Santo
do Dia (Auditório da Santa sabedoria – Rua Pará)
– 25/3/1965 – 5ª-feira [SD 102] (Jorge Dona) –
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Santo do Dia (Auditório da Santa sabedoria – Rua Pará) — 25/3/1965 — 5ª-feira [SD 102] (Jorge Dona)
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O evangelho referente a esse acontecimento é o seguinte: São Lucas:
Estando no sexto mês de Isabel, foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, que se chamava José, da casa de David. E o nome da virgem era Maria. Entrando o Anjo onde ela estava disse-lhe: “Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és Tu entre as mulheres”. E ela tendo ouvido estas coisas, turbou-se com estas palavras e discorria pensativa que saudação seria essa. E o Anjo disse: “Não temas Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberas em teu ventre e darás a luz a um filho, e pôr-lhe-á o nome de Jesus. Este será grande e será chamado filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David, e reinará sobre a casa de Jacó eternamente e seu reino não terá fim”. E Maria disse ao Anjo: “Mas como se fará isso, pois eu não conheço varão?” E disse-lhe o Anjo: “O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. E por isso mesmo o santo que há de nascer de ti será chamado filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parente, concebeu um filho na sua velhice e este é o sexto mês da que é chamada estéril. Porque a Deus nada é impossível”. Então disse Maria: “Eis aqui a serva do senhor, faça se em mim segundo a tua palavra”. E o Anjo afastou-se dela.
Esse evangelho é cheio de matizes que me parece interessante. Em primeiro lugar, como fica mostrado o anonimato em que vivia Nosso Senhor, em que vivia a Sagrada Família, o anonimato da cidade e tudo. Deus, do alto de Céu chagada a plenitude dos tempos manda o Arcanjo Gabriel a terra. Mas manda-o a um lugar de tal maneira desconhecido de todo mundo, que nos impressiona: manda a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré. Fica ai entendido que era um buraquinho, um ninho de rato. A uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de David. Uma cidade desconhecida a uma virgem desconhecida, casada com um homem desconhecido. A única coisa ilustre que tem para dizer é que é da casa de David. O nome da virgem era Maria. E entrando o Anjo onde ela estava, disse: Deus te salve, cheia de graça o Senhor es contigo, bendita es Tu entre todas as mulheres.
Este “entrando o Anjo onde ela estava” da a impressão de um lugar recolhido, isolado; a ação de entrar insinua muito a idéia de recolhimento, clausura, de uma coisa que se viola. Quer dizer, Nossa Senhora estava num lugar inteiramente sozinha. É o cumulo do que o mundo detesta: a pessoa isolada, desconhecida, decadente, e o que é pior ainda, e estava no seu isolamento rezando. E para essa pessoa que vem essa mensagem. Os senhores podem imaginar o Anjo que paira dos mais altos paramos celestes, encarregado de uma enorme missão, e que vai ao ponto onde menos se poderia imaginar: um lugarejo, um casalzinho, uma mulher que está trancada seu quarto, e ali ele leva a mais importante mensagem da historia. Tudo isto fica insinuado na linguagem do texto, e é muito bonito ver como a linguagem introduz tudo isto.
Depois da saudação do Anjo a reação. Espera-se a reação essa: compreendem o valor que eu tenho, e afinal me fazem justiça, ou imagina de um modo tal, que desce tranqüilizador, inteiramente afável inteiramente pacifico. Isto não é assim. E é uma coisa curiosa: em todas as visões de Nossa Senhora que tenho lido, repete-se esta cena. A qualquer coisa de terrível no aparecimento da visão, que incute medo. A idéia da afabilidade, da bondade vem, mas a idéia que fica é de medo. As crianças de Fátima sentiam medo, as crianças da Salette também; também Santa Bernadete Soubirous. É a desproporção das duas naturezas diferentes e de algo tão fabulosamente majestoso que ela sentiu medo. E o evangelho diz: Ela tendo ouvido essas coisas, perturbou-se com as palavras, quer dizer, ela teve atenção suficiente para entender o conteúdo do que era dito, e isto a perturbou. “E discorria pensativa”, que expressão bonita para indicar a analise ponto por ponto. Ela analisou pensativa a mensagem, perguntando para si mesma que saudação seria essa.
