Santo do Dia (São Milas) – 29/12/1966 – 5ª feira [IIA D 135] – p. 5 de 5

Santo do Dia (São Milas) — 29/12/1966 — 5ª feira [IIA D 135]

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A virtude da sabedoria nos leva a reportar tudo a Deus * Os efeitos que a sabedoria produz na alma, segundo São Luís Grignion * Nada é mais capaz de todas as formas de movimento, desde os grandiosos e majestosos, até os tênues e sutis, do que a pessoa habitada pela sabedoria * Porque a sabedoria é ágil e industriosa, e ao mesmo tempo se pode dizer que é astuta como serpente * A Providência dá a cruz aos filhos da sabedoria para tornar as vitórias verdadeiramente gloriosas * A pista com os obstáculos foi feita para apurar melhor as qualidades do cavalo e do cavaleiro * A tentação quando acontece a desventura * O Grupo seria inferior a si próprio se não trouxesse as cicatrizes do passado

Hoje, dia 29, é festa de São Tomás de Cantuária, que nós comentamos ontem. Amanhã, dia 30, é o dia em que, em 1964, foi publicado no jornal “O Estado de São Paulo” o manifesto ao povo brasileiro sobre a reforma agrária, da TFP. Aquele violentíssimo manifesto contra o Jango, cuja vinolência espantou até amigos nossos.

Não havendo ficha, a secção de História me preparou um trecho de São Luís Grignion de Montfort sobre o amor à Sabedoria Eterna e diz respeito aos efeitos maravilhosos da Sabedoria Eterna nas almas daqueles que a possuem.

* A virtude da sabedoria nos leva a reportar tudo a Deus

Para nós compreendermos bem esse trecho, nós precisamos ter em mente o que é a sabedoria.

A sabedoria é aquela virtude que é a síntese de todas as outras virtudes, e que tem todo efeito próprio, que o homem é levado a considerar as coisas pelos seus aspectos mais altos, considerando nos seus aspectos mais altos, prosseguir nos mais altos, mais altos, até ver em todas as coisas aquilo por onde elas são reflexos de Deus, aquilo por onde elas são deiformes, se assemelham a Deus. É neste ponto, então, que está a sabedoria.

A alma que tem sabedoria, olhando, portanto, para todas as coisas, considera as qualidades que essas coisas têm e os defeitos.

No considerar as qualidades, sendo Deus a personificação incriada de todas as qualidades que existem nas criaturas, de algum modo — e de um modo altíssimo, que nós nem podemos considerar devidamente — Deus tem essas qualidades.

Agora, por outro lado, como os defeitos são o oposto de Deus, pelos defeitos das criaturas nós, pela lei do contraste, podemos imaginar a grandeza de Deus.

Por essa forma, a virtude da sabedoria nos leva a reportar tudo a Deus. Ter um espírito elevado, recolhido, sério, sublime, que em todas as coisas está vendo um reflexo de Deus, esta é a virtude da sabedoria.

* Os efeitos que a sabedoria produz na alma, segundo São Luís Grignion

São Luís Grignion de Montfort, que tem um livro intitulado “Tratado da Sabedoria”, tem então nesse livro um trecho, que eu vou ler agora aqui, e que diz respeito ao seguinte: quando a alma tem a sabedoria, que efeitos essa sabedoria produz na alma?

Enfim, como nada há de mais ativo que a sabedoria, ela não deixa jogada, jazendo na tibieza e na negligência, aqueles que têm a sua amizade. Ela os torna todos inflamados, ela lhes inspira grandes empresas para a glória de Deus e a salvação das almas. E para as prover e para as tornar mais dignas dela, ela lhes arranja grandes combates e lhes reserva contradições e obstáculos em quase tudo aquilo que eles empreendem. Ela permite tanto ao demônio de os tentar, quanto ao mundo de os caluniar e desprezar. Ora ela permite aos seus inimigos de os superar e abater, ora aos seus amigos e parentes de os abandonar e trair. Aqui ela lhes procura uma perda de bens, lá uma doença; aqui uma injúria, lá uma tristeza e um abatimento de coração. Enfim, ela os prova em toda maneira no cadinho da tribulação.

Mas sua aflição, diz o Espírito Santo, foi ligeira e sua recompensa será grande porque Deus os amou, os provou e os considerou dignos dele. Ele os provou como ouro na fornalha, ele os recebeu como uma hóstia de holocausto, ele os olhará favoravelmente quando seu tempo tiver chegado.

Este trecho de São Luís Grignion compreende duas partes diferentes: em primeiro lugar, o efeito da sabedoria na atitude que o homem toma diante dos inimigos da fé; em segundo lugar, o efeito da sabedoria diante das cruzes que o homem recebe.

Nós devemos, portanto, fazer os dois comentários em separado.

