Santo do Dia (Auditório da Rua Pará) – 12/12/1966 – 2ª-feira – p. 7 de 7

Santo do Dia (Auditório da Rua Pará) — 12/12/1966 — 2ª-feira

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Nossa Senhora de Guadalupe e o índio Diego; simplicidade nobre nas palavras do índio; diplomacia e obediência; ante milagres, a incredulidade da Hierarquia; nexo entre virtude e cortesia; fidalguia ocidental; a dura, fria e rude igualdade.

* Comentar aquilo que habitualmente não se comenta * Amor de Nossa Senhora às almas simples * Nobreza das palavras e humildade do índio * Diplomacia do índio * Obediência do índio * Incredulidade da Hierarquia * O índio se aproveita da doença do tio para escapar * Virtude e cortesia * Fidalguia ocidental, filha da virtude * Dura, fria e rude igualdade

Nossa Senhora de Guadalupe

Amanhã, dia 13 de dezembro, é a festa de Nossa Senhora de Guadalupe. Não, aqui está marcado 13. Não, não, não. No calendário de hoje está aqui 13 de dezembro. Então, houve um cochilo por parte da nossa Seção.

Nossa Senhora de Guadalupe... Por uma feliz coincidência nós temos, exatamente, um amigo mexicano que nos visita hoje e, nesta reunião pan-americana — no sentido bom da péssima palavra — nós temos pan-sul-americana, ibero-americana, nós temos então a festa de Nossa Senhora de Guadalupe.

A respeito de Nossa Senhora de Guadalupe e da devoção d’Ela, no livro de Edésia Aducci, “Maria e seus gloriosos títulos”, há alguma coisa a respeito do diálogo entre Nossa Senhora e o vidente Juan Diego:

Na primeira aparição, Nossa Senhora, falando no idioma mexicano, dirige-se a Juan Diego: “Meu filho, a quem amo ternamente como a um filho pequenino e delicado, aonde vais?”. Resposta dele: “Vou, nobre Senhora minha, à cidade, ao bairro de [Taltelonco?] [Tlatilolco], ouvir a Santa Missa que nos celebra o ministro de Deus e súdito seu”.

Ela: “Fica sabendo, filho muito querido, que eu sou a sempre Virgem Maria, Mãe do verdadeiro Deus; e, é meu desejo que me erija um templo neste lugar, de onde, como Mãe piedosa tua e de teus semelhantes, mostrarei minha clemência amorosa e compaixão que tenho dos naturais e daqueles que me amam e procuram; e ouvirei seus rogos e súplicas para dar-lhes consolo e alívio. E para que se realize a minha vontade, hás de ir à cidade do México, dirigindo-te ao palácio do bispo que ali reside, ao qual dirás que Eu te envio e que é vontade minha que me edifique um templo neste lugar. Referirás quanto viste e ouviste e Eu agradecerei quanto por mim fizeres a esse respeito. E te darei prestígio e te exaltarei”.

Resposta dele: “Já vou, nobilíssima Senhora, executar tuas ordens como humilde servo teu”.

Segunda aparição:

Juan Diego volta do palácio de bispo no mesmo dia à tarde. A Santíssima Virgem o esperava. “Minha muito querida Rainha e Altíssima Senhora, fiz o que me mandaste e, ainda que não pudesse entrar e falar com o senhor bispo senão depois de muito tempo, comuniquei-lhe a tua mensagem, conforme me ordenaste. E ouviu-me afavelmente com atenção. Mas, pelo seu modo e perguntas que me fez, entendi que não me havia dado crédito. Portanto, te peço que encarregues disso uma pessoa nobre e de importância, digna de respeito e em quem se possa acreditar; porque, bem sabes, minha Senhora, que eu sou um pobre plebeu, e que não é para mim esse negócio a que me envias. Perdoa, minha Rainha, meu atrevimento e se me afastei do respeito devido à tua grandeza; que eu não tenha merecido a tua indignação, nem te haja desagradado a minha resposta”.

