Santo
do Dia – 22/5/1965 – p.
Santo do Dia — 22/5/1965 — sábado
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Contraste da glória de Nossa Senhora e o degredo de seus filhos; conseqüências do pecado original; há certa mentalidade religiosa que preconiza o catolicismo do bem-estar; aceitação do sacrifício e socorro de Nossa Senhora; coerência da piedade católica.
* Nosso modo de rezar a jaculatória, “o Jesu mi, ignosce nobis” * Glória de Nossa Senhora e situação de seus filhos * Nossa condição de expulsos do Paraíso * Ilusão do espírito moderno: goze a vida e seja feliz * Tara de certo espírito religioso: catolicismo do bem-estar… * Quem mais sofre nesta vida? * Iniciativa da luta contra o mal * Nossa Senhora nos dá força * Recapitulação. A verdadeira piedade é lógica
Salve Rainha III
Hoje é festa de Santa Joana, Virgem, e amanhã é aniversário da sagração de Dom Antônio de Castro Mayer.
* Nosso modo de rezar a jaculatória, “o Jesu mi, ignosce nobis”
Antes de passar ao comentário da Salve Rainha, queria dizer que no nosso modo de rezar o terço, aquela jaculatória “O Jesu mi, ignosce nobis”, é sempre puxada por mim, quaisquer que sejam os mistérios, e respondida pelos outros. Não há, portanto, alternação.
* Glória de Nossa Senhora e situação de seus filhos
Devemos agora passar à segunda parte, que ainda não é uma súplica, mas uma descrição do estado em que nós estamos. Depois de ter falado de Sua glória e da bondade d’Ela, São Bernardo passa a falar de nossa situação. E no confronto o contraste que se estabelece. Porque depois de ser aclamada como Rainha de todo o universo e nossa Mãe, mostra como são os filhos d’Ela.
Então diz: “A Vós bradamos, degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas”. Essas duas designações indicam uma verdade de fundo, que é muito importante lembrar: fala em degredados filhos de Eva. Às vezes, ouve-se recitar a Salve Rainha dizendo-se “degradados”; mas é “éxules filii Hevae”, isto é: os filhos de Eva que estão no exílio, os exilados filhos de Eva.
* Nossa condição de expulsos do Paraíso
Depois, “gemendo e chorando nesse vale de lágrimas”. Quer dizer, somos filhos exilados num vale de lágrimas, que clamamos, bradamos e suspiramos por Ela. Qual a lembrança importante que está dentro disso? A lembrança é a dessa verdade pouco conhecida de que fomos expulsos do Paraíso na pessoa de Adão e Eva, e que portanto, a vida terrena agradável, a vida terrena feliz na qual o homem não encontra lutas nem dificuldades, essa vida a nós não é mais dada. E que nós todos já nascemos no exílio, quer dizer, degredados, com tudo aquilo que a palavra “exílio” traz consigo. O exilado é aquele que está fora de sua pátria. Mas a pátria é o lugar onde a pessoa se sente bem, onde tem toda co-naturalidade, onde tem todas as condições para o bem estar, para a normalidade da vida. Pelo contrário, no exílio a pessoa não tem nada disso.
Imaginem, por exemplo, um de nós que estivesse nesse momento em Nova York ou em Chicago, vendo toda aquela barulheira norte-americana, que coisa monstruosa não seria! Exilado ele estaria. Imaginem uma pessoa exilada na Russa comunista. Seria tudo contra nossa natureza, então imaginem o horror que não seria. Tudo é contra nossa maneira de ser. Para nós, aquilo é um degredo, um exílio.
A pena de degredo impunha-se antigamente aos condenados. Por exemplo, alguns inconfidentes foram degredados para a África. Quer dizer, um lugar onde não poderiam encontrar a felicidade, porque tudo era contrário à natureza deles. Ora, para todo homem que nasce, essa terra é um exílio. Não é como o Paraíso, onde a pessoa estava contente, aqui é um exílio e, por causa disso, é um vale de lágrimas. Fomos degredados para um vale de lágrimas. A expressão é muito significativa.
Para os vales correm as águas de todas as montanhas circunvizinhas; assim também as lágrimas correm para esse vale, que é nossa existência. E a vida nessa terra quer queiramos ou não, é uma vida infeliz.
