isto, enfim, é propriamente a coisa que faz com que as nossas coisas vão por diante e elas dêem fruto. É uma ou são algumas almas assim, que resolveram fazer essa coisa que realmente me empolga, e que é de chegar para Deus e dizer o seguinte: “Ele merece tais raios, eu não mereço. Mas eu venho aqui, eu me ofereço por ele. Eu vou suportar esses raios, eu vou suportar um pouco de Vossa cólera, eu vou sofrer, eu vou ser infeliz, para que aquele faça isso com aquele sem vergonha, afinal de contas receba o Vosso perdão, Vossa misericórdia e faça a Vossa obra”. Isto é uma coisa que não tem palavra!
Alguém dirá: “Mas, por que o senhor está falando com esse entusiasmo? Rezar não é muito bonito também, agir não é muito bonito também?” É, e não só bonito, mas é uma coisa desejada por Deus, querida por Deus e é preciso fazer.E quem tem vocação para fazer isso, é isso que deve fazer, por obediência à vontade de Deus. Mas o Filion diz uma coisa verdadeira no livro dele: é que, se se pode dizer que algo na vida de Nosso Senhor… (vira a fita, faltam algumas palavras)
* O sacrifício da Cruz tem uma beleza que excede todo o resto da beleza
O sacrifício da Cruz tem uma beleza que excede todo o resto da beleza. E aquele sofrimento completo do Cordeiro de Deus absolutamente inocente, e que sofre absolutamente tudo quanto se possa sofrer. Sofre voluntariamente, prevendo o sofrimento que vem, e sofre com um ânimo, com uma continuidade, com uma resolução ─ que não tem nada do tipo mole que diz que não sofre, porque sofre mesmo ─ Nosso Senhor mediu e sentiu toda a extensão do seu sofrimento, até o último ponto. Portanto, sofrer sofre mesmo! Mas esse sofrimento que Ele sofre, em última análise ele vem do fato de que Ele quis sofrer, Ele quis sofrer para nos remir. Ele tem uma beleza que é uma beleza ímpar, não há beleza que se compare com isso!
E é claro que as almas que Nosso Senhor Chamou mais especialmente para se associarem a isso são almas que ─ é uma coisa indiscutível ─ são almas que nos empolgam, e que fazem algo que muito pouca gente tem coragem de fazer. Gente para agir tem muita, gente para rezar tem muita; onde é que tem gente para sofrer? Procurem gente que queira sofrer, que diga: “Não, eu sofro. Eu agora, peço a Nossa Senhora que conforte a minha fraqueza, mas eu aceito, eu dou esse passo”. Onde é que nós temos isso? E entretanto, quanta coisa de bonita se passa neste movimento e quanta coisa se conserta do que estaria quebrado, se limpa do que está sujo etc., etc., em última análise não aconteceria se (?). É uma coisa evidente.
Bem, é natural que em nosso Grupo eu acharia normal que Nossa Senhora suscitasse almas dispostas a sofrer, e dispostas a fazer do sofrimento seu primeiro apostolado. As almas assim eu diria que são as primeiras do movimento e que fazem a coisa mais difícil, a coisa mais necessária, porque urgentemente necessário é isto: que alguém sofra. Isto é que se deve querer.
Não é só estar se flagelando, estar se martirizando, não. Sofrer é, antes de tudo, aceitar bem aquilo que Deus manda. De maneira tal que há coisas que nos fazem sofrer e que Deus permite que existam, ou há coisas que nos fazem sofrer e que Deus mandou. Nós recebemos aquilo de frente e dizemos: “É verdade, é uma pena, eu sofro. Eu até posso agir para eliminar isso. Mas enquanto isso não for eliminado, eu recebo de bom grado, porque é uma coisa inapreciável para a minha alma. É uma coisa inapreciável para as almas dos outros, é inapreciável porque é preciso que alguém se imole”.
Não há uma expressão mais baixa, mais vil, mais vagabunda, mais botequineira do que uma expressão que eu ouço às vezes assim em botequim, na rua, no barbeiro, em qualquer lugar: “Vê lá se eu sou um Cristo para agüentar tal coisa”. É uma expressão de uma sordície sem nome, mas a expressão tem um pressuposto curioso: é que há “micro-Cristos”, se assim se pode dizer, que aqui, lá e acolá têm se deixado crucificar para que as coisas vão bem. E que esses “micro-cristos”, sem eles ali não tem nada feito e que eles são a honra, a glória, a alegria, a vitória dos ambientes pelos quais eles sofreram.