No total, o que é que é isso? Vejam bem o que espírito de Nossa Senhora: diante de uma coisa, mesmo tão elevada e com todas as características de vir de Deus, uma analise, e uma analise racional do conteúdo, palavra por palavra, daquilo que era dito.
Compreendam como um membro do catolicismo deve ser assim também. Diante das coisas, não perder a cabeça. A verdadeira reação diante da coisa mais pasmosa, mais inesperada, mais maravilhosa, é discorrer pensativo sobre aquilo. E ali, naquele ato, o discorrer pensativo.
Num outro episodio, depois do nascimento de Nosso Senhor, o evangelho nos diz que Nossa Senhora guardava todas essa coisas, e as conferia em sue coração. Eminentemente analítica, pensativa, o que não está de acordo com as expressões das imagens da heresia branca, que nos apresentam exatamente uma pessoa não pensativa, abobada e com uma cara de boneca. Uma das razoes porque gosto daquela imagem do escritório é a seguinte: não acho muito piedosa, mas ela tem algo que é interessante e nessa algo está isto exatamente: Nossa Senhora uma pessoa de discernimento, de princípios e capaz de pensar. Ela olha as coisas com um olhar cheio de discernimento.
E aqui esta o exemplo para nós. Ser uma pessoa de discernimento. Até o que vem de Deus, analisa, não desconfiadamente, mas pensativa. Sei que aqui se pode fazer outro comentário sobre a humildade; mas esse comentário já é tão conhecido, que os senhores me permitam um comentário que não é habitualmente feito do evangelho.
O Anjo, que conhecia por permissão de Deus o que nela se passava–– nota-se que Ela não fez nenhuma pergunta ao Anjo, como se estivesse estudando a pergunta a fazer, e que não tinha formulado a sua pergunta, quando o Anjo interveio: não tema, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Quer dizer, nada tens a temer, pousa sobre ti a complacência plena. Com certeza essas palavras foram acompanhadas de uma graça de paz; e a paz surgiu dentro dela uma paz enorme. E então, naturalmente, ela foi para frente. Ora, uma coisa curiosa: o respeito de Deus pela criatura que tem discernimento, que pensa pela criatura que analisa. Ela tinha uma perturbação justa e o Anjo esclareceu, como que aprovando que Ela quisesse saber que saudação era aquela. E a razão que o Anjo dá é uma razão que explica a duvida Dela. O Anjo diz a Ela, com a autoridade de quem pode falar, que Ela encontrou graça diante de Deus. É tão santa, tão virtuosa, Deus deu tantas graças, que aquela saudação era merecida. E então Ela se tranqüilizou.
Preparado nela o terreno psicológico, e preparada à humildade para receber isto, entra a explicação: Eis que conceberas em teu ventre e darás a luz a um filho e por-lhes-á o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus dará o trono de seu pai David e reinará sobre à casa de Jacó eternamente e o seu Reino não terá fim. O povo judaico estava cheio de esperança de um rei que sobe ao trono e fica rei mesmo, e que ai governará toda a terra. A promessa feita a Ela era uma promessa de molde a justificar a esperança terrena dessa natureza: era o Messias, que todo mundo sabia que devia nascer de David e que iria nascer dela, o esperado das nações. Mas isso do trono de David, isto é, todo mundo estava esperando uma natureza terrena, material.
Sabemos depois como as coisas se passaram. Muitas vezes Deus faça no interior de nossas almas; e Deus acende misteriosamente na alma uma esperança. A alma entende o que Deus fez esperar, de um modo. Deus da de um modo completamente diferente do que a alma estava esperando. Por exemplo, diz: Tu serás grande. Vai mesmo: depois vai ser canonizado e ser colocado no alto da basílica de São Pedro. Mais em vida vai ser lixeiro, Deus diz: Meu filho, eu te escolhi, para exaltar o teu nome entre todas as nações serás até o fim dos séculos celebrado como exemplo memorável etc. e os povos vindo do oriente do ocidente, do meridiano e do setentrião, hão de se curvar diante de ti. É verdade. Na basílica, no dia da canonização, tem X, Y e a promessa se cumpre de um modo diferente do que o sujeito pensa que foi feita.