A Santíssima Virgem insiste com Juan Diego. Este volta ao bispo e este insiste, ou melhor, e o prelado exige um sinal da aparição. Volta o índio e Nossa Senhora manda que volte no dia seguinte ao mesmo local, que Ela satisfaria o desejo do bispo. Mas Juan Diego, precisando chamar o sacerdote para seu tio, que adoecera gravemente, desvia-se do caminho combinado, certo que a Santíssima Virgem não o veria. Mas eis que Nossa Senhora aparece-lhe noutro local: “Aonde vais, meu filho, e por que tomaste este caminho?”. Juan Diego: “Minha muito amada Senhora, Deus te guarde. Como amanheceste? Como estás com saúde? Não te agastes com o que te vou dizer: está enfermo um serve teu, meu tio, e eu vou depressa à igreja de… [faltam palavras] …para trazer um sacerdote para confessá-lo e ungi-lo, e, depois de feita essa diligência, voltarei a este lugar para obedecer a tua ordem. Perdoa-me, peço-te, Senhora minha, e tem um pouco de paciência que amanhã voltarei sem falta”.

Resposta d’Ela: “Ouve, meu filho, o que Eu vou te dizer. Não te aflijas enfermidade ou outro acidente penoso. Não estou aqui, que sou tua Mãe? Não estás debaixo de minha proteção e amparo? Não sou Eu vida e saúde? Não estás em meu regaço e não andas por minha conta? Tens necessidade de outra coisa? Não tenhas cuidado algum com a doença de teu tio, que não morrerá dessa vez, e tenhas certeza de que já está curado”.

* Comentar aquilo que habitualmente não se comenta

Naturalmente, a cura do tio deve ter sido o milagre que deve ter sido dado para o bispo. A história não está concluída aqui, mas tudo faz indicar que seja assim. Não sei se presumo bem. Não é? Bem, deste acontecimento, a respeito deste acontecimento, vários comentários se podem fazer. Desses comentários, eu creio que o mais interessante, e aquele em que tem havido menos insistência, é o que diz respeito à atitude do índio diante de Nossa Senhora e a linguagem que ele tem para com Nossa Senhora. Eu digo isso porque os outros aspectos da questão — que Nossa Senhora se compraz em aparecer aos humildes, que Ela procura as pessoas simples para mandar recados às pessoas grandes, que Ela procura as almas castas para que essas almas sejam os porta-vozes d’Ela — esses comentários se têm feito em tantas aparições e de tal maneira é uma regra constante que esse seja o modo pelo qual Nossa Senhora fala aos homens, que me parece que não há uma razão especial para nós insistirmos sobre isso na noite de hoje.

* Amor de Nossa Senhora às almas simples

Mas a linguagem do índio com Nossa Senhora e a atitude dele, tem um sabor extraordinário que está em coerência com a atitude de Nossa Senhora para com ele. Nossa Senhora o trato como o filho de uma nação que está em decadência, de um índio, de um povo, de uma ascendência que está desaparecendo, mas é uma alma pura, uma alma simples; Ela o trata, então, com um carinho extraordinário. Trata-o quase como trata uma criança. E a gente vê, aí, a predileção que Nossa Senhora tem não só, de um lado, pelas almas grandes, pelas almas heróicas que fazem feitos históricos, que marcam as vidas dos povos e das civilizações; mas, depois, por outro lado, como Ela ama todas as formas de beleza e como Ela ama todas as formas de virtude, o amor que Ela também tem por essas almas simples, pequenas, inteiramente voltadas para Ela e que ignoram a sua própria virtude. E como Ela fala a essas almas com um amor, com uma ternura completamente particular.

* Nobreza das palavras e humildade do índio

Depois nós vemos a atitude do índio para com Nossa Senhora. É interessante. Mas é um homem simples e um homem que não recebeu educação nenhuma; mas ele fala com Nossa Senhora, dentro da simplicidade dele, como um verdadeiro cortesão. Ele saúda Nossa Senhora, ele pergunta como Ela vai passando, se Ela está passando bem; ele pede a Ela, depois de ter descrito qual é o fracasso da missão que ele teve, ele se porta como um verdadeiro diplomata, e ele explica para Nossa Senhora a razão humana do insucesso dele. A gente está vendo a razão humana qual foi: ele se apresentou para dizer, para dar o recado de Nossa Senhora e, naturalmente, deve ter sido tratado muito superficialmente pelos mordomos do palácio. E, então, ele fez esse raciocínio: “Se eu fosse um homem nobre, se eu fosse um homem poderoso, o bispo me receberia. Portanto, Nossa Senhora, eu vou dar um bom conselho para Ela. Eu fracassei. Mas eu lá entendo de minha diplomacia. Eu vou dar um bom conselho para Ela, Ela que mande um homem poderoso daqui, que o bispo recebe e está tudo acabado”. E a gente vê, ao mesmo tempo, o desejo dele de homem humilde, de não aparecer, de não brilhar, até de tirar o corpo da encrenca.