* Ilusão do espírito moderno: goze a vida e seja feliz
Isso choca frontalmente o espírito moderno. O espírito moderno é feito com a ilusão de que com latarias mecânicas, televisão, cinema e brinquedinhos, boa medicina e economia bem organizada, o homem consegue ser feliz.
Então, quando o homem é infeliz nessa vida, isto é um bicho de sete cabeças: Mas como se pode ser infeliz? Não tem propósito. O nosso mal é não ser feliz. Não é normal que eu seja doente, que eu seja pobre, que seja burro, que eu seja antipatizado, nada disso é normal. O normal é gozar a vida. E não compreendo, então, como essas coisas acontecem.
* Tara de certo espírito religioso: catolicismo do bem-estar…
Isto é errado e é exatamente uma das taras da formação religiosa tão freqüente entre os católicos norte-americanos. É a idéia do passar bem: A conferência nacional católica do bem-estar. Quer dizer, do não vale de lágrimas. Mas a verdade é que a gente queira ou não queira, a vida é um vale de lágrimas. E uma das ilusões mais perigosas para a vida espiritual é de que os filhos das trevas não sofrem e só nós, filhos da luz, sofremos, e que só nossa vida é dura.
* Quem mais sofre nesta vida?
Os “filhos das trevas” sofrem e sofrem mais do que nós. Não há pior forma de sofrer do que fugir do sofrimento. Porque aí o sofrimento agarra a gente e dá um amplexo tremendo, mais cedo ou mais tarde. Ainda é melhor a gente andar lado a lado com ele. Sofre-se nessa vida: Um é doente, o outro é pobre, outro é burro, outro é feio, outro tem a língua torta, etc. Há de tudo, e às vezes há um composto com várias dessas coisas juntas. E é normal, porque nascemos para isso: nascemos degredados, o vale de lágrimas é esse e o alívio que temos é que isso vai dar glória a Deus no Céu.
Assim nossa alma se purifica e se santifica, essa vida acaba e, portanto, vamos gozar de Deus numa outra [Vida] e essa é verdadeiramente nossa felicidade. Essas verdades são lembradas pela Salve Rainha em termos de eloqüência. Por quê? “A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.” Quem brada é porque está numa situação muito difícil. “A Vós suspiramos, gemendo e chorando”, essa é a condição do católico nessa terra: Suspirar, gemer e chorar.
* Iniciativa da luta contra o mal
E outro de nossos gemidos é a luta; é o gemido de ter que tomar a iniciativa na luta, de não poder parar nunca, de ter que estar continuamente combatendo e recomeçando. É alegria, mas cheia de gemidos da luta. E é por isso que recorremos a Nossa Senhora, que é Nossa Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança. Há aqui uma apresentação de nossa situação porque sabemos que Nossa Senhora pode, magnificamente atenuar essas dores.
* Nossa Senhora nos dá força
Mas o que Ela faz de melhor para nós, não é atenuar as dores — que Ela atenua muitas vezes — mas é nos dar a força para suportarmos as dores que temos que enfrentar. Por isso bradamos à Santíssima Virgem; suspiramos, gemendo e chorando, mas para ter coragem de enfrentar as coisas bem. Aqui não há a recomendação de uma piedade lacrimosa e passiva. Se estamos gemendo e chorando, é como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: Queremos uma força para enfrentar o perigo que está diante de nós, o risco, a luta. Isto é que queremos e isto é que pedimos a Nossa Senhora.
* Recapitulação. A verdadeira piedade é lógica
Então vimos como é bem estruturada a Salve Rainha: Depois da saudação inicial, uma eloqüente expressão da miséria em que estamos. E aí começa o raciocínio: “Eia, pois, advogada nossa, os vossos olhos misericordiosos a nós volvei.” É tão natural! Pois se Vós sois minha Mãe, se Vós sois minha Rainha, eu aqui estou suspirando e gemendo; Vós sois a minha advogada. Então, volvei a mim vossos olhos misericordiosos.
É um raciocínio impecável, porque a verdadeira piedade é impecavelmente lógica, séria e sólida.
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