Reunião
Normal – 08/03/66 – 3ª feira .
Reunião Normal — 8/03/66 — 3ª feira
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O êxito persuasivo da esquerda católica, e o predomínio desta na Igreja contemporânea, comprovaram a maior eficácia dos métodos não violentos de conquista * Convergência: paralelamente à uma pseudo-democratização da Rússia, reformas de base no Ocidente salamizariam a propriedade privada a ponto de torná-la quase inexistente * A propriedade privada comunitária será apresentada como modelo para o mundo, por uma Rússia “evoluída” — Aparentes desordens na Rússia, para dar impressão de autêntica evolução * Os comunistas não querem uma política econômica meramente pragmática, sem preocupações ideológicas, porque ficaria comprovado que o Socialismo é incapaz de produzir * Desigualdade de pagamento dos trabalhadores na Rússia está em contradição com a ideologia marxista, mas há uma vantagem prática em tolerá-la: mantém o regime e ilude o Ocidente * A “humanização da economia” será a fórmula para a formação do mundo novo: nem comunismo, nem capitalismo * A perspectiva pragmática, proposta por Júlio Mesquita, sobre a presente conjuntura soviética, mostra que a convergência não levará à vitória do Ocidente, mas sim à uma equiparação econômica * Na Rússia, prega-se contra os perigos do lucro de capital; no Ocidente, prega-se contra a injustiça social: eis os dois tentáculos da nova retórica comunista * Sem perceber, o Ocidente vai se comunistizando: o fim último do lucro já não é mais a fruição pessoal; trata-se de reinvestir à maneira trabalhista, para o bem comum, tal como na URSS
[Nota da C.Apocalipse: está muito confusa a parte final da leitura dos recortes; em certos trechos não dava para saber se era leitura ou comentário do Senhor Doutor Plinio.]
Esses recortes de hoje são os principais — há dois outros, mas com uma idéia menor — servem para pôr, mais uma vez, em foco, a tese que “Catolicismo” está sustentando a respeito da rotação atual da política internacional.
Eu lembro aqui a tese, que é essa: antigamente, fazia parte do plano comunista para a dominação do mundo promover [e] ir criando, no maior numero possível de países, partidos comunistas e agitações.
Quando essas agitações e esses partidos houvessem eliminado suficientemente o mundo não comunista, eles promoveriam então guerras revolucionárias que seriam, ao mesmo tempo, guerras de conquista apoiadas na retaguarda dos exércitos comunistas, ou melhor, apoiadas na retaguarda dos exércitos anticomunistas ou de guerras e guerrilhas anticomunistas.
De maneira tal que haveria um misto de guerra e revolução. Uma guerra mundial e uma revolução mundial. Essa guerra e essa revolução serviriam a eles para tomar conta do poder. Bem entendido, eles só se abalançariam a essa medida se tivessem muita probalibilidade de […inaudível].
Agora, dois fatos, entre outros, de importância capital vieram perturbar a realização desse plano.
* O comunismo vê-se na contingência de desistir da luta armada, esp. da guerra atômica, a fim de preservar a técnica ocidental, por ser esta necessária para a coletivização das massas
O primeiro fato foi a bomba atômica, as bombas de hidrogênio etc. Não faz parte das perspectivas de comunismo derrubar a civilização técnica de Ocidente. As condições criadas pela técnica são condições que favorecem inteiramente um regime coletivista e estão inteiramente dentro da psicologia do comunismo, razão pela qual o comunismo não quereria destruir a técnica contemporânea.
Ao contrário, quereria acentuá-la cada vez mais, ver o mundo cada vez mais técnico, embora à testa desse [regime?] técnico do Ocidente estivessem funcionários do Estado e não proprietários.
O comunismo não é contra a fábrica, é contra o fabricante. ele nunca quereria destruir a fábrica, mas quereria destruir o fabricante. Uma guerra atômica correria o risco de destruir grande parte dessa técnica contemporânea, criando então condições que talvez tornassem difícil a coletivização das massas, para o que a fábrica concorre tão poderosamente. Essa foi uma razão.
* A opinião pública ocidental mostra-se apática face a argumentação comunista: mais um motivo para os comunistas alterarem seus planos para a conquista do mundo
Uma outra razão que se delineou muito foi o fato da opinião pública mundial se manifestar irredutivelmente árida ao comunismo.
Eles não conseguiram que os partidos comunistas tomassem uma importância bastante grande para provocar revoluções ponderáveis na maior parte das nações anticomunistas, como era o pensamento deles.
Quer dizer, não conseguiram produzir a luta de classes na escala e com a intensidade prevista, razão pela qual, o plano de desencadear uma guerra com guerrilhas revolucionárias, com a envergadura necessária, não foi possível obter.
A prova disso é o insucesso eleitoral sistemático de todos os partidos comunistas do Ocidente. E também a impossibilidade de manter um comunismo sem medidas sérias nos países por detrás da cortina de ferro.
De maneira que essas foram duas razões que levaram o comunismo a considerar a possibilidade de imprimir uma outra orientação à sua política de conquista do mundo.
