Santo do Dia (Rua Pará) – 24/9/1964 – 5ª feira [SD 021 e 315] – p. 6 de 6

Santo do Dia (Rua Pará) — 24/9/1964 — 5ª feira [SD 021 e 315]

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Nossa Senhora das Mercês: uma Ordem de Cavalaria cuja fundação foi pedida pela própria Mãe de Deus, o que contraria a “heresia branca” * Nossa Senhora, que ditou os Exercícios Espirituais a Santo Inácio, teve a iniciativa de fundar uma Ordem de Cavalaria: vê-se como a “heresia branca” deforma Nossa Senhora * Os cristãos cativos corriam riscos por não terem os sacramentos, ficando expostos aos riscos da imoralidade e também ao risco gravíssimo de perder a Fé * Uma solidariedade heróica: trocar-se como escravo para libertar outro católico * Nós seríamos capazes de suportar o cativeiro para libertar um Membro do Grupo? * Nossa Senhora dos Favores, Nossa Senhora dos Presentes Inesperados * O amor de todas as mães por seus filhos, não chegaria ao amor de Nossa Senhora pelo último dos homens * Jorrai, fazei descer sobre mim Vossas mercês, dai-me várias mercês que me façam sorrir de alegria, dai-me como mercê a Cruz de Vosso Filho

Hoje é festa de Nossa Senhora das Mercês. Originariamente essa festa era própria à Ordem Militar e Religiosa de Nossa Senhora das Mercês, que foi fundada a pedido expresso da Virgem para libertar os cristãos do jugo sarraceno.

É também novena da Bem-Aventurada Virgem Maria, Medianeira de Todas as Graças.

* Nossa Senhora das Mercês: uma Ordem de Cavalaria cuja fundação foi pedida pela própria Mãe de Deus, o que contraria a “heresia branca”

Como os senhores acabam de ver, essa festa de Nossa Senhora das Mercês era uma festa que era antigamente própria a uma ordem militar e religiosa. Quer dizer, uma ordem de cavalaria fundada por Nossa Senhora, pelo desejo, desígnio de Nossa Senhora, em uma aparição. Depois essa invocação se tornou própria a toda a Igreja Católica e, por fim, figura no calendário da Igreja Universal.

Há alguns comentários a que se presta essa festa.

O primeiro desses comentários é o fato de Nossa Senhora pedir, Ela mesma, a fundação de uma ordem de cavalaria. Os senhores vêem quanto é significativo isso, e quanto contraria a “heresia branca”. Porque a “heresia branca” seria propensa à idéia de que Nossa Senhora nunca, em caso nenhum, houvesse de querer armar pessoas contra pessoas. E, sobretudo, que Ela nunca quereria, em caso nenhum, uma ordem religiosa, uma instituição religiosa, em que os cavaleiros se armavam para uma finalidade de caráter militar.

Os senhores estão vendo como isso aí é, portanto, uma coisa que nos deve fazer meditar e nos ajuda a compreender o espírito de Nossa Senhora.

* Nossa Senhora, que ditou os Exercícios Espirituais a Santo Inácio, teve a iniciativa de fundar uma Ordem de Cavalaria: vê-se como a “heresia branca” deforma Nossa Senhora

Uma coisa que, por exemplo, nos ajuda muito a compreender o espírito de Nossa Senhora, é o fato de os Exercícios Espirituais de Santo Inácio terem sido ditados por Ela a ele na gruta de Manresa. Outro é o fato de Ela ter tido, portanto, a iniciativa da fundação de uma Ordem de Cavalaria.

Quer dizer, nós compreendemos, através disso, exatamente, quem é Nossa Senhora, e compreendemos como a “heresia branca” deforma Nossa Senhora.

Os senhores percorram as numerosas imagens que conhecem por aí: os senhores conhecem uma imagem que represente Nossa Senhora pedindo a fundação de uma ordem de cavalaria? Os senhores conhecem uma imagem de Nossa Senhora promovendo, de algum modo, a guerra? Entretanto, Nosso Senhor disse que Ele veio trazer o gládio, que Ele veio trazer o fogo, que Ele viria separar o pai do filho, e a mãe da filha, etc.

