Santo
do Dia ─ 14/4/67 ─ 6ª feira .
Santo do Dia ─ 14/4/67 ─ 6ª feira
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O pitoresco da tradicional “joyeuse entrée” e a beleza da conversão “a la” espanhola de São Pedro Gonzalez * A biografia de São Pedro Gonzalez nos faz ter saudades de dias que se foram, mas que voltarão * Converte-se almas não por meio de concessões, mas sim da santidade * O íntimo relacionamento entre o Céu e a Terra existente outrora, deverá se restabelecer no Reino de Maria
Hoje, dia 14 de abril é festa de Santo Ordálio mártir. No dia 15 de abril, que seria portanto hoje, é festa de São Pedro Gonzalez, confessor, do qual nós tiramos umas notas no Rohrbacher.
* Leitura de uma ficha sobre São Pedro Gonzalez
A síntese histórica é:
Pedro Gonzalez ou Gonçalves nasceu no ano de 1190 na cidade de Astorga, na Espanha, da qual seu tio era bispo.
Após brilhantes estudos, foi nomeado, ainda jovem, cônego da catedral.
O tio lhe obteve de Roma a dignidade de deão do capítulo. Pedro devia tomar posse do cargo na festa do Natal. Jovem vaidoso quis que tudo lhe ocorresse com pompa, e que toda a cidade assistisse ao ato.
Montado num cavalo magnificamente ajaezado, atravessava as ruas da cidade. Chegando a um lugar repleto de pessoas, ferroou o animal para fazê-lo trotar com mais graça e assim aumentar a admiração do povo. Mas o cavalo deu um passo em falso e atirou o cavaleiro numa poça cheia de lama. Os gritos de admiração se transformaram imediatamente em vaias e zombarias. Pode-se imaginar a confusão que sentiu Gonçalves.
Essa, porém, lhe foi salutar. No mesmo lugar exclamou bem alto: “Como esse mesmo mundo que procurava [me] agradar ri-se de mim? Pois bem, zombarei dele por meu turno. Dar-lhe-ei as costas para começar uma vida melhor.”
E de fato abandonou o mundo e entrou para a Ordem de São Domingos. Foi um ótimo religioso e mais tarde não menos excelente pregador.
Sua fama chegou até o rei São Fernando, que lhe pediu um conselho a respeito da guerra contra os sarracenos. Mais tarde foi evangelizador dos pobres e particularmente dos marinheiros, tendo sido agraciado com o dom dos milagres. Pregou sem cessar, até seus últimos dias.
Predisse sua morte, falecendo em … [inaudível] … assistido pelo bispo da cidade que muito o estimava. Os marujos de Espanha e Portugal o invocavam em todas as tempestades sob o nome de Santo Elmo.
* O pitoresco da tradicional “joyeuse entrée” e a beleza da conversão “a la” espanhola de São Pedro Gonzalez
A vida dele é realmente pitoresca a começar por essa manifestação de mundanidade canonical. Os senhores vêm que o homem era sobrinho do bispo e tinha sido nomeado cônego da catedral e que o tio tinha conseguido que ele fosse nomeado decano do capítulo, quer dizer, a principal figura do cabido.
Agora, fazia parte dos costumes do tempo que quando uma pessoa inaugurava uma dignidade nova passeava pela cidade revestido das insígnias de sua dignidade. Por exemplo, quando o sujeito era nomeado professor de universidade, ele passeava pela cidade, com foguetório, alunos etc., com a beca e com os trajes de professor, montado a cavalo.
Naturalmente era preciso saber montar a cavalo, porque a coisa não deixa de comportar alguns riscos.
Bem, quando o estudante formava e voltava para a cidade de origem, ele tomava o traje da profissão que exercia e passeava pelo meio da cidade. E o povo todo ficava vendo o novo profissional graduado, novo doutor, que a cidade queria adornar os meios sociais e intelectuais da cidadezinha [a] que o doutor pertencia.
Alguma coisa disso conservou-se durante algum tempo no interior. Até 1920, pouco mais ou menos, se não me engano, quando um rapaz do interior se formava em São Paulo — não digo de Campinas, mas das cidades menores — o rapaz do interior se formava em São Paulo, ele ia para sua cidade do interior, era acolhido com banda de música, as autoridades municipais etc., e todo mundo que estava na estação para recebê-lo acompanhava-o até em casa, onde havia uma coisa horrendamente chamada “boca livre” quer dizer, a família oferecia então, ao menos quando podia, uma refeição para todo mundo que quisesse comer quanto quisesse. E assim ficava entronizado o novo doutor.
Essa tradição, que aliás é muito razoável, muito pitoresca e muito verdadeira, muito psicológica, se aplicava até aos reis. A rainha quando se casava com o rei, quando ia pela primeira vez à sua capital, tinha a Joyeuse entrée, a alegre entrada, em que havia recebimentos e pompas etc.
Por exemplo, Luís XVI e Maria Antonieta, depois de casados, fizeram uma joyeuse entrée em Paris. Era por quê? Porque era a primeira vez que ela ia lá oficialmente. Então, grande recebimento, grande reboliço, quer dizer, é muito conforme a ordem natural das coisas.