* O êxito persuasivo da esquerda católica, e o predomínio desta na Igreja contemporânea, comprovaram a maior eficácia dos métodos não violentos de conquista
A esses dois obstáculos juntou-se um fator novo, inteiramente inesperado, que foi o êxito, dentro da Igreja Católica, das correntes que preconizam uma aproximação com o comunismo e que até consideram a sociologia católica, em termos tais, que ela seria seria uma promotora do comunismo.
Não só essas correntes se desenvolveram muito nos meios católicos, mas essas correntes, digamos, acabaram por tomar conta dos meios católicos, dominaram o meio católico.
Nós, que pensamos o contrário, somos nitidamente minoritários, somos nitidamente inferiores como poder dentro dos meios católicos. Isso fez com que os comunistas pudessem considerar superável a oposição de quinhentos milhões de homens contra eles, que são os católicos, e além disso, de incontáveis pessoas de outras religiões, movidas por forças internas iguais às que se dão nos meios católicos, e ainda mais arrastadas pelo exemplo católico.
De maneira que, de um lado, eles não mais puderam recorrer à violência, mas de outro lado, o recurso que eles fazem à persuasão, encontra-se facilitado por um fato inteiramente inesperado, que é essa rotação dentro dos meios católicos.
* Antevisão profética da Perestroika e Glasnost! Novo método de conquista: uma “comédia”, na qual a Rússia fingirá estar menos comunista, inclusive com eleições supostamente livres
Resultado, então, é que a tendência para experimentar impor o comunismo no mundo por meio da convicção e por meio da destruição dos obstáculos ideológicos, essa tendência se acentuou enormemente nos últimos anos.
De maneira que então, dessa visão política, “Catolicismo”, arquitetou a seguinte hipótese:
Primeira parte da comédia: a Rússia finge ficar menos comunista, dar alguns passos rumo ao Ocidente.
Segundo, aspecto da comédia: a Rússia finge eleições meio livres para conseguir que o eleitorado vote a favor do abrandamento do regime comunista. E então eles diriam que isso, ao mesmo tempo que é um voto a favor do abrandamento do regime comunista, é um voto a favor da manutenção do regime enquanto abrandado.
* Convergência: paralelamente à uma pseudo-democratização da Rússia, reformas de base no Ocidente salamizariam a propriedade privada a ponto de torná-la quase inexistente
Terceiro passo: no interior do mundo anticomunista, começa-se a fazer um trabalho a favor das reformas de base, que visam manter a propriedade privada em condições tão rudimentares que praticamente não é propriedade privada. Então, a vitória das reformas de base no mundo anticomunista implicaria em nos deixar quase sem propriedade privada.
Por outro lado, um relativo abrandamento do comunismo na Rússia implicaria em deixar na Rússia um regime com aparência de um pouco de propriedade privada. Por esse duplo movimento, o Ocidente e o Oriente, a Rússia e o Ocidente ficariam quase igualadas em seu regime político social;
E as resistências que pudessem haver contra esse fato, essas resistências seriam anestesiadas pela aprovação dos esquerdistas católicos e pelo silêncio imposto aos direitistas católicos que pudessem mostrar que a Igreja não pode aprovar um regime que abole a propriedade privada, porque essa propriedade é um elemento fundamental da sociologia católica.
* A propriedade privada comunitária será apresentada como modelo para o mundo, por uma Rússia “evoluída” — Aparentes desordens na Rússia, para dar impressão de autêntica evolução
O que eles diriam é:
— É, vocês tem razão, a propriedade privada é um elemento fundamental da sociologia católica, mas nós temos a propriedade privada. Nós temos a pequena propriedade rural de que é dono o próprio cultivador. Nós temos a pequena propriedade industrial, não sob a forma de pequena indústria, mas dos operários donos de empresa. Isso é uma propriedade privada, porque não é propriedade do Estado. É uma propriedade privada comunitária. E isso é igual ao regime russo, porque a Rússia evoluiu. Felizmente o perigo de guerra desapareceu, porque a Rússia evoluiu.
E o mundo inteiro se encontra no mesmo regime, que seria, no fundo, o próprio regime comunista. Esta fraude, esse esquema está bem pintado, antes de eu prosseguir na minha conferência?
Eles precisam, para chegar a esse ponto, persuadir as pessoas anticomunistas de que não se trata aí de uma manobra, mas se trata de uma sincera e autêntica transformação. Porque se ficar a idéia de uma manobra, todo mundo recebe isso com prevenção.
Precisa dar a idéia de que é uma autêntica transformação. Para dar a idéia de que se trata de um movimento autêntico, eles promovem na Rússia uma aparência de desordem, para fazer com que essa política pareça sair da massa e imposta ao governo, afastando, portanto, completamente a idéia de que é uma coisa desejada pelo governo.
O caos não faz planos. Se esse abrandamento do comunismo na Rússia parecer produzido pelo caos, exclui-se com isso a idéia de plano e é o melhor modo então de iludir completamente a massa, iludir completamente a opinião do Ocidente. É a idéia de que há uma pressão de base que impõe à Rússia que se abrande.
E os vários acontecimentos que nós temos comentado durante a semana, concorrem para esse ponto: criar a ilusão de que há uma fermentação profunda na massa e que a massa, de fato, quer isso.