De maneira que essa condição de sofrimento dentro da Igreja, ou condição de sofrimento dentro do Grupo, é uma função inapreciável. E eu acredito mesmo que o Grupo só será a realidade inteiramente séria que ele deve ser, no momento em que ele tenha gente que aceite isto assim, aceite com amor, aceite com alegria…(defeito na gravação, faltam algumas palavras)… amada, respeitada e conduzida assim.
* É assim que nós devemos tomar nossos problemas psíquicos, nossas incertezas quanto ao dinheiro do dia de amanhã
Quer dizer, é assim que nós devemos tomar em nossos problemas nervosos, nossos problemas psíquicos, nossos problemas financeiros, nossas incertezas quanto ao dinheiro do dia de amanhã, para muitos de nós existem. É uma coisa que devemos amar, não é uma lepra da qual nós devemos fugir de todos os modos. A gente compreende que a gente, por exemplo, de uma doença procure sarar, de uma situação econômica difícil a gente procure remediar. Mas, e na medida em que não consegue e que a coisa não vai, amar, não só aceitar, mas é amar aquilo. Eu estou na insegurança, eu estou sem dinheiro para o dia de amanhã? Eu vou amar essa insegurança. Nosso Senhor disse que Ele não estava nem sequer como as raposas, que têm as suas tocas. Ele não tinha uma pedra onde pousar a cabeça.
Eu estou nesse risco, eu compreendo que esse risco causa horror à minha natureza, eu compreendo isso. Mas eu devo, na medida em que Deus permitir esse risco, amar esse risco. Porque são as chagas de Cristo em mim e é assim que eu devo considerar isso. Quer dizer, é por essa forma que nós devemos considerar as nossas coisas.
* Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor
Eu me lembro que uma ocasião eu estava numa situação muito… ─ de apostolado, devia desenvolver muito esforço de apostolado, eu estava desenvolvendo, ─ ao mesmo tempo com muitos aborrecimentos, de repente me aparece pelo meio um lumbago. E alguém do Grupo ficou assim um pouco chocado com esse lumbago: “Onde é que vão parar as coisas? Como é que Deus faz isso?” Não, é bom que seja, é bom que seja! É claro que eu faço o possível para passar, mas é bom que seja. Se Ele permitiu, foi bom, porque eu estou sofrendo mais, estou carregando mais peso ─ é um sofrimento, não é uma tragédia ─ estou carregando mais peso e convém carregar mais peso, desde que Ele me julgue capaz disso.
Porque eu quero, ao menos na medida em que a minha vocação comporta isso, eu quero unir o meu sofrimento ao d’Ele. E se eu tenho de ser como uma azeitona que Ele tem que espremer para sair o óleo, ou uma uva que Ele tem que espremer para sair o vinho, ou um grão de trigo que tem de ser triturado para dar hóstia, é o que eu quero! Eu sei que eu estou dizendo com enorme ênfase coisas que todo mundo sabe, mas… elas me entusiasmam mesmo! De maneira que eu digo.
Bem, mas é uma coisa que está na ordem da natureza, e até Nosso Senhor tem no Evangelho uma referência a isso. E é interessante: é que tudo aquilo que é verdadeiramente criador, tudo aquilo que verdadeiramente começa algo, é do sofrimento na natureza. Assim, por exemplo, as sementes, não é? As sementes são liberadas habitualmente pela fruta, numa ação de decomposição da fruta, elas nascem da morte. Vamos dizer, é uma laranja, é uma maçã, qualquer coisa, é quando a fruta apodrece e morre que aquela semente se liberta. E depois aquela semente apodrece de novo. E é nessa segunda podridão, nessa segunda morte que vai nascer algo de novo.
Por exemplo, quando a mãe tem seu filho. Nosso Senhor, aliás, fala da alegria da mãe: ela geme na expectativa do parto, mas quando o filho nasce ela se regozija, não é verdade? Quando a mãe tem o seu filho, também é na dor. Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor. E portanto, essa dor está na ordem das coisas. (defeito na gravação, faltam algumas palavras).
* É uma coisa bonita ver que os de dentro do Movimento têm morrido com vantagens para o Movimento
Eu tenho a impressão de que meus ossos ─ eu diria com Jó ─ os meus ossos humilhados exultariam se eu visse em nosso Grupo almas que Nossa Senhora chama para a dor e para o sofrimento. E que eram capazes de constituir até um filão especial do Grupo para isso. Porque é uma coisa bonita ver que os de dentro do movimento têm morrido com vantagens para o movimento. Eu aludo especialmente ao caso do Ablas.