Então, nosso cônego estava para ir entrar a cavalo na cidade e os senhores estão vendo que a entrada do cônego devia ser uma coisa puxada à grande substância. Os senhores imaginem um homem guapo, montado num bonito cavalo com aqueles trajes bonitos de cônego, deão cabido. Provavelmente havia clérigos ali acompanhando e havia confrarias fazendo coro etc., etc. e o cargo completamente temporalizado.
Era uma época em que não havia anticlericalismo. Hoje não há mais propriamente anticlericalismo, mas é meio poca aos olhos da opinião pública ter um cargo eclesiástico. É melhor um cargo eclesiástico, do que não ter nenhum cargo, nem civil. Mas é muito melhor ter um cargo civil do que ter um cargo eclesiástico pouco mais ou menos em igualdade de condição. Bem, mas naquele tempo, não. Os cargos eclesiásticos eram de uma alta atração mundana.
Então, entra nosso cônego elegante a esporear o cavalo para trotar com mais graça. É que não havia ainda “heresia branca”. “Heresia branca” não gostaria de um cônego que trotasse depressa. É contra a caridade. Não tem bom coração. Um homem que anda depressa a cavalo não tem pena nem das viúvas, nem dos pobres — no conceito “heresia branca” — nem dos animais, nem do cavalo. O cônego, ainda quando moço, ele devia largar a rédea e ter um bicho bem manso que vá andando, ele também assim… Então, todo mundo diz: “Como ele é bom! Como ele é bom! Assim é que ele se canoniza.”
Mas vê-se que não havia ainda “heresia branca” e que ficava bonito um cônego mostrar que montava bem a cavalo. Então a hora da graça o esperava nesse momento de sumo mundanismo, e o pior dos mundanismos, que é o mundanismo das coisas sagradas. Ele montava a cavalo, esporeia o cavalo, o cavalo começa a trotar e ele espera aplausos, começam a se delinear aplausos etc., de repente ele vai cair num monte de lama.
Eu já contei aqui que Napoleão andava uma vez pelo Bois de Bologne, ou pelo Champs Elysée e que o povo começou a aplaudi-lo. Ele ia a cavalo. E o embaixador da Dinamarca, que estava ao lado dele, lhe diz: “Majestade, que trono sólido!” Ele diz: “Senhor embaixador, engano. Os povos se vingam dos aplausos que nos dão”.
Quem aplaude está pronto para vaiar. Essa é a miséria humana. Miséria das misérias miserabilíssima é essa. E o resultado: Estavam aplaudindo, escarrapachou-se, irrompe a vaia. Irrompe a vaia e vem a graça de Deus e converte o homem. Toca-o mostrando o vão de todas essas vaidades e dando-lhe um sentido de desafio àquele povo: “Como é, esse pessoal que me vaia, me aplaudia, agora está vaiando? Romperei com esses, e não tenho mais nada que ver com eles.”
O que é um modo da graça operar em espanhol. Porque a coisa se converte imediatamente em desafio tendente à tourada. Coisa sumamente bonita, porque a mim me agrada — eu não sei se tenho umas remotas gotas de sangue espanhol talvez — mas a mim me agrada a coisa assim.
Rompeu, desafio e pulo em cima, e vá logo e vá imediatamente ao fim, seja radical.
Assim que é bom que as coisas se passem. Assim fez o nosso santo. Ele foi tocado pela graça e ele então entrou para uma Ordem religiosa. Ele foi dominicano, se celebrizou então como pregador e é bonito vê-lo influenciar com seus conselhos a respeito da Cruzada ao Rei São Fernando.
* A biografia de São Pedro Gonzalez nos faz ter saudades de dias que se foram, mas que voltarão
Os senhores vejam que cena bonita, um Chefe de Estado santo, um rei santo, que manda chamar um pregador santo para confabularem a respeito da luta contra os infiéis. Como tudo isso está longe! Que é do pregador santo? Que é do Rei? Que é de um rei santo? Que é da guerra contra os infiéis? Como tudo isso se dissipou. E que nostalgia nós devemos ter desses valores que dizem tanto às nossas almas.
Os senhores imaginem o encontro: um rei sentado numa cadeira de espaldar com braços sobre um pequeno estrado na sala, e o santo que entra e lhe faz uma profunda reverência desde a entrada, ele que diz com amenidade: “Frei, entre, esteja à vontade.” Então começam os dois a falar e de repente a conversa sobe de ponto e daqui a pouco estão falando a respeito de religião, de coisas elevadas, etc. Isso dentro do palácio real.
Qual é o palácio onde hoje uma coisa dessas se dá? Como isso nos faz sentir a desgraça do nosso distanciamento em relação a tantas coisas magníficas que por essa forma nós podemos entrever dentro da luz do passado. E como é útil, portanto, uma ficha biográfica que nos dê a possibilidade de nos recordarmos por essa forma de toda essa felicidade.