Ilusão fácil de criar porque a massa, de fato, quer mesmo. Está na ordem normal das coisas que a massa gostasse de um abrandamento do comunismo. É muito fácil eles relaxarem a fiscalização política e mandarem alguns agitadores encabeçar uma pequena agitação de massas nesses sentidos. O terreno está inteiramente preparado para isso. Quem vê acha perfeitamente natural.
Então, aqui está uma interpretação, não mais da política internacional, mas da política interna da Rússia, com as agitações que ali se passam nesse momento.
Não sei se essa interpretação é uma repetição do já dito e se está claro ou não.
* A distribuição de prêmios a empresas e a indivíduos, com vistas a estimular a produção, acaba gerando, forçosamente, uma certa desigualdade social na União Soviética
Se ela está clara, vamos ler uma documentação muito interessante nesse sentido. É uma correspondência do “O Estado de São Paulo”, de anteontem, que diz o seguinte… Essa correspondência é distribuída, ao mesmo tempo — portanto, muito largamente distribuída — por cinco agências telegráficas simultâneas: AFP; ANSA; RAP; UPI. De maneira que é uma coisa largamente distribuída.
Eu leio, então, a correspondência:
O economista soviético Libermann…
Nós não precisamos perguntar a que raça pertence esse senhor Libermann.
… afirma hoje que a reabilitação da noção do lucro da União Soviética não significa uma aproximação rápida dos pontos de vista capitalista e socialista.
Não significa, hein.
Libermann faz tal declaração em carta aberta dirigida ao professor britânico […inaudível] e publica hoje pela […inaudível] Gazeta.
O economista Libermann diz que somente os anarquistas e os dogmáticos podem criticar a União Soviética por ter instaurado uma política de estímulo material real de trabalho.
Em outros termos, é o seguinte: o governo russo vem premiando de um modo cada vez mais acentuado aqueles que concorrem mais assinaladamente para a produção. De onde os técnicos — que tem uma parte mais importante na produção — ou os trabalhadores muito esforçados ficarem com a possibilidade de ganhar mais do que as suas necessidades.
Então, ou eles acumulam mais e formam um pequeno capital, ou eles vivem melhor e formam uma classe social com padrão diferente. De um modo ou de outro, a acumulação de proventos maiores mas mãos de quem produz mais, essa acumulação importa na quebra da sociedade inteiramente igualitária que o comunismo visava.
Daqui a pouco nós vamos ver o alcance de tudo isso.
O governo tem dado essa compensação aos que trabalham mais como um estímulo à produção.
Então, as teorias de Libermann contribuíram grandemente para as mudanças de certos conceitos radicais dos soviéticos. As novas posições, assinala o economista, visam estimular a iniciativa das empresas, mas não o espírito de empreendimento individual.
São duas coisas diferentes: a gente ter um espírito de economia individual, em que um determinado fulano quer produzir mais do que outro e a gente ter uma empresa que quer produzir mais do que a outra. É claro que o estímulo para a empresa é uma coisa menos individualista do que o estímulo do indivíduo. E eles provavelmente dão também prêmios às fábricas que produzem mais. E com isso, provavelmente, premiando o operariado todo das fábricas.
Então, aqui vem comentado que isso é uma coisa que estimula a atividade individual, mas não estimula tanto quanto se fossem prêmios individuais.
O que, até certo ponto, é uma conversa fiada porque o benefício da fábrica é distribuído a todos os indivíduos. E se distribui a todos os indivíduos, volta a velha história: ou eles tem uma sobra, ou eles tem um padrão de vida mais alto. Em qualquer dos dois casos temos uma ruptura — por modesta que seja essa ruptura — da igualdade social.
* Economista soviético anuncia nova tática: “Somos favoráveis a uma aproximação com o sistema capitalista, mas em um sentido de que os estados capitalistas se acerquem também dos socialistas”
Ele continua:
Depois de desmentir que as reformas econômicas tenha provocado o aparecimento, na Rússia de uma nova classe capitalista […inaudível] pelos diretores de empresa e dirigentes, …
Exatamente os mais bem pagos.
… Libermann ressalta de que pelo fato dos dirigentes soviéticos não terão terem outra fonte de renda senão o que lhes proporciona seu trabalho, não se pode falar em classe social.
Então, o argumento dele é esse: classe social haveria se eles tivessem rendas que não vêm do trabalho. Como ele só tem rendas que vêm do trabalho, são todos trabalhadores. Não há uma classe […inaudível] de capital, de uma classe que trabalha. Há apenas um desnível entre os trabalhadores.
Não sei se os senhores estão podendo acompanhar bem a problemática?
Libermann estimula a desigualdade, mas nega que seja uma desigualdade verdadeira. Porque a desigualdade verdadeira não é entre os trabalhadores, mas é entre as pessoas que trabalham e as que vivem do lucro que não provêm do trabalho, que vem da produção do capital. Ora, diz ele, isso na União Soviética não há.
Está bem clara a distinção? Daqui a pouco faremos a nossa crítica da questão.
