Santo do Dia (Rua Pará) – 5/3/1966 – Sábado [SD 164] – p. 3 de 3

Santo do Dia (Rua Pará) — 5/3/1966 — Sábado [SD 164]

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O exemplo desses guerreiros de como se deve ser católico é importante quando o martírio aparece no nosso horizonte * O arrependimento e martírio do sacerdote e o castigo de um renegado

A respeito deles, diz o Rohrbacher:

Quarenta oficiais de alta categoria, alguns deles nobres, foram feitos prisioneiros de guerra na tomada de Amore pelo califa Al Motacém, em 836. Postos a ferros em Bagdad, quando suas forças se viram consumidas e os corpos extenuados pela duração do cativeiro, começaram os árabes a pedir-lhes que mudassem de religião. O califa enviou-lhes os mais hábeis doutores muçulmanos para convencê-los, pois dizia ele, não valia nada a conquista de uma cidade em comparação com a das almas.

Bem longa é a história da luta desses cristãos contra seus algozes, pois permaneceram sete anos aprisionados, sem terem vacilado um instante. Foram finalmente condenados à decapitação. No momento do martírio, um oficial voltou-se para um dos mártires, de nome Teodoro Cratera, dizendo-lhe:

Tu, que eras padre entre os cristãos e pegaste em armas e mataste homens sem te importares com tua dignidade, por que queres agora parecer cristão? Não é melhor implorar o socorro do profeta Maomé, visto que já não tens esperança em Jesus Cristo a quem renunciastes?

É por isso mesmo ­ replicou Teodoro ­ que me obrigo a dar o meu sangue por Ele, a fim de que perdoe os meus pecados. Se vosso escravo, depois de ter fugido, voltasse a combater por vós até a morte, não lhe perdoaríeis?

Tendo se recomendado a Deus, recebeu a morte com firmeza de ânimo. Todos os outros foram executados em seguida, segundo a ordem das dignidades.

O califa, maravilhado com a fé heróica, disse, voltando-se para um cristão renegado e traidor, chamado Badizés, que o auxiliara a tomar a cidade de Amório: “Se este tivesse sido um verdadeiro cristão, não se teria tornado apóstata”. E no mesmo instante mandou cortar-lhe a cabeça.

O acontecimento tem em si mesmo uma alta beleza, que é intuitiva e não precisa ser ressaltada. São quarenta pessoas que, por fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo, enfrentam o risco de morte, aceitam depois a morte, caminham para o martírio e se tornam efetivamente mártires. São quarenta oficiais, são quarenta nobres, são quarenta homens integrados na estrutura, tão malsinada hoje em dia, do feudalismo, são esses exatamente que morrem por Nosso Senhor Jesus Cristo nas garras de um tirano muçulmano.

A coisa é tão linda que não precisa maiores comentários. Mas há alguns pormenores que — esses sim — merecem um comentário.

O primeiro pormenor é a perseverança desses mártires durante sete anos. Quer dizer, ter durante sete anos a morte diante de si, podendo ela vir a qualquer momento, e, no entretanto, perseverar apesar de tudo. Isto é o martírio multiplicado por si mesmo não sei quantas mil vezes. São dois mil e tantos dias, perto de três mil, em que todo raiar de aurora se punha para esses homens a possibilidade de martírio. Eles passavam o dia inteiro nessa espera, e à noite dormiam esperando o martírio para o dia seguinte. Isso que enerva, isso que cansa, isso que dilacera, eles agüentaram perfeitamente, de tal maneira que quando chegou efetivamente a hora do martírio, eles estavam prontos para morrer, e morreram efetivamente.

* O exemplo desses guerreiros de como se deve ser católico é importante quando o martírio aparece no nosso horizonte

Isso nos indica bem com que espírito aqueles guerreiros iam combater os maometanos, e qual o valor daqueles homens que vão partir para a guerra para defender a Cristandade. E explica também por que é que foi possível manter as muralhas da Cristandade contra os maometanos e como foi possível depois repeli-los para que ficassem acantonados na África e Ásia. Foi exatamente gente dessa que conseguiu resultados desses.

Há aqui um comentário: se esses homens resistiram tanto assim, se eles se recusaram tão heroicamente a se tornar maometanos, evidentemente é porque tinham uma idéia, uma alta idéia, de quanto é superior ser católico em relação a ser maometano. Porque se eles não tivessem essa idéia, não aceitariam o martírio. Isto é porque não estávamos em atmosfera irenística, não estávamos em atmosfera de exagerado ecumenismo, e por causa disso se acentuava muito esta verdade: como é precioso ser católico, e como é uma desgraça não o ser. E é por causa disso que esses homens perseveraram.

São os verdadeiros cristãos capazes de discernir entre a verdade e o erro, o bem e o mal, amar apaixonadamente a verdade e odiar apaixonadamente o erro. São esses verdadeiros cristãos os que perseveram. Isto é importante porque o martírio se põe na fímbria do horizonte para nós: nenhum de nós pode garantir, nas condições da vida de hoje, que não vai se encontrar na alternativa ou crê ou morre.

É bom prepararmos nosso espírito para essa alternativa, para sermos fiéis no dia em que a provação venha. E um dos melhores meios de preparar a alternativa é rezar a essas pessoas que, com uma fidelidade tão exímia, durante sete anos souberam conservar-se como verdadeiros soldados de Jesus Cristo.

* O arrependimento e martírio do sacerdote e o castigo de um renegado

Outra é a bela atitude do sacerdote que foi tentado. Não é tão freqüente notarmos belas atitudes de sacerdotes, embora essa se tenha dado há mil e cem anos atrás. Vamos registrá-la.

A julgar pela narração, parece que ele, de fato, tinha andado mal, porque a Igreja proíbe aos sacerdotes que combatam. Mas na Idade Média, quando a formação sacerdotal era bem diferente dos seminários de hoje, os seminaristas eram muito varonis e os sacerdotes também. E era uma permanente tentação para eles, quando estavam na guerra, o desejo de tomar a espada e entrar no combate e matar. Parece que esse sucumbiu à tentação. Vejam os senhores a linda resposta que ele soube dar ao mouro que o tentava: “Se eu morrer combatendo por Cristo, Ele me perdoará, porque qualquer um de nós, se tiver um escravo, infiel a nós, mas que morra combatendo por nós, nós o perdoaremos”. É um lindo argumento, e ele assim alcançou a palma do martírio.

Por fim, a observação curiosa do califa em relação ao apóstata: o apóstata, perto dele, vendo morrer os quarenta e naturalmente se felicitando no seu íntimo, pois ele não morreria também. O califa disse: “Se tivesse sido um verdadeiro cristão, não se teria tornado apóstata”. E no mesmo instante mandou cortar-lhe a cabeça. Não morreu mártir. Esta alma para onde é que foi? Isto pouco depois daquelas almas terem subido ao Céu. Esse desprezo do não-católico para com o católico laxo, o católico tíbio, se verifica até nos países de ocupação comunista. O que transluz de lá é que eles atormentam, perseguem e fustigam especialmente os católicos que tentaram colaborar com eles. Isto é um grave ensinamento para nós, que convém registrar na noite de hoje.

Há dois acontecimentos em nosso calendário de hoje que são gratos para rememorar.

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