Reunião Normal — 25/9/1964 — 6ª feira – p. 4 de 4

Reunião Normal — 25/9/1964 — 6ª feira

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Luz Primordial

* Luz primordial: realidade natural à qual se acrescenta a obra da graça e a vocação * O apetite vivo de santidade não é algo teórico, mas resulta do desenvolvimento da vida espiritual segundo as apetências da luz primordial * Megalice e microlice surgem quando a vida espiritual se arrasta por falta de correspondência à luz primordial * Luz primordial é a facilidade natural, acentuada pela graça, de ver com evidência certos valores morais e determinadas verdades transcendentais

* Luz primordial: realidade natural à qual se acrescenta a obra da graça e a vocação

Talvez fosse melhor falar já. Acontece que a essa pessoa que nasceu com a luz primordial natural, não é um fato sobrenatural: é uma ordenação de toda a pessoa dele e que entram circunstâncias temperamentais, entram circunstâncias biológicas, entram circunstâncias de educação, formando um horizonte que está na harmonia da pessoa dele. Bem, isso tudo junto, acontece que sobre este homem caiu um raio da graça e o raio da graça conduz o homem para ser ultramontano.

Agora qual é o resultado? É que ele que deseja ser ultramontano, que está começando a ser ultramontano, ele já apresenta uma prodigiosa facilidade de compreender a Igreja na sua feição militante e de se entusiasmar por nossa Causa, porque ela exprime a feição militante da Igreja católica. Donde todas as críticas que ele faz aos capelães, são críticas porque eles fazem homem sem varonilidade, sem dignidade, etc. Ele critica muito a vulgaridade dos capelães e dos meios católicos que ele tem conhecido, que não têm grandeza nenhuma, não têm nenhuma elevação de espírito, e ele é levado a proceder na sua vida de apostolado como ultramontano, com o denodo, com o desembaraço e com elegância com que um oficial de marinha [faltam palavras?].

Quer dizer, é a transposição desta mesma luz primordial como um estilo de vida e uma visão das coisas que ele transplanta para a sua vocação, e que então a graça toma a natureza e a eleva e a orienta para um fim que a natureza nem seria capaz de considerar, nem seria capaz de seguir se não fosse o auxílio da graça. Mas a natureza não é destruída, ela é elevada e ela ali continua. E ele, sem perceber — os senhores prestem atenção nas conversas dele sobre o problema do apostolado: é sempre em termos de agressão, de briga —, desassombrado, honrado e procurando o lugar do risco e do sacrifício para cumprir o seu dever.

Toda aquela vertente natural, que afinal de contas se descarrega nesta idéia: heroísmo, guerra, como modo pelo qual ele vê os valores mais altos, os valores transcendentais da vida. O fundo da minha razão para isso é o seguinte: é que não admito que haja verdadeira vocação para em nenhuma espécie de esporte e sem que isso seja feito em função da luta. Esporte que não seja em função da luta e da guerra, ao meu ver, não tem razão de ser, é uma coisa falsa e desenvolve a mentalidade pacifista do suco Sueco.

[Faltam palavras?] Boleiros assim e uma cara de criança incapaz de brigar, quer dizer, ele é incapaz de dar um murro e incapaz de fazer uma briga; quer dizer, é uma coisa puramente técnica. No fundo é sempre a idéia, um valor supremo que é a idéia de riscos, a idéia de guerra, o que não é só o risco, é a guerra, é o impacto contra o outro, como uma afirmação suprema de que a vida não vale a pena ser vivida a não ser por uma grande causa, que essas grandes causas dominam inteiramente a vida e que os prazeres moles da vida não são verdadeiros prazeres, que esses são os grandes prazeres. Há, no fundo, uma constelação de virtudes morais que produz isto.

Bem, se não me quiserem perguntar nada sobre o caso, eu faço daqui a pouquinho uma crítica [por?] terreno das evidências e assim teria terminado a reunião de hoje. Vamos fazer talvez uma crítica disso, o que é que é para o terreno das evidências, e assim nós concluímos esta parte da reunião.

Em todas essas pessoas, a luz primordial como nós notamos é um fato natural ao qual se acrescenta depois uma vocação, quer dizer, uma obra da graça e uma vocação.

* O apetite vivo de santidade não é algo teórico, mas resulta do desenvolvimento da vida espiritual segundo as apetências da luz primordial

É evidente que não é só para as pessoas que têm essa vocação que a graça se associa à luz primordial; se associa mais ou menos para todo o mundo. Para nós se associa sob forma de vocação, e a pessoa procura na vida espiritual uma forma de santidade que corresponde a essa tendência profunda, boa, da luz primordial; então aí é que a pessoa, aí é que a vida espiritual pega. É quando o sujeito é ou visa ser, na ordem espiritual, alguma coisa que ele compreende que é bonito ser, que é nobre, que é dignificante ser, mas ele compreende com essa luz. Não é com um tratado que ele lê, por exemplo, quão belo é ser lixeiro, limpa a cidade para todos, pega um vassoura e vai[inaudível]não é isso, não. Ele compreende com esta luz, ele compreende com esse movimento primeiro, com essa tendência primeira, ele compreende a beleza daquilo. E então ele procura com muita apetência ser algo que é propriamente o realizar-se.