O fato de seus salários serem superiores à média. “Os salários de diretores de empresas está de acordo com o princípio socialista de retribuição proporcional ao trabalho produzido”, diz Libermann.
A propósito, ele acrescenta: “por isso é absurdo imaginar que o sistema socialista se incline para o sistema capitalista. Somos favoráveis a uma aproximação com o sistema capitalista, mas em um sentido de que os estados capitalistas se acerquem, também dos socialistas”.
Aqui está bem declarada essa coisa. Eles querem um movimento de encontro no meio termo. Um vem e outro vem: e nesse meio termo então se faz o encontro.
Eu nunca vi essa doutrina do acercamento recíproco exposta de um modo tão frisante como nesse último e pequeno trecho final do Libermann. Vamos ler o artigo até o fim e depois fazemos nossa crítica.
* Os comunistas não querem uma política econômica meramente pragmática, sem preocupações ideológicas, porque ficaria comprovado que o Socialismo é incapaz de produzir
Mas adiante Libermann diz que muitos intelectuais no Ocidente, inclusive os socialistas, auspiciam a chamada desse […inaudível] da economia, ou seja, um funcionamento livre das leis econômicas, não a limitada por nenhum freio ideológico. Mas a lei do valor, prossegue o economista, se não for […inaudível] ideologicamente, leva diretamente à restauração do capitalismo.
Quer dizer, ele acha que há uma corrente econômica que quereria uma economia puramente pragmática, sem preocupação ideológicas, sem […inaudível] socialismo ou capitalismo, fase que está rendendo.
Diz ele que com isso ele não está de acordo, porque se se for procurar só a maior produção, necessariamente se cai no capitalismo. É uma preciosa confissão da incapacidade do socialismo produzir.
Quer dizer, precisa pôr um preconceito ideológico dentro para frear. Mais adiante, continua:
O partido comunista da União Soviética comprometeu-se hoje…
Isto é outra coisa. É melhor fazer um pequeno comentário disso e depois passar para o segundo ponto.
* Desigualdade de pagamento dos trabalhadores na Rússia está em contradição com a ideologia marxista, mas há uma vantagem prática em tolerá-la: mantém o regime e ilude o Ocidente
Que juízo nós devemos fazer da idéia de na União Soviética haver, então, diretores de fábrica mais bem pagos e pessoas que são menos bem pagas porque não são diretores de empresas? Ou empresas mais bem pagas e empresas menos bem pagas?
De um lado, é preciso notar que, de fato, quebra a igualdade. Porque se a igualdade completa é o ideal socialista e se o indivíduo, pelo ideal socialista, não é dono do seu trabalho, mas tudo o que ele faz pertence ao poder público, nesse caso não se compreende porque ele, produzindo mais, acumule mais.
É uma coisa que não se compreende. É inteiramente ilógico. E dentro do rigor do socialismo, isso é uma verdadeira incoerência. O socialismo aceitando que esses indivíduos, durante algum tempo, ganhem mais, ele, de fato, com essa contradição, consolida o seu próprio regime e consolida mais do que abala.
Toda contradição, de si é, até certo ponto, um abalo. A aceitação dessa contradição representa, portanto, até certo ponto, um abalo do regime socialista ou comunista.
Mas esse abalo é menor do que as vantagens que eles auferem. E como o comunismo e o socialismo são fundamentalmente pragmáticos, a gente compreende que no fundo eles queriam isso.
Por quê? Porque, em primeiro lugar, comunismo que tiver um certo progresso econômico, ele mais se afirma na opinião das multidões do que se abala. De fato, pode haver um estímulo da produção criando-se condições melhores para aqueles que produzem mais.
De maneira que se essa política der resultado, é — na ordem dos princípios — uma pequena fragmentação; mas é, na ordem prática, uma consolidação grande do regime.
De outro lado, serve para o espírito de política […inaudível], porque eles dão a impressão de estarem caminhando em direção ao Ocidente e provocando essa meia desigualdade. E por isso, o Libermann já veio pleiteando que as duas correntes, as duas formas de […inaudível] se encontrem a meio caminho. Portanto, para eles é vantajoso.
* A desigualdade de pagamentos na Rússia é fruto de uma concessão do Estado e não de um direito do indivíduo, podendo ser supressa a qualquer momento pelo governo
Agora, de que tamanho é a desvantagem? Será a coisa mais fácil do mundo eles suprimirem isso quando quiserem. Porque como os diretores de empresas não são donos da empresa, não têm nenhum título, nenhum direito para continuar à testa das empresas, e o eles ganharem mais é uma pura concessão do Estado, o Estado resolverá quando quiser. Não será possível uma reação dos diretores de empresa contra o Estado, como é a reação do proprietário.
O proprietário tem um título atual, geralmente admitido, para não largar sua propriedade. O diretor da empresa, não. É funcionário do Estado que o Estado demite quando quiser.
Nós não podemos conceber, por exemplo, que o diretor da Central do Brasil, da Sorocabana, ou do Loide, ou da Volta Redonda venha dizer que está sendo expropriado porque está sendo posto fora do cargo. É um preposto do Estado, o Estado põe fora quando entender.