Dante diz que nenhuma tristeza é maior do que no dia da miséria lembrar-se da ventura que se foi. Nós sofremos em parte isso. Nós estamos no dia da miséria e nos lembramos desses dias que se foram. Mas pelo menos nós ficamos sabendo que houve isso e que as coisas voltarão a ser assim. E nesse vale profundo, tão distante do que foi e, pelo menos na ordem real das coisas, não cronologicamente, tão distante do que vem, nós evocamos isso com saudade.
* Converte-se almas não por meio de concessões, mas sim da santidade
Os senhores vêm depois esse santo que exerce vários ofícios: evangelizador dos pobres, e sobretudo, evangelizador dos marinheiros.
Os marinheiros eram uma ralé sem fé nem lei, aventureiros. Ele se mete nesse ambiente e sem nenhuma necessidade de ser padre operário, e sem nenhuma necessidade de concessões malucas, ele move essas almas.
Agora, por que ele move essas almas? Porque ele é santo e tantos candidatos a padres operários não o são.
Alguém poderia objetar: “Mas Dr. Plinio, à vezes são almas muito duras de mover. Eu digo: “É verdade, mas o nosso santo resolveu o caso. Ele foi agraciado por Deus com o dom dos milagres. Os padres operários que se convertam, que se emendem e que obtenham de Deus o dom dos milagres, que eles moverão as almas também.” É assim que a gente converte e não por meio das concessões malucas inerentes a nossos dias.
* O íntimo relacionamento entre o Céu e a Terra existente outrora, deverá se restabelecer no Reino de Maria
Até os dias finais ele pregou. E ele previu a sua própria morte. É uma das graças especiais que Deus dá a alguns de seus servos, é preverem a sua própria morte. É um modo de morrer na doçura e na paz de Deus. Isso não lhes causa pânico, porque lhes dá esperança precisamente de chegarem ao Céu. E isso antigamente se fazia com tal naturalidade que se conta que o Pe. Anchieta, aqui no nosso vilarejo de São Paulo, soube com antecedência o dia da morte dele e avisou várias famílias, se despedindo, e explicando com toda candura: “Eu vou morrer no dia tanto, eu tive uma comunicação a esse respeito, eu queria agradecer tanta gentileza”.
É o aspecto mesureiro e cortesão no sentido nobre da palavra do século XVI, fazer visita de despedida: “Vou morrer, preciso me despedir dos amigos, não é verdade?”
Os senhores podem imaginar o assombro! Não causava tanto assombro. Porque muitas vezes pessoas que nem eram santas assim, tidas como tais como santas de altar, eram favorecidas com essa graça e diziam. E as pessoas achavam meio provável que acontecesse. Era natural essas comunicações do Céu e da Terra, não eram excepcionais.
Os senhores imaginem o susto, se um santo tocasse… Um padre hoje, tocasse nossa campainha — Frei… [inaudível] … pobre frei… [inaudível] …
— Dr. Plinio, eu vim me despedir do senhor porque vou morrer.
Eu me sentiria, no primeiro momento, tão desconcertado, que eu me julgaria obrigado a dizer: “Não, o senhor ainda vai ter uma longa vida, o happy end idiota das coisas modernas.
Naquele tempo:
— Ah, o senhor vai morrer? Não diga… O senhor teve uma visão? Olha, muito obrigado de ter vindo se despedir. Quando chegar no Céu lembre de nós. Diga de minha parte a Nossa Senhora tal coisa, fale com meu Anjo da Guarda tal coisa, por obséquio, não se esqueça.
— Ah, pois não, não tem dúvida, não esquecerei. Até logo.
— Até logo.
Quer dizer, é exatamente a naturalidade magnífica. Naturalidade… com certo sentido da naturalidade, com [o] sobrenatural. A harmonia, o hábito do sobrenatural que cria coisas magníficas dessas.
Então, os senhores vêm no convento o santo andando de um lado para outro, de repente diz para o padre prior:
— Pe. Prior, eu julgava necessário que vossa Reverência provesse alguém que me substituísse no apostolado dos marinheiros.
— Mas por que isso?
— Não, porque… [ilegível] … vou morrer. Eu recebi um aviso que vou morrer.
— Ah, então, está bem etc.
Já deixa o substituto indicado. Morre na hora, a comunidade está lá, assiste a morte, morre no Senhor, enterram-no em paz. Uma alegria geral, uma unção no pequeno local onde a morte se dá, mirabile dictu, o bispo era muito amigo dele e assistiu a morte dele. Ele morre sob as bênçãos e as vistas de seu pastor e com essa naturalidade foi para o Céu.
Os senhores vêm como o Céu e a Terra ficam próximos. Que abismos que se suprimem dentro desse florilégio da civilização católica, e quanta coisa bonita portanto desapareceu também aí e que nós no Reino de Maria vamos ver.
Eu creio que no Reino de Maria não vai ser raro pessoas saberem com antecipação da sua própria data de morte. E quem sabe se alguns dos senhores vão ser favorecidos, e quem sabe se alguns dos senhores vão se despedir de alguns dos senhores assim:
— Lembra-se naquela época que o Dr. Plinio uma vez disse de…
— Eu me lembro. Ah, está bem, é verdade, eu me lembro.
— Ah, está bom.
Quem sabe? Resta-me augurar que essa graça nos seja dada a todos nós.
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