Santo do Dia – 6/3/1967 – p. 4 de 4

Santo do Dia — 6/3/1967 — 2ª-feira

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* Superioridade dos bens do espírito * O incomensurável da ciência divina * à morte São Tomás consola seu discípulo * São Tomás morre entre os cartuchos

Hoje, dia seis de março, marca dois fatos importantes na história de nosso grupo. O primeiro — eu creio que os veteranos…, lembram-se alguma coisa da data hoje, não? —Está escrito em nosso calendário:

Nesse dia, em 1948, Dom Antônio de Castro Mayer foi eleito bispo.

Não sei se lembram de toda a emoção e alegria do dia etc., etc., etc. Depois:

em 1964 foi lançada a interpelação à Ação católica de Belo Horizonte sobre “Reforma de base, questão de consciência”.

Aquela famosa interpelação que nós passamos pelo Brasil inteiro, que eles não ousaram responder e que está até agora atravessada na garganta deles. Então, são dois fatos que assinalam o dia 6 de março.

Agora, amanhã, dia sete de março é dia de São Tomás de Aquino. A respeito dele diz o nosso, diz o Martirológio:

São Tomás de Aquino foi ilustríssimo pela nobreza da família, santidade de vida e ciência teológica. Por se gênio e sua pureza é chamado o Doutor Angélico. Patrono das escolas católicas. Sua relíquia se venera em nossa capela. Século XIII.

A respeito dele existe uma ficha biografia que nos vamos passar a ler:

Um dos exemplos mais frisantes do desinteresse de São Tomas pelos bens materiais e de sua paixão pelas coisas do espírito, encontra-se na famosa anedota contada no depoimento de Bartolomeu de Capua, no processo napolitano de canonização de São Tomás de Aquino.

Quer dizer, houve um processo em Nápoles; porque, quando um Santo é canonizado, abre-se um processo diocesano em cada um dos lugares onde ele viveu, para saber dados biográficos dele. E como ele era do Reino de Nápoles, naturalmente fez-se também um processo napolitano. É nesse processo napolitano que está esse fato.

Tomás vai com um grupo de estudante dominicanos de Santiago em peregrinação a Saint Denis, na França. Atravessa o país do sul, onde se encontrava o convento dos pregadores, junto à porta de Orléans, ao norte onde se acha a basílica célebre que guarda os túmulos do primeiro bispo de Paris e dos reis da França.

É a famosíssima basílica de Saint Denis que é o sarcófago dos reis da França.

No reverso desse passeio, ficou alguns momentos a descansar e a admirar o panorama sobre a cidade, nas alturas de Montmartre. E um dos jovens companheiros de Tomás, deslumbrado, diz-lhe: Que bela cidade é Paris. Tomás concorda e o outro exclama: Se Deus quisesse que ela fosse vossa… Resposta de São Tomás: Para que? Resposta do dominicano: Poderíeis vendê-la ao rei da França e com a soma obtida mandar construir todos os conventos da nossa ordem, responde o estudante fantasista. Então, com um sorriso, Tomás de Aquino responde essa coisa extraordinária: Antes queria ter as Homilias de São João Crisóstomo sobre o Evangelho de São Mateus.

* Superioridade dos bens do espírito

É magnífico. Como afirmação do valor das coisas da inteligência e como elas primam às coisas práticas. Não se pode querer coisa melhor. A idéia que está aí é a seguinte: Esses comentários, essas homilias vão crescer o discernimento que ele tem das coisas divinas. E então, essa coleção de livros lhe vale mais do que toda a cidade de Paris. Se fosse só isso era pouco, lhe vale mais do que todos os conventos dominicanos que poderiam ser construídos. De tal maneira um bem do espírito, como um conhecimento a mais do um elemento da verdade católica é mais profundo, de tal maneira isso vale que vale mais isso do que construir os conventos dominicanos do mundo inteiro.

Os senhores vêem que elevação de espírito e que sobre posição das coisas do espírito sobre as coisas práticas. Quer dizer, tudo quanto é prático passa para segundo plano — e inclusive prático do apostolado passa para segundo plano, desde que se trate de adquirir um bem de espírito a mais. Quer dizer, quando a gente, num determinado dia vai dormir tendo adquirido uma noção nova a respeito de um ponto da doutrina católica, ou tendo adquirido uma noção nova a respeito de um ponto da doutrina do nosso grupo, que é uma espécie de ponto dentro da doutrina católica, bem, basta isso para a gente dar o dia por bem ganho; mais bem ganho do que se a gente tivesse ganhado milhares de cruzeiros. Os senhores vejam aqui o ensinamento magnífico do santo.