Quer dizer, esse obstáculo que o Estado cria […inaudível] na linha do socialismo, é o mais fácil de suprimir que há. […inaudível] a intenção é de impressionar o Ocidente.
* No Ocidente, tudo concorre para a aproximação com a Rússia. Exemplo: Reforma Agrária — O comunismo pretende conquistar o Ocidente através do sufrágio universal: eleições livres
Os senhores vêem pelo comentário do Libermann logo após. Eles querem encontrar […inaudível] comum o Ocidente em uma forma única etc. etc. Tudo quanto é cúpula podre do Ocidente, e nós já comentamos isso, se encontra mais do que disposta a aceitar a Reforma Agrária, razão pela qual tudo concorre, em última análise para que essa política produza os frutos que nós receamos.
Eu digo isso com tanta insistência porque é preciso que a TFP e os movimentos que estão com a TFP na Argentina e no Chile, tenham isso muito claramente em vista, para no momento oportuno levantar a bandeira contra isso. Porque esse é o problema do momento.
Os senhores somem a isso que por toda parte está se firmando que o mal do regime comunista é de não […inaudível] livres. Mas se eleições livres o levarem ao poder não há nenhuma objeção contra ele. Os senhores compreendem que todas as barreiras estão se abrindo para uma “bolchevização” em grande estilo do Ocidente, mas “bolchevização” desse tipo.
Nós acabamos de ouvir falar de fábricas; agora os senhores vão ouvir alguma coisa do mesmo gênero, no que diz respeito à agricultura.
* “Kolkhoz”, último vestígio de propriedade privada na Rússia, é um “mal menor” tolerado até se remediar a deficiente produtividade da economia socialista, afirma economista russo
Eu não sei se conhecem o que é o kolkhoz. O kolkhoz é uma pequena propriedade rural de dimensões familiares, que é propriedade do camponês, e que ainda é tolerada pelo regime comunista, embora [o camponês] tenha que trabalhar sob a direção do Estado, e essa propriedade não seja uma propriedade como entendemos, firmada no direito natural e capaz de ser argüida até contra o próprio Estado. Mas é uma espécie de concessão que o Estado faz a particulares outrora proprietários para explorarem terras que o Estado quer dispor por essa forma, através de uma iniciativa particular.
O que tem de característico esse regime é que a produção dá margem para um certo lucro, regulado por lei, a favor dos proprietários. De maneira que há um vago vestígio de propriedade privada.
Isso está para a propriedade privada mais ou menos como se a gente tomasse um homem, cortasse a cabeça, cerrasse as pernas e os braços e deixasse o tronco. E a gente dissesse: olhem esse homem.
Quer dizer, é o tronco da propriedade privada, decapitada, esquartejada, portanto, moribunda, meio morta, mas o kolkhoz praticamente é isso.
Agora, como é que o kolkhoz está sendo visto? Nessa nova fase da política russa? Nesse abrandamento russo? Diz aqui:
O partido comunista da União Soviética comprometeu-se hoje a preservar o setor privado dos “kolkhozes” …
Quer dizer, a não abolir.
… afirmando que nada há de errado em que uma pessoa possa ter dinheiro suficiente para ser proprietário de sua própria vivenda rural, ou de seus terrenos nas cooperativas.
Isso foi que divulgou hoje o “Inveztia”, em uma matéria assinada por Sepanov, relevante ideólogo e redator chefe do órgão do partido comunista.
Notem que essas propriedades privadas estão dentro de uma cooperativa e que essa cooperativa é instituída pelo Estado e regulada pela lei do Estado.
De maneira que a propriedade privada está inteiramente dentro das mãos do Estado. Enfim, um toco existe.
Segundo Sepanov, é natural que o incentivo pessoal vá produzir uma ampliação do número de propriedades privadas…
Propriedades rurais, bem se entende.
Portanto, não é apenas preservar, mas é ampliar o regime do kolkhozes.
… e isso levará ao desejo de aumentar.
Resultado: “nada de mal existe nisso”.
Positivamente, representa uma certa modificação.
A seguir, o ideólogo do partido comunista da União Soviética assinala: “Em nossa sociedade soviética, os conceitos nosso e meu não são contraditórios, mas complementares”.
Quer dizer, o “meu” é um “nossinho”. Porque “meu” e “nosso” se opõem. O que é meu não é nosso. Eu até acho muito pitoresco a forma como em castelhano se diz nós: não dizem nós, mas “nós outros”, afirmando bem que não são aqueles. “Nós outros”: acho isso de um individualismo esplêndido, bem castelhano.
Eles querem afinal, dizer que o “meu” e o “nosso” no comunismo são a mesma coisa, e têm razão.
A propriedade pública é uma básica e nutritiva raiz da propriedade privada possuída pelo cidadãos numa sociedade socialista.
Sepanov concluiu afirmando que a propriedade privada da terra não está de acordo com os ideais comunistas, mas torna-se necessária nas atuais condições quando a agricultura estatal ainda não está suficientemente desenvolvida para satisfazer todas as necessidades do consumo.
Quer dizer, ele reconhece, mas uma vez, que de si a propriedade coletiva tem-se mostrado, na prática, pouco produtiva e que é só por uma descoletivização que ela rende o suficiente.