Ele vai, apresenta-se a Nossa Senhora e diz com toda simplicidade: “Eu vou lhe dar um conselho: o bom caminho é esse”. Um conselho diplomático que ele dá para Ela: “A boa via para falar com o Senhor Bispo é tal. Eu não sirvo”.

E depois a gente vê, sotto voce, esse outro comentário dele: “É bom porque assim eu me recolho à minha nulidade, me recolho à minha insignificância e continuo minha vida simples, de minha oração, de minha despreocupação, de minha tranqüilidade, longe dessas grandezas que não foram feitas para mim”. Os senhores estão vendo todas as qualidades de alma que entram nisso.

* Diplomacia do índio

Mas, de outro lado, esse homem tem um certo tato. E esse conselho diplomático ele o termina com uma forma cortesã: “Minha Senhora, eu receio tê-La desgostado. Mas, por favor, não se desgoste, porque a idéia que eu dei é muito boa. Em qualquer caso, eu não gostaria de ter desgostado a Senhora. Me perdoe, mas a verdade é essa”. Os senhores estão vendo, portanto, que ele teve suas preocupações diplomáticas em relação a Ela também. E soube encontrar uma fórmula que, com todo o sabor campestre que tem, entretanto, tem a nota de uma certa fidalguia, de uma certa delicadeza e, porque não dizer a coisa, de uma certa diplomacia.

* Obediência do índio

Resultado: a gente vê que Nossa Senhora gosta do recado. Ela sorri para o conselho diplomático e não aceita. Ela, pelo contrário, exige que ele volte. Ele, obediente, volta. Ele não tem preguiça. Ele não tem resistência. Ele é filho da obediência. Recebeu ordem? Nossa Senhora quer mesmo? Ele volta de novo. Vai e esbarra com a coisa do bispo.

* Incredulidade da Hierarquia

Também há séculos que a coisa é a mesma. Sempre que há uma visão, os bispos e as autoridades eclesiásticas fazem o possível para duvidar dessa visão. Isso é uma nota que se repete em todas as aparições, igual a si mesma por toda parte. O bispo duvida e, então, pede a Nossa Senhora um milagre. É claro que se houver o milagre, o bispo vai mandar fazer um exame para saber se houve milagre mesmo. E se o bispo é bem moderno, caso não haja prova de milagre, ele fulmina a coisa; e se houver prova de milagre, ele boceja em cima da coisa: “É, parece que há um milagre mesmo… Ao menos as provas são concludentes. Se é milagre eu não sei. Mas que está provado que é, está”.

Ainda há pouco nós vimos essa aparição na Itália. Numa cidade pequena da Itália — não Siracusa, é uma coisa inteiramente recente, de nossos dias; uma cidade não muito longe de Roma — começa uma imagem de madeira a chorar. É a diocese de Bolonha. Começa a imagem de madeira a chorar — os senhores já ouviram falar disso também —, ela chorou mais de quinze vezes. Mandou fazer o exame do líquido para ver o que é. Resposta do laboratório: toda composição química são lágrimas humanas. Quer dizer, portanto, autêntico, não é verdade? É uma coisa admirável. Resposta: “Ahmm”. Ponto final. Nenhum comunicado, nenhum ato de piedade. Nada disso. É um milagre provado. Tábula rasa sobre o milagre. Um sacerdote amigo nosso escreveu ao sacerdote da igreja onde esse fato se dá, perguntando o que [é] que havia. Ele escreveu um cartãozinho. Ele disse: “Olha, realmente ela tem chorado, essa imagem, e o exame médico atesta, o exame de laboratório, que são lagrimas humanas. Atenciosos cumprimentos: Fulano de Tal”. Está acabado. Quer dizer, como quem diz:

É um milagre estupendo!

É. É um milagre estupendo, sim. Querem me dizer que horas são? Hoje, que bicho deu no jogo, etc., etc.

Está acabado.

* O índio se aproveita da doença do tio para escapar

Bom, aqui Nossa Senhora faz um prodígio. Mas faz um prodígio em que a gente vê algo da alma do índio. O índio não estava com muita vontade de continuar dentro do negócio. E como o tio dele adoeceu, ele se aproveitou da doença do tio para dar um passeinho, e chamar padre para a doença do tio etc., achando que Nossa Senhora podia esperar para o dia seguinte. Nossa Senhora tem pena dessa simplicidade de alma e aparece para ele onde ele não esperava. Susto dele e, depois, Ela prevê um milagre. O milagre se produz, e o índio e o bispo estão apanhados.