Não decorre muito tempo sem que Tomás atinja maior altura de sua vida visível. É no dia seis de dezembro de 1273 que ele celebra missa na Capela de São Nicolau. Bruscamente opera-se nele grande mudança que impressiona todos os assistentes. Finda a missa não volta a escrever e deixa mesmo por acabar a “Tertia Parte da Summa”, a meio do Tratado da Penitência. Desgostoso ao vê-lo cada vez mais afastado das tarefas habituais e perdido num constante alheamento, observa-lhe Frei Reinaldo — o fiel Frei Reinaldo de Piperno [? ]—: Mestre, como abandonais assim uma obra tão vasta que empreendestes para glória de Deus e iluminação do mundo? Tomás replica: Não posso mais. Insiste Reinaldo, persuadido de tratar-se de um momentâneo acesso de fadiga e houve então essa frase que merece ficar histórica nos anais do pensamento humano: Não posso. Tudo quanto escrevi parece-me unicamente palha em comparação com aquilo que vi e que me foi revelado: Reginaldo. …[faltam palavras]…

* O incomensurável da ciência divina

É a famosa declaração dele e que existe na vida de alguns santos. Eles meditam, eles elocubram, eles desenvolvem o cabedal de suas idéias, mas ao cabo de algum tempo eles recebem alguma revelação e eles compreendem então que o valor do que foi revelado é tal que o que eles tinham escrito até aqui era palha, e que não vale a pena desenvolver. Aí os senhores vêem o que que é a ciência humana, e o que que é a ciência divina. E quais são as coisas que nos tocam ver no Céu. Porque quando nós virmos Deus face a face no Céu, tudo quanto nós sabemos aqui vai parecer palha, vai parecer coisa insignificante. E os santos já tiveram uma espécie de antevisão disso. Santa Teresa de Jesus chegou a atirar um tratado dela ao fogo, dizendo que a realidade era tão superior àquilo que ela tinha escrito, que era como palha. E foi preciso que uma pessoa tirasse depressa o tratado para salvar desse tratado algumas páginas. Os senhores vêem aí também o que que é a beleza da ciência católica. Como ela, quando se coloca na ponta dos pés, ela não chega a tocar com a ponta das mãos o que é a ciência revelada e os tesouros da doutrina católica. Aí a gente encontra uma razão a mais para amar a Igreja, a nossa Mestra infalível.

A esse mesmo Reginaldo, que desejava ver Tomás guindado a uma alta posição eclesiástica, deixou o santo seu testamento espiritual: Não penses, meu filho, em te entristeceres por isso. Entre os desejos que exprimi a Deus — e graças lhe sejam dadas, foram ouvidos —, pedi-lhe que em levasse desse muno, a mim seu indigno servo, na condição humilde em que me encontrava e que nenhum poder transformasse a minha vida ao conferir-lhe alguma dignidade. Poderia ainda, sem duvida fazer novos progressos na ciência e ser, pela doutrina útil aos outros. Mas por meio da revelação que me foi feita, o Senhor impôs-me silêncio, visto eu não poder mais ensinar, como sabes, depois que lhe aprouve revela-me o segredo de uma ciência superior. Dessa maneira, a mim, tão indigno, Deus concedeu mais que aos outros doutores que tiveram vida mais longa. Deixo, mais cedo que os outros essa vida mortal, e entro consolado na vida eterna. Consola-te, pois, meu filho, porque eu estou interinamente consolado.

* À morte São Tomás consola seu discípulo

São Tomás, o frei Reginaldo, que o acompanhava, percebia que São Tomás ia morrer, que o ciclo da existência de São Tomás estava encerrado. O silêncio de São Tomás indicava bem que não havia mais nada que dizer, e que a missão dele na terra tinha cessado. E ele então lamentou que São Tomás não tinha sido feito cardeal, como São Boaventura. Então, São Tomás lhe deu essa resposta: Eu ser feito cardeal? Que importância tem? Eu recebi muito mais do que isso. Cardeal eu não queria ser. Eu até pedi para não ser e dou graças a Deus de não ter sido. Mas eu recebi muito mais do que isso. Eu recebi já nessa vida uma ciência tão alta que, em última análise, não tenho mais nada que lucrar. Mais ainda: eu vou ter o grande prêmio de ser chamado mais cedo dessa vida. Com esses dois prêmios, qual é o cargo alto que se pode disputar?

E realmente, um homem que apreciava mais uma homilia do que a cidade de Paris haveria de apreciar mais uma revelação do que ter todos os tesouros do mundo. E haveria de apreciar mais de estar no Céu do que estar na terra quais quer que fossem as honras que ele devesse receber. Ele foi cedo para o Céu e recebeu aí a glória dos bem-aventurados.

* São Tomás morre entre os cartuchos

O que é muito bonito é a morte de São Tomás de Aquino. Há até um quadro famoso, se não me engano do Beato Angélico, representando essa morte. São Tomás de Aquino estava em viagem e ele expirou num convento onde ele se tinha hospedado no caminho, e que era um convento de cartuchos. E então, quando ele esteve no momento de expirar, ele fez um comentário do “Cântico dos Cânticos”, que é exatamente a parte da Bíblia que canta o amor de Deus pelos homens e o amor tão menor dos homens por Deus. Então, ele expirou no meio desses contemplativos, almas puríssimas todas feitas para o amor de Deus, cuja função não é tanto de meditar sobre a ciência quanto sobre o amor: e ele, que era o Anjo das Escolas, morreu ensinando a perfeição do amor de Deus a esses santos, a esses padres que tinham sido suscitados para se separarem de tudo no mundo, para viverem apenas pensando no amor de Deus. Isso equivale a um verdadeiro “fioretti”: as últimas palavras de São Tomas de Aquino engrandecendo o amor de Deus e aqueles cartuchos todos reverentes, bebendo aqueles palavras como se cada um sorvesse uma gota descida do Céu. E assim se fechou no extremo da contemplação e do isolamento de todas as coisas do mundo a vida desse grande Doutor.

Eu creio que não havia almas mais dignas de recolherem as suas ultimas palavras do que a alma de bons e de verdadeiros cartuchos. E com isso fica feito o comentário da vida de São Tomás.

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