* O projeto de planificação do trabalho científico na Rússia é uma prova de que essas aparências de capitalismo são uma fraude para se alcançar certas metas políticas, sobretudo no Ocidente
Como se recorda, em 1964, as propriedades privadas forneceram 42% de toda produção soviética de carne.
Agora vem outra coisa, que é a respeito de planificação.
Os senhores desculpem: a reunião pode ser árida como uma aula, mas nós temos que entrar nesses assuntos, não há remédio.
O conhecido físico soviético, […inaudível] afirmou hoje na […inaudível] Gazeta, que o trabalho científico deve ser planificado.
[…inaudível] recorda, que o mais alto grau de atividade […inaudível].
“Eu andei reivindicando aqui a idéia de que os cientistas não devem mais ser franco-atiradores, mas devem trabalhar executando as tarefas que o Estado manda fazer”.
Os senhores estão vendo por aí como a índole coletivista do Estado russo continua inteira, e é apenas por uma questão de oportunidade, eles estariam fazendo atenuações no princípio da propriedade permitindo pequenas propriedades rurais — até ampliando — estimulando a formação de um pecúlio do trabalhador industrial, e de um estímulo privado de trabalhador industrial, oportunidade de interesse interno mas, ao meu ver, sobretudo, oportunidade de interesse externo.
* Cobertura da imprensa à comédia comunista: Júlio Mesquita apresenta as transformações na Rússia como nascidas, autêntica e espontaneamente, da vontade popular
Agora os senhores vão ver como é que isso repercute no Ocidente, e o quê é que a imprensa das cúpulas podres do Ocidente comenta a respeito desse fato.
O Julinho Mesquita, cujo talento é aqui tão admirado, o Julinho Mesquita escreveu hoje na “Notas e Informações”, um artigo de lince a respeito do assunto. Vale a pena a gente ler os trechos principais do artigo.
Diz ele o seguinte, o artigo dele é precisamente sobre essa carta do Libermann:
É pena que não possamos dispor do texto integral da Carta Aberta que o economista soviético Libermann escreveu ao professor britânico […inaudível], pois não conhecemos documento que nos revele mais claramente o estado de transição em que vive a sociedade soviética.
Ele preconiza que está em estado de transição, ele acredita. Isso que é uma fraude soviética, ele a aceita como autêntica.
É uma sociedade que se esforça por manter a coreografia da nomenclatura da ideologia, mas que já sucumbiu, sob a pressão das leis da natureza e da sociologia aos […inaudível] imperativos do pragmatismo.
Quer dizer, ele faz a propaganda da idéia de que isso é autêntico e espontâneo na União Soviética, e não obedece a nada de combinado e articulado.
* Na Rússia, o pragmatismo; no Ocidente, a esquerda católica: eis as duas grandes forças convergentes; insinceridade e chicana ideológica, segundo Júlio Mesquita
Surge aí mais uma contradição salutar e estimulante entre a realidade econômica e social e o socialismo.
O raciocínio que se procura explicar aí na introdução dos conceitos e das leis dos preços de mercado, de iniciativa particular, do estímulo material e sobretudo do lucro, antes de execrar como fator de desigualdade social e de escravização capitalista, esse raciocínio é realmente tortuoso.
Ele diz, portanto, que há uma espécie de chicana dentro do comunismo, para fazer aceitar como comunistas crises que, de fato, não são comunistas. Isso é o que ele está dizendo aqui.
O rapproachement que ele faz é muito saboroso, ele diz:
… é realmente tortuoso, tão tortuoso e insincero com a tentativa de certos setores da sociedade ocidental de pregar e recomendar reformas marxistas, invocando como justificativa o dogma e a doutrina social da Igreja.
Quer dizer, ele aponta a coexistência de dois movimentos falseando doutrinas típicas e já definidas, para caminharem para o mesmo ponto.
Quer dizer, o movimento de chicanar o comunismo pelo comunismo para capitalizá-lo é da mesma natureza do movimento que existe para chicanar a doutrina católica para levar ao comunismo.
E o rapproachement é saboroso, porque é verdade. São os dois grandes movimentos que tendem para se encontrar e tendem exatamente para criar uma ordem de coisas que permita um conúbio dos católicos com os comunistas. Não só dos capitalistas com os comunistas.
* Trecho da encíclica “Mater et Magistra” sobre evolução das correntes ideológicas dá fundamento para o conúbio entre o mundo católico e o mundo comunista
Eu não sei se os senhores lembram de um trecho da encíclica Mater et Magistra que fala das doutrinas: [que] as doutrinas são hirtas. Uma vez expressas, elas se mantem como foram, e condenadas, são condenadas. Mas nada impede que a corrente que outrora sustentava uma certa doutrina evolua e, conservando o nome antigo, passe a defender uma doutrina meio nova. Nesse caso será preciso reexaminar o problema. Se estivermos em presença de um comunismo evoluído um pouco para a direita, já não será inteiramente o comunismo condenado.