Mas, eu digo: por mais que eu faça e por mais que eu mesmo sofra, eu me sinto pequenino, eu me sinto cheio de respeito, de gratidão, eu não sei dizer o que eu sinto diante de uma alma, por exemplo, que é capaz de aceitar isto.
(Aparte inaudível)
Que bonito, hein! Que coisa linda, hein! A minha admiração pelos carmelos femininos é essa!
* Religiosas cuja missão é sofrer e expiar para conseguir curas e conversões em Lourdes e que têm o compromisso de não pedir a cura de si mesmas
Eu termino com uma coisa em Lourdes. Essa idéia ─ sempre que eu me lembro de Lourdes e das impressões que eu tive lá ─ essa idéia me vem à cabeça e coincide com o que Frei Jerônimo considerava agora. Os Srs. sabem que, segundo conta o Huysmans, há um carmelo em Lourdes cujas freiras têm por missão sofrer e expiar para conseguir conversões e curas na Basílica. Então, quando há aquelas procissões luminosas e bonitas, e aquele povo alegre, e aquelas curas e aquelas conversões, e aquela glorificação a Nossa Senhora, ninguém está se lembrando do convento das carmelitas, onde tem gente morrendo, onde tem gente apodrecendo, onde tem gente sofrendo aridezes interiores e desolações interiores tremendas, e tudo isso para que todos os outros estejam na alegria lá. Mas, aos olhos de Nossa Senhora, a fonte de toda alegria está naquele Carmelo.
E elas têm o compromisso de não pedir a cura delas (próprias); então adoecem, etc., etc. Eu pergunto: Há alguma coisa na terra mais digna de admiração do que isso? Eu francamente não conheço. Depois disso, a gente achar que é bonito o sujeito ser rico e ter cinco fábricas, e ser um grande orador, e ser um grande não sei o quê… meu Deus do céu, o que é que vale isso? É um punhadinho de lama. Perto de uma carmelita dessas, o sujeito ser um colosso, um diplomata, que seja não sei o quê… é um punhadinho de lama, é nada.
Santa Teresinha tem um pensamento lindíssimo a esse respeito. Eu estou dizendo que termino e não termino, mas agora eu termino. Bem, ela tem um pensamento lindíssimo a esse respeito. Ela disse que ela tinha vontade de ser tudo: ela tinha vontade de ser missionária em todos os cantos do mundo, padre em todos os lugares da terra, digamos apóstolo leigo, isso e aquilo, ela tinha vontade de estar fazendo tudo pela Igreja, em todos os lugares, em todos os cantos. E que isto chegava a constituir para ela um verdadeiro tormento. Mas, a a partir do momento em que ela entendeu que sofrendo ela sofria pelos que estavam em tudo isso, e que ela estava em todos os lugares ao mesmo tempo fazendo tudo, que aí ela encontrou ânimo de sofrer, encontrou paz para a alma dela. Não tem mais nada a dizer!
E aqui, para nós nos sentirmos umas formigas, insignificantes, ter vergonha até, é muito bom. Porque aí é que a gente compreende o que é que nós fazemos: nada em comparação com isso. É compreensível que diante disso a gente se emocione mesmo, até onde alguém pode se emocionar, que a gente venere, respeite, agradeça até onde a gente possa agradecer. Porque, afinal, o que dizer a respeito disso? Não tem nada o que dizer.
* A necessidade do sofrimento para o iniciador de um apostolado
Não sei se eu me exprimi com clareza ou não. Eu dou o resumo em alguns pontos. O resumo desse ponto é o seguinte: primeiro a pergunta e depois a resposta.
A pergunta é: Qual é a utilidade para o iniciador de um apostolado num determinado setor social, digamos para um “Chanteclair”, qual é a necessidade do sofrimento?
Resposta: Duas gamas de necessidades. Em primeiro lugar porque a coisa traz em si mesma um sofrimento inevitável. E deve trazer. Em segundo lugar, porque, se não trouxesse, ainda seria preciso que trouxesse por uma disposição da Providência.
A alma bem constituída sofre com a rejeição que tem. Essa rejeição viola o instinto de sociabilidade, que é um instinto da alma humana, e portanto um instinto muito mais dolorido até do que o do corpo. Em segundo lugar, ela viola o sentimento de justiça, que no homem é muito vivo, sobretudo quando ele está ele mesmo só, é objeto de injustiça. E em terceiro lugar, viola o amor que nós temos pela glória de Deus, que é rejeitada, que é escorraçada por aqueles que não querem recebê-Lo.