* Nada é mais capaz de todas as formas de movimento, desde os grandiosos e majestosos, até os tênues e sutis, do que a pessoa habitada pela sabedoria

O que tem de admirável essa fórmula que ele tira do livro da Sabedoria, é o seguinte:

A sabedoria é mais móvel do que todas as coisas móveis. Quer dizer, nada é mais movimentado, nada é mais dinâmico, nada é mais destro, nada é mais ágil, nada é mais capaz de todas as formas de movimento, desde os movimentos enormes, grandiosos, majestosos, até os movimentos pequenos, tênues, sutis, mais capaz de todas as formas de ação e estilos de ação, do que a pessoa habitada pela sabedoria. E a razão disso é muito simples: é que a sabedoria é uma virtude impregnada pelo amor.

Como disse bem Santa Teresinha do Menino Jesus, para o verdadeiro amor de Deus nada é impossível. Para quem ama alguma coisa nada é impossível. E para a alma que ama verdadeiramente a sabedoria, nada é impossível. Podem ser almas insignificantes, como podem ser almas grandiosas; podem ser almas possantes, como podem ser almas sem nenhum valor natural. Desde que elas sejam verdadeiramente habitadas pela sabedoria, elas têm todas as iniciativas, têm todo o senso de adaptação nessas suas iniciativas, têm todas as capacidades de dar o que em espanhol se chama vueltas e volteretas de todos os lados e de todos os modos.

* Porque a sabedoria é ágil e industriosa, e ao mesmo tempo se pode dizer que é astuta como serpente

Por quê? Porque a sabedoria é ágil, a sabedoria é industriosa, a sabedoria tem longas vistas, e ao mesmo tempo se pode dizer que a sabedoria é astuta como serpente.

Por causa disso, a alma habitada pela sabedoria se torna não só de uma suprema atividade, mas ela tem a fina ponta da atividade, que é a combatividade. O auge da atividade é a combatividade, e na combatividade o auge é a agressividade. E a alma habitada pela sabedoria tem, portanto, esse senso de emprender a luta necessária, esse senso da agressividade, que é o auge do arrojo e da força de ação.

Mas ao mesmo tempo ela forma o diplomata perfeito, jeitoso, prudente, cauteloso, sabendo muito bem qual é a hora de não falar. Na hora de falar, sabendo encontrar bem a meia palavra que tem o melhor sentido para dar o golpe inteiro. Ou, às vezes, a palavra, sutil que se insinua, que tem uma insinuação sem que a pessoa possa dizer que houve uma insinuação. Ou a expressão de fisionomia, ou a ação de presença que falassem que a pessoa tenha dito nada.

Quer dizer, a sabedoria sabe ser maquiavélica, a sabedoria sabe ser astutíssima, porque Nosso Senhor recomendou exatamente que nós tivessemos não só a inocência da pomba, mas também a astúcia da serpente. Recomendou que nós tivéssemos a inocência d’Ele, que era o Cordeiro de Deus, mas tivéssemos a agressividade e a força d’Ele, que é chamado pela Escritura o Leão de Judá.

E assim nós temos, então, a imagem da alma sapencial, com todos os recursos que ela tem, que são praticamente inesgotáveis e que fazem de qualquer homem, de qualquer homenzinho, de qualquer homúnculo, de qualquer trapo de homem, uma coisa grandiosa, desde que seja habitada pela sabedoria. Enquanto, pelo contrário, o homem que não tem a sabedoria, pode ter o gênio “churchilaniano”, ele não vale um trapo que tem a virtude da sabedoria.

Isso é o que São Luís Grignion diz aqui.

* A Providência dá a cruz aos filhos da sabedoria para tornar as vitórias verdadeiramente gloriosas

Agora ele passa às cruzes. E ele mostra então que a sabedoria eterna, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, a personificação divina da virtude da sabedoria, que a sabedoria eterna arranja para nós muitas cruzes. E ele menciona cruzes que dá impressão da vida do Grupo.

A Providência faz com que as pessoas adoeçam. Quantas pessoas nós temos aqui no Grupo, doentes de uma coisa ou de outra? Faz com que as pessoas sejam caluniadas. Faz com que apareçam obstáculos nos negócios de que elas tratam. Faz com que elas encontrem dificuldades inesperadas diante de si, que pulam de encontro delas à maneira de ciladas.

Por que é que a Providência faz isso com os filhos da sabedoria? Para evitar que eles tenham vitórias? Não. É para tornar suas vitórias verdadeiramente gloriosas.

* A pista com os obstáculos foi feita para apurar melhor as qualidades do cavalo e do cavaleiro

Os senhores imaginem um cavalo. Se um cavalo pudesse pensar, ele olharia para uma pista de corrida de cavalo, veria aquela pista lisa e todos os cavalos correndo. Ele diria: “Formidável!”. Depois ele veria uma pista com obstáculos e ele diria: “Que coisa maluca! Essa pista é uma pista doida. Quem fez essa pista tem nó contra cavalo. Porque fazer cavalo pular tanto antes de chegar ao fim? Bonita é aquela outra pista lisa, aquilo é que é bonito. Aquela pista cheia de encrenca, cheia de dificuldade, para quê isto? É para quebrar a perna de cavalo? Com certeza foi um inimigo do gênero eqüino que preparou essa pista”. Isso pensaria um cavalo.