O que dirá contra esse comunismo evoluído para a direita uma Igreja evoluída para a esquerda? A gente percebe que se pactua. Algo parecido com o encontro entre São Leão I e Atila, da qual não sai guerra, mas é até melhor, melhor porque Atila saiu de lá para os seus […inaudível] e aí não; é um conúbio entre o bárbaro comunista e o católico.
O bárbaro comunista dirá sorrindo:
— Eu tenho um pouquinho de propriedade privada, eu tenho um pouquinho de lucro, eu tenho um pouquinho daquilo…
E olha com uma cara cândida. O filho da chicana dentro da Igreja responderá sorrindo:
— Então você é meu irmão, porque o que foi condenado não é bem isso. Vamos estudar isso melhor, etc., etc.
E acabou-se com a coisa.
* A “humanização da economia” será a fórmula para a formação do mundo novo: nem comunismo, nem capitalismo
O rapproachement do Júlio de Mesquita não poderia ser mais exato e mais bem pensado. Continuando:
Contrariamente à atitude de muitos historiadores ocidentais, levados por intuitos apologéticos e polêmicos, não pretendemos festejar a entrada vitoriosa e solene do capitalismo na sociedade soviética.
Quer dizer, ele não pretende que essas reformas feitas na sociedade soviética representem a entrada do capitalismo lá. Muitos observadores pretendem isso, mas ele não pretende.
Agora:
… põe-se para nós a humanização da economia soviética…
Notem bem a expressão “humanização da economia”: é o termo comum dessas duas heresias. É uma humanização do totalitarismo e uma humanização do capitalismo, feitas pelos homens de boa vontade, pelo combatentes do Corpo da Paz e coisas congêneres e que deve produzir uma ordem de coisas humana, não inteiramente capitalista, nem inteiramente socialista.
A fórmula é a humanização. Os senhores vêem como essa fórmula leva […inaudível] pilhas de pessoas.
… e conseqüentemente dos padrões sociais da sociedade é muito mais importante do que o nome que os teóricos lhe dão.
* A perspectiva pragmática, proposta por Júlio Mesquita, sobre a presente conjuntura soviética, mostra que a convergência não levará à vitória do Ocidente, mas sim à uma equiparação econômica
Não nos interessa também o fato do professor Libermann afirmar que a reabilitação do conceito de lucro da União Soviética não significa uma aproximação rápida dos pontos de vista capitalista e socialista. O que nos interessa é constatar a evidente aproximação progressiva, da qual aliás a Carta Aberta do professor soviético é uma prova eloqüente.
Quer dizer, nós não queremos dar a isso o nome de uma vitória do Ocidente. Nós queremos é dizer que isso é uma imitação, e que, reciprocamente, estão se aproximando os dois polos. Aqui é que a coisa é interessante, e que a gente compreende que ele, no fundo, faz o elogio dessa heresia humanística que lavra na Igreja e no comunismo e que vai produzir a aproximação.
Isso é a síntese. Ele continua:
O importante é que a União Soviética continue a aumentar a sua produção, sobretudo aquela que favorece os consumidores, e que suas energias sejam absorvidas pelas atividades produtivas para que a sociedade soviética se aproxime dos padrões sociais do Ocidente.
Quer dizer: “nós queremos que a Rússia o mais possível se melhore o padrão do Ocidente e que se constituam diferenças pequenas de fortuna para aproximar do Ocidente a Rússia. Não para dizer que o Ocidente vence, mas é para encontrar […inaudível] o Ocidente”.
A gente está vendo que isso é o que ele quer. Ele continua:
Também não nos interessa contestar o professor Libermann quando afirma que é absurdo imaginar que o sistema socialista se inclina para o sistema capitalista. Afinal, isso é apenas uma questão de perspectiva.
Isso é uma questão de palavras, isso não importa.
O professor Libermann insiste em que os dirigentes soviéticos, chamados barões da indústria, não formam uma classe social capitalista.
* “Barões da indústria” soviética, expressão cunhada pela propaganda para inculcar a idéia de que a Rússia está evoluindo
Eu chamo a atenção para o que há de propagandístico no Ocidente em dizer que foi restaurada uma classe de barões da indústria na União Soviética, chamando de “barões da indústria” o grosso diretor industrial. E o contrário de barão; o barão tem um direito próprio sobre sua terra; é um outro em relação ao rei; pode lutar com o rei na defesa de seus direitos.
Isso é o contrário: é um funcionário. O funcionário do barão. É o sujeito que é mandado, que não tem autonomia própria, que não tem individualidade própria, que é apenas uma peça de uma organização.
Eles chamam isso de barão da indústria, porque é altamente sugestiva a idéia […inaudível] para inculcar mais a idéia de que a Rússia está evoluindo.
Acho muito bem achado isso de falar em barão da indústria.
* Na Rússia, prega-se contra os perigos do lucro de capital; no Ocidente, prega-se contra a injustiça social: eis os dois tentáculos da nova retórica comunista
O Libermann insiste em que não formam uma classe social capitalista, pois para ele não são os padrões de consumo, mas as fontes de renda que constituem o fator econômico na formação da classe social.
Quer dizer, para o Libermann, a classe não é diferenciada pelos que consomem mais ou consomem, menos mas aqueles que tem lucro não proveniente do trabalho e aqueles que vivem só de trabalho.