Exemplos do Evangelho: O Evangelho de São João fala desse sofrimento de Nosso Senhor. Ele não foi recebido, Ele veio junto aos que eram d’Ele e os d’Ele não o receberam. Numerosos episódios da vida de Nosso Senhor em que Ele se queixa da ingratidão com que Ele foi recebido. Por outro lado, manifestações do reconhecimento d’Ele quando era bem recebido. Tese de que é uma megalice ou é uma insensibilidade moral a pessoa ser indiferente a essa rejeição. Essa rejeição a pessoa sofre com ela, e deve sofrer.
Bem, agora, segundo lugar: há casos evidentemente que essa rejeição não existe. Eu me lembro de ter ouvido o caso de um bem-aventurado ─ eu não me lembro o nome dele ─ que era tão estimado pelos alunos dele que uma vez ele foi ao campo, dormiu, e quando ele acordou, os alunos, que eram crianças, tinham desfolhado não sei quantas folhas em cima dele, ele estava envolto no meio das folhas. Para um mega, não há coisa mais flateuse do que isso! Bem, mesmo num caso desses, ele deve sofrer. Deve sofrer por quê? Por disposição de Deus. Primeiro ponto: no que consiste essa disposição? consiste em que o homem, pelo seu sofrimento, complete algo na Paixão de Nosso Senhor Jesus cristo, Paixão que é superabundante de méritos, mas Deus quis que fosse assim.
Portanto, em muitos lugares ou junto a muitas pessoas, a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo fica como que suspensa na superabundância de Seus méritos, para converter as pessoas ou para santificar alguns que já são bons; fica como que suspensa a espera de alguém que resolva dar o contributo de sua cooperação pessoal.
Agora, depois de enunciado o ponto, a apreciação do ponto. Por que é isto? Porque Deus quer que o homem, ser inteligente e dotado de vontade, coopere nas Suas obras. Exemplos com a criação: é uma espécie de desenho vago, de que a gente deve depois dar as notas precisas, deve explicitar. Portanto, exemplo na Criação.
E em segundo lugar, exemplo no que diz respeito à Redenção. Em todas as obras a Igreja toda se explica por isso. Nosso Senhor pregou, temos que pregar, Ele andou, temos que andar, Ele sofreu, Ele redimiu, temos que ser, em um minúsculo sentido até incorreto dizer, mas digamos co-redentores. Quer dizer, temos que auxiliar, concorrer com nosso sacrifício na obra da Redenção. Depois, o exemplo da gota d’água. posta no vinho do padre, na Missa, e que é transubstanciada com o vinho.
Bem, isto posto, a apreciação sobre o mérito disso.
Mérito enorme, porque na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo se pode dizer que nada há de mais belo do que a Redenção efetuada por Ele. Não há coisa mais bela do que isso, não há coisa mais nobre. E é dessa Redenção, em última análise, que nos vieram todas as graças que temos, que as portas do Céu se abriram etc.,. Portanto, Servatis Servandis, mas também é geral que na vida do homem o sacrifício que é feito assim é mais belo. E que no conjunto da Santa Igreja, os sacrifícios que a pessoa sofre, das almas sofredoras chamadas para uma vida de sofrimento, representam o que há de mais belo dentro da Santa Igreja.
* A eficácia do sacrifício de Santa Teresinha
Uma apreciação sobre a eficácia disso: Santa Teresinha, queria ser cruzado, queria ser missionário, queria ser tudo quanto se faz dentro da Igreja, e sofreu um espécie de tormento por não ser isto. Compreendeu que pelo sacrifício ela era tudo isto. Ela estava trabalhando por todos aqueles que, por todos os cantos da terra, estavam trabalhando pela Santa Igreja Católica. E eu creio que é o sentido mais verdadeiro daquela coisa, de que ela faria cair sobre o mundo uma chuva de rosas. Então essas energias, esses recursos espirituais para… etc., etc.
Aplicação prática para nós: quando nós sofremos qualquer coisa, nós não devemos considerar isso uma lepra. Doenças, perturbações nervosas, perturbações psíquicas, carências mentais, pobreza, incerteza quanto ao dia de amanhã, compreende-se que a pessoa queira sair disso. Mas, deve amar muito o estar nisso. E enquanto Deus não permita sair, deve beijar essa Cruz com muito amor e carregá-la com alegria.
Há nisto então, para encerrar, uma oblação desinteressada a Deus, como prova de amor, porque o sofrimento é a melhor forma de amor. Há uma participação na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; há uma reparação ─ que está ligada com a participação ─ dos pecados, das infidelidades que todos os outros cometem.
Raridade desse apostolado: muitos há que rezam, muitos há que trabalham. Quantos são os que querem sofrer? Aqui está o ponto de interrogação final.
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