Ora, quantas vezes nós pensamos assim em nossas vidas?

A pista foi feita com os obstáculos para apurar melhor as qualidades do cavalo e do cavaleiro. Para mostrar mais qualidades que jazem nele e que não apareceriam se não houvesse isso.

* A tentação quando acontece a desventura

Entretanto é sempre uma tentação quando acontece qualquer desventura, é isso: “Por que é que Deus me mandou isso? Deus não está jogando como bom aliado. Deus não está jogando como bom amigo. Eu tratei com Ele de conduzir o estandarte d’Ele até o alto de tal montanha. Agora, em vez de Ele me mandar um anjo fazer uma estrada bonita e asfaltada para subir — colaboração é isso —, Ele não tem senso de colaboração. Eu quebro as perna. Depois, mais adiante, chove, molha meu estandarte, meu estandarte fica um trapo feio, escorrido, ao longo do fuste. Mais adiante, me dá sono. Mais adiante, sobrevem a noite, e na noite eu ouço, de repente, debaixo da planície alguém que grita: ‘Cuidado! hoje tem onça no monte´. E eu passo a noite inteira com medo de a onça que vai chegar.

Afinal, raia a aurora, não houve onça nenhuma, mas na minha imaginação quantas onças passaram, quantas onças me devoraram durante esta noite cheia de onças. Lá vou eu, esquálido e magro chegar até o alto dessa montanha.

Oh, Deus não soube colaborar comigo. Deus não compreendeu que era preciso mandar os anjos me abanarem, que era preciso mandar os anjos me servirem, e que quando eu chegasse em cima com meu estandarte pimpão e alegre, eu punha o estandarte na mão, esperava a aclamação dos povos”.

Esta é uma tentação que se repete sempre.

A colaboração de Deus Nosso Senhor consiste em permitir que venham os obstáculos; consiste em permitir que apareça o boato de que há onça e as vezes aparece a onça. E a virtude da confiança pede que quando a onça aparece, a gente faz assim para ela… e reza uma Ave Maria.

A onça pára… faz uma cara; a gente, um segundo sorriso. Terceiro, a onça começa a arranhar o chão com a pata, e a gente diz: “Enquanto for só para arranhar o chão, está bem. Mas depois não sei o que vai acontecer”.

Em certo momento a onça se encolhe toda para pular, pula, pula por cima da gente, cai lá e vai correndo embora. Lá foi embora a onça.

Quantas das nossas provações foram assim? Perigos que vêm, que se aproximam, que se tornam eminentes, que parecem saltar em cima de nós, saltam. Quando vai ver, o perigo está do lado de lá e nós estamos em paz. Quantas e quantas vezes?

Por que a Providência faz isso?

Depois é preciso dizer de passagem: às vezes a onça dá uma dentada. Não mata, mas dá uma dentada. E dentada que sangra e dói.

Porque este é o mérito.

Parada militar nunca constituiu glória militar. A glória do exército é de encontrar o adversário, de levar tiro, de ficar sujo, de ter tido medo, de ter tido dificuldade, de caminhar para a frente de novo. Esta é a glória do exército.

E Nossa Senhora quer para os filhos d’Ela, quer para os ultramontanos d’Ela, para os filhos da sabedoria, a provação, o sofrimento, a dificuldade, para que a verdadeira glória venha daí.

* O Grupo seria inferior a si próprio se não trouxesse as cicatrizes do passado

Os senhores sabem que o grupo do “Catolicismo” é um grupo que está atravessando, no momento, uma fase que até certo ponto se poderia chamar de triunfal. Mas é um grupo muito sofrido e que trouxe no seu passado mil cicatrizes. Os senhores não imaginam como o Grupo seria inferior a si próprio se não trouxesse essas cicatrizes.

E o misterioso da coisa é que as cicatrizes sofridas pelos veteranos beneficiam os senhores, pela unidade de corpo que existe no Grupo. De maneira tal que essas cicatrizes de outrora dão peso e densidade ao próprio apostolado dos senhores.

Então aí a gente compreende porque é que a gente é caluniado, porque é que a gente é, a gente compreende porque, enfim, nos acontecem tantas coisas. Nós não seríamos filhos da sabedoria se não nos acontecessem tantas coisas. Portanto, por elas nós devemos dar graças a Deus.

Graças a Deus por quê? Porque temos a cruz. A cruz que é o distintivo do verdadeiro filho de Jesus Cristo, de Nossa Senhora, do verdadeiro seguidor de São Luís Grignion de Montfort.

É o que São Luís Grignion espraia ou explana na ficha que nós lemos na noite de hoje.

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