O Libermann diz: não há aqui mais de uma classe, porque não há lucro de capital. Mesmo assim, todos esses fatores contribuem para a aparecimento de competição, aumento de produção e, conseqüentemente, da prosperidade. A prosperidade, por sua vez, se funda no incremento a propriedade privada, e particular.
Segundo essa política […inaudível] Sepanov é natural que vá produzir uma ampliação de propriedades privadas, ressaltando: nada de mal existe nisso.
Eu estou de acordo.
Declara também: a propriedade pública é uma base […inaudível]. Aqui chegamos a um passo da perdição do [endurecimento?] da propriedade particular, para aumentar mais a produção. Por isso Libermann protesta contra a permissão do funcionamento de leis econômicas livres.
Então, vem falando alguma coisa sobre o perigo do capitalismo nisso.
Essa linguagem corresponde à que se empregue no Ocidente contra a desumanização da economia. A linguagem contrária ao livre capitalismo é a dos que são contra a desumanização da economia no Ocidente, quando se exige que não se dê livre curso ao automatismo econômico e que as leis e os processos econômicos fiquem controlados pelas leis morais e bem comum.
É a doutrina católica. Agora vem:
* Sem perceber, o Ocidente vai se comunistizando: o fim último do lucro já não é mais a fruição pessoal; trata-se de reinvestir à maneira trabalhista, para o bem comum, tal como na URSS
O lucro no Ocidente …
Isso para mim é o mais característico de tudo.
… não é mais o lucro do capitalismo que Marx e Lenine conheciam, mas capital reinvestido, servindo ao aumento da produção, o mesmo fim que se lhe dá na União Soviética.
Quer dizer o seguinte: antigamente, há vinte anos uma família que tinha lucro preocupava-se principalmente em aumentar o seu padrão de vida, luxar mais, melhorar a sua existência, etc.
Quer dizer, havia um princípio de fruição individual. Nós vimos notando, de há muito tempo para cá, que as grandes fortunas no Brasil estão cada vez menos com esse sentido.
O indivíduo lucra, aumenta o seu capital para reinvestir e aumentá-lo de novo. E o que ele tira como lucro pessoal do que ele ganha é apenas uma lasquinha. É uma lasca muito pequena. É um fragmento, uma migalha.
Quer dizer, não há mais fruição pessoal, mas há apenas uma espécie de tocar e tocar capitais e lucrá-los.
Ora, diz o Julinho de Mesquita, no Ocidente não se considera mais o lucro a não ser como reinvestimento. O lucro para fruição do proprietário não se considera mais. Diz o Julinho que isso é mais ou menos a mesma coisa que o barão da indústria lá na Rússia.
Quer dizer, é um sujeito que, afinal não lucra; ele trabalha e acumula o lucro para a coletividade. Então, diz ele, no fundo estamos caminhando para o ponto de encontro.
Quanta verdade e uma certa mentalidade trabalhista, de não gastar, de não gastar. Então, por exemplo, o sujeito tem em um ano um lucro igual ao valor de seu capital. Ele não vai para a Europa. Quando vai é para uma viagenzinha de três meses. O que ele faz de fato é reaplicar aquilo para fazer outra empresa e do lucro ele nunca tira nada. Diz bem o Julinho: o sentido de fruição pessoal desaparece. Qual é o sentido? Servir o bem comum, ou seja, estar atrelado à coletividade.
* O luxo, em sua essência, é aristocratizante e é uma prefigura do Céu — O revolucionário, seja ele comunista ou capitalista, acaba sendo contrário ao luxo
Quando eu tomei contato com algumas famílias […inaudível] eu tomei um susto medonho porque […inaudível], baseado na idéia da representação social, do prestígio expresso através da cultura, mas a cultura exprimindo-se através do luxo culturado e de sentido aristocrático, como sendo o próprio fim da existência terrena como prefigura do Céu, eu tomei um susto quando comecei a ver os capitais enormes. Na mesa, por exemplo, eu perguntava:
— Mas onde está o luxo, que é a razão de ser disso?
— Luxo, não.
— Mas como?
— É investir […inaudível].
Depois eu acabei percebendo o seguinte: isso […inaudível] um homem porco, que vai comer […inaudível] beber champanhe. Comprar jóias e adornos inúteis. Mas pelo contrário […inaudível] ele vai servir à coletividade. Trabalha, […inaudível], de vez em quando […inaudível].
Aqui está o Julinho denunciando isso como sendo um passo para a “bolchevização”, um passo para nos encontrarmos a meio caminho com a Rússia.
O que Libermann descobre como novidade, há muito tempo é lei no capitalismo. Só quem considera tudo isso novidade é que pode afirmar que o capitalismo se aproxima do que hoje em dia se concebe como socialismo.
Ele afinal acaba por dizer o seguinte: o capitalismo […inaudível] até lá […inaudível].
Me parece que como justificação de nossas teses, esses dois artigos, embora maçudos, são muito […inaudível], tornam muito palpável aquilo que estamos vendo.
De maneira que eu queria dar isso em uma noite como a de hoje.
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