A única coisa que tem é que o índio morreu em odor de santidade e parece que se cuida da canonização dele. Não sei em que pé está o processo. Como?… É, sim. Eu ouvi dizer que o processo está andando bem.

(Sr. –:…)

Não, eu não me lembro dos outros pormenores. Houve alguma outra coisa? Nossa Senhora reproduziu a imagem d’Ela no manto do índio? Creio que não, não é?

(Sr. –:…)

Sei. Ficou bem demonstrado para o bispo.

(Sr. –: E rosas. Rosas que saíram…)

E o bispo, o que é que fez? Aprovou a devoção? Ainda bem, graças a Deus.

Bem, aqui os senhores têm um pouquinho um princípio. E esse princípio é o que eu quero acentuar. Eu não quero aqui produzir uma… [falta palavra] …lírica, a respeito dos valores que podem entrar numa alma simples. Porque isto também é um tema muito esgotado.

* Virtude e cortesia

Eu quero tratar de uma outra coisa. Para os senhores perceberem, onde existe a verdadeira virtude, aparece a delicadeza, aparece a cortesia e aparecem as maneiras nobres; pelo contrário, onde a virtude morre, as maneiras nobres, a delicadeza e a cortesia vão desaparecendo. Este índio é a última coisa em matéria de extração social. Mas, como ele tem delicadeza de alma, à maneira dele, sabe ter delicadeza de maneiras, e sabe tratar Nossa Senhora com respeito, com uma verdadeira fidalguia. Pelo contrário, se ele não tivesse delicadeza de maneiras, de alma, ele poderia ser um fidalgo, ele não trataria Nossa Senhora com verdadeira fidalguia.

* Fidalguia ocidental, filha da virtude

O que, por sua vez, prova o seguinte: que se a civilização ocidental desenvolveu as boas maneiras, desenvolveu a fidalguia do trato, desenvolveu o senhorio, desenvolveu o garbo, desenvolveu o tônus aristocrático até um ponto onde nunca anteriormente nenhuma civilização atingiu; porque qualquer marajá hindu, qualquer sátrapa da Pérsia, qualquer mandarim chinês, qualquer sultão turco, não é senão um cafajeste em comparação com um grande de Espanha. Bem, se isso foi assim, é porque houve, na Idade Média — onde todas essas coisas nasceram e continuaram a se desenvolver depois do fim da Idade Média —, houve um momento de alta virtude, houve um momento de alta piedade, onde as almas ficaram ávidas de nobreza de trato, ficaram ávidas de delicadeza, ficaram ávidas de grandeza e, como os costumes nascem de avidez das almas boas ou más, daí germinou, no solo sagrado da Europa cristã, toda a cortesia ocidental, filha exatamente dessa piedade, filha dessa virtude.

* Dura, fria e rude igualdade

Quando veio a Revolução, que trincou a vida espiritual da Europa, quando entraram os princípios igualitários e democráticos no espírito do europeu, começou imediatamente a decadência. Por quê? Porque, debaixo desse ponto de vista, democracia, igualitarismo, falta de delicadeza de sentimento [e] falta de nobreza de maneiras, são coisas completamente correlatas; e não pode ter nobreza de maneiras, nem delicadeza de sentimento, quem é igualitário. Quem é igualitário tem o contrário dentro de si. É egoísta, é brutal, tende para o regime de massa, não quer reconhecer os méritos e as qualidades dos outros, mas, pelo contrário, quer sujeitar toda a vida social e todo convívio humano, e portanto todo o trato das almas, a uma dura, fria e rude igualdade.

Então, os senhores têm a democratização das maneiras, a baixa do tônus aristocrático da Europa e o aparecimento dessa coisa monstruosa que é a american way of life, que é, exatamente, o igualitarismo e a falta de elevação de trato, levada até o ponto em que os norte-americanos a levam.

Mas os senhores têm, para além, como última etapa da Revolução, o igualitarismo total russo, a crueldade russa, a brutalidade russa, que é o extremo oposto daquela delicadeza que germinava na alma virginal, sobrenatural e tão delicada do nosso bom Diego. Assim os senhores compreendem bem até que ponto a cortesia e o tônus aristocrático são filhos da Igreja sobrenatural e, pelo contrário, as maneiras triviais, baixas, igualitárias, brutas são precisamente o fruto da Revolução e o fruto do demônio.

Fica aqui um comentário, portanto, a respeito das maneiras e da alma desse bom Diego. Que Nossa Senhora de Guadalupe rogue por nós.

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Auditório da Rua Pará