O que é o realizar-se? É quando a pessoa tem idéia daquilo para que nasceu, apetece ser aquilo porque compreende a beleza moral de ser aquilo e por isso ele quer ser aquilo; sendo aquilo ele fica todo dignificado e todo satisfeito. Isto é propriamente a realização dentro da vida espiritual.

E o apetite vivo de santidade não é um apetite teórico, mas é um apetite da santidade assim: eu quereria ser assim, eu acharia bonito ser assim, eu então viso com toda a minha alma ser assim, quer dizer, ter um feitio de santidade concretamente feito para mim e que eu devo querer ter. É claro que esse feitio de santidade tem que corresponder às noções doutrinárias concebidas em abstrato, mas já concebidas em concreto para mim e que me dão então a vontade de ser aquilo, porque eu compreendo como me realismo sendo aquilo, como eu me completo, como eu integro sendo aquilo.

E compreendo muito mais naquilo como é que eu me uno a Deus Nosso Senhor, que é o Supremo Modelo daquilo. Quer dizer, o próprio amor nem a Deus é feito compreendendo Deus debaixo daquele aspecto, eu amo-me a mim mesmo como se eu seria se fosse daquele jeito, e depois então eu faço um esforço para ser daquele jeito. E o móvel da santificação é a aquisição desta beleza moral, desta retidão moral, desta santidade que eu amo porque eu sei que ela corresponde ao valor absoluto que está por detrás e por cima, e que é Deus Nosso Senhor, com o qual eu quero ser semelhante.

Então, aqui entra o estímulo verdadeiro da vida espiritual, estímulo que nós não encontramos nos tratadinhos de vida espiritual: “Se queres ser santo, ó bom mancebo, mira e pensa no não sei o quê, que fez sei o quê, etc., etc., etc.”, mas não é assim que um verdadeiro dinamismo espiritual se faz.

Vamos dizer, uma pessoa X, que tem uma grande apetência por aquilo que é nobre, que é sublime, que é transcendental, que por causa disso quer mesmo a coerência nessas coisas e ama a coerência porque ama aquilo; por outro lado, ama a força e ama a violência porque entende que é o único modo de obrigar as coisas a entrar na linha da coerência, mas da coerência naquela perspectiva, em função daqueles valores, e que compreende que aquilo é divino. Esta pessoa tem vontade de ser assim, a ambição de sua vida, antes de ser ministro, de ser chefe de estado, até de ser banqueiro, a ambição de sua vida consiste em ser aquilo, em ser daquele jeito, mas tem um programa definido daquilo que quer ser, entende o que é que deve ser e aspira ver aquilo que deve.

Isso então dá uma vida espiritual com movimento, dá em vida espiritual com ideal concreto. Agora que eu não ousaria dizer que isto que eu digo, que é tão evidentemente verdadeiro, que costuma ser ensinado, nós somos ensinados a uma vida espiritual abstrata, de acordo com o tratado ou uma coisa assim, etc.

* Megalice e microlice surgem quando a vida espiritual se arrasta por falta de correspondência à luz primordial

Nós não nos vemos concretamente a nós. Então, por falta desta luz primordial a nossa vida espiritual se arrasta, a nossa vida não tem termo definido, não tem ideal definido e corre sem graça, caótica, obscura, sem rumo, então dá a louca da megalice. Quer ser banqueiro, quer ser diplomata, quer ser marechal, quer ser inspetor civil, quer ser o que for, está compreendendo? Ou então dá microlice, que quer comer bolachinha de meia em meia hora. É porque falta o norte na vida espiritual, o verdadeiro ideal concreto para o qual cada um de nós é chamado.

* Luz primordial é a facilidade natural, acentuada pela graça, de ver com evidência certos valores morais e determinadas verdades transcendentais

Bem, o que então essa luz primordial? É a noção, vamos dizer o seguinte: é a facilidade vista por algum ângulo, é uma facilidade maior, dada pela natureza e acentuada pela graça, de ver determinados valores morais e determinadas verdades transcendentais ligadas a esses valores morais, e ver como eu falava noutra reunião aqui, em grau de evidência, porque isto é o que a gente vê com grau de evidencia. A nossa inteligência, de cada um de nós, é particularmente aguda para perceber isto, nossa vontade é particularmente forte para apetecer, e portanto ali nós temos um corpo, uma espécie de rocha a partir da qual, de proche en proche, a gente vai tirando as certezas, tirando as conclusões, tirando as convicções e constituindo todo um sistema de idéias, de pensamento, de volições, que é o estilo pessoal do indivíduo, que é o programam da vida.

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