Em nossa vocação quantas vezes há isso. Deus fazia promessa de um jeito, o individuo entende de outro. É assim que Deus trata os seus mais amados; é assim que Ele encaminha os seus planos mais maravilhosos. Por causa disso preparemo-nos, porque a própria anunciação continha uma formulação que o povo judeu entendia de modo diferente. São os caminhos de Deus que importa confiar.
Veja agora que, depois de uma coisa estupenda dessas, vem uma objeção. E uma objeção de caráter moral. Porque Ela podia intuir: afinal de contas, Deus tudo arranja, não preciso perguntar, mas vem uma objeção, notem a firmeza de personalidade, que lembra os exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola bem pregados e não adocicados. Maria disse ao Anjo: como se fará, pois não conheço varão? E respondendo o Anjo lhe disse: o Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. E por isso mesmo o santo que nascer de ti será chamado filho do Altíssimo. Ai vem então, como premio da pergunta dela, aprovando que Ela tenha sido tão exigente, que tenha perguntado, então a realidade da mensagem vai se desdobrando à medida que Ela pergunta, como que Deus vai querendo que Ela pergunte para a mensagem ser desenvolvida. Ai a maravilha da mensagem se completa: primeiro é a maternidade divina, depois, a maternidade virginal e por isso mesmo ele será o Filho de Deus. Esta ai toda a explicação da maravilha que vai se realizar.
E vem um a espécie de ratificação apologética: para Deus tudo é possível. E para explicar também o plano, o Anjo diz: eis que Isabel tua parente concebeu um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela que é chamada estéril, porque a Deus nada é impossível. É como uma indicação dizendo que afinal de contas que ali era veria com fatos externos, a inteira confirmação do fato interno que nela se estava operando. Tudo isto explicado ––– não que houvesse duvida, mas porque o homem age racionalmente ––– entra a aceitação de Nossa Senhora: então disse Maria: Eis aqui a escrava do Senhor faça-se em mim segundo sua palavra. Aqui a uma atitude inteiramente conseqüente. O comentário dela foi de quem entendeu essa lição em sua essência: se Deus comunicou-me isto é por que quer minha adesão, então eu dou o que Deus mandou pedir. Vê-se uma profundidade, uma lógica, uma força de alma que eu nunca vi pregador nenhum acentuar. Então, deixo os comentários comuns e volto a essas considerações que nos fazem ver da alma insondavelmente santa de Nossa Senhora. E então compreender esse espírito lógico, cheio de fé, de obediência, mas coerente e que quer ver claro dentro das coisas, não por duvida, nem por desconfiança, mas por que a lógica é verdade.
O Anjo afastou-se dela. Segundo os melhores teólogos, imediatamente deu-se a concepção. Uma insondável operação do Divino Espírito Santo operada em Nossa Senhora; o Anjo afastou-se, mas a profecia cumpre-se imediatamente. É um mistério que só saberemos na eternidade. Esse aspecto de vago que fica depois e onde a gente pode conjeturar tudo só nos deixa uma idéia: a coisa é tão grande, que depois haja o que tenha havido, ultrapassa toda intelecção humana. Há uma pausa cheia de vazio. O resto não se fala. E o silencio absoluto que o evangelho deixa passar sobre essas coisas, e que é o ambiente próprio ao recolhimento à meditação, próprio as coisas sagradas, e litúrgicas. Por causa disto em alguns ritos do oriente, na hora da consagração, corria-se um véu em torno do sacerdote, tão sagrado e misteriosa era a ação. Vê-se então aqui que o senso religioso pede um certo senso do mistério, e que as coisas de Deus ao mesmo tempo dizem muito e calam muito, e não se sabe pelo que dizem mais: se pelo que falam ou pelo que calam. Compreende-se então que fazer tudo simplizinho, explicadinho, acompanhadinho, certinho é diferente dessas ações sublimes. Façamos disso uma reserva para a nossa alma para podermos amor assim essas grandes e imensas, dentro de uma lógica inflexível. Ai está o verdadeiro, da dignidade das coisas de Deus. Peçamos a Nossa Senhora que nos cubra com o manto de seu espírito nessa linha e nesses temos: espírito virginal, a clareza e a coerência de espírito. A castidade é uma grande coerência e a coerência uma grande castidade. Peçamos esse dom na noite de hoje.
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Auditório da Santa Sabedoria – Rua Pará