Quer dizer, os senhores estão vendo como uma coisa é diferente da outra, e convém sempre martelar nessas festas esse princípio, não porque o princípio seja esquecido pelos senhores, mas é porque convém lembrar qual é o fundamento que tem, que profundas raízes esse princípio tem na doutrina católica, nas melhores tradições da Igreja, na liturgia da Igreja, etc.

Então, aqui está um primeiro aspecto que deve ser lembrado.

* Os cristãos cativos corriam riscos por não terem os sacramentos, ficando expostos aos riscos da imoralidade e também ao risco gravíssimo de perder a Fé

Agora, outro aspecto é propriamente a idéia dessa Ordem de Cavalaria. Como é que era essa ordem religiosa e militar?

Os senhores sabem que havia um número muito grande de cativos cristãos, sobretudo nas nações pagãs muçulmanas no norte da África, o que resultava dos hábitos da pirataria e insegurança da navegação no Mediterrâneo. Era freqüente navios piratas apreenderem navios com católicos e venderem aos sarracenos. Era freqüente também que nas guerras entre sarracenos e católicos, navios católicos fossem aprisionados e os católicos fossem levados para o norte da África, e essa gente era vendida como escravo lá. Eles ficavam longe dos sacramentos, expostos aos piores riscos de moralidade, expostos sobretudo ao risco gravíssimo de perder a Fé.

Os senhores podem imaginar o desespero de uma pessoa dessas. Por exemplo, um homem que é aprisionado como escravo, que comete um pecado mortal e não tem padre para lhe dar a absolvição: embora ele tenha medo do Inferno, ele está na dúvida se ele tem a atrição, ou melhor, se ele tem a contrição suficiente para ir para o Céu, sem a absolvição.

Os senhores sabem que quando a gente se arrepende de um pecado por amor de Deus, ainda que não tenha padre, pode estar seguro de que vai para o Céu. Mas quando se arrepende por medo do Inferno, sem a absolvição sacramental não existe perdão.

Agora imaginem um homem que está trabalhando ali como escravo, que sente medo do Inferno, que por causa do Inferno não quer repetir o pecado, mas que não tem padre para lhe dar a absolvição, e que está com a boca do Inferno aberta em cima dele.

Os senhores já pensaram o que é que uma coisa dessas representa? Escrúpulos de consciência, problemas de toda ordem, se uma pessoa quer privar com um padre, está inteiramente isolado. Não tem os sacramentos, tem aquela promiscuidade degradante de toda espécie de escravos, tem a presença acachapante do Islã, chibata em cima. Os maiores sofrimentos, tentações, portanto, ligadas a esse sofrimento.

Era essa a situação dos cristãos que eram levados para a África.

* Uma solidariedade heróica: trocar-se como escravo para libertar outro católico

Pois bem, então Nossa Senhora constituiu uma ordem religiosa, que tinha por efeito o seguinte: por meio da espada, por meio do gládio, tentavam libertar esses cristãos. Também, quando um membro dessa ordem pudesse, ou se fosse o caso, ele fazia voto de se oferecer para trocar-se como escravo por outro católico, e libertar aquele católico. De maneira que ele tinha mais confiança na sua própria vida espiritual, contava com uma vocação especial para isso e libertava um pobre coitado que estava como escravo. O que representa uma solidariedade heróica, representa um ato de amor heróico, digno das melhores tradições da cavalaria. Ficar escravo para que um outro seja solto: não se conhece prova de amor maior.

Essa prova de amor não era por causa do seguinte: “Coitado daquele, o braço dele está doendo com uma algema, o pé dele está arrastando uma bola muito pesada, ele está cheio de vergastadas, então eu, humanitariamente falando, vou me substituir a ele”.

Essa razão existia numa camada, mas era secundária. O perigo da Fé que ele corria, é que verdadeiramente tornava inconsoláveis os membros da Ordem de Nossa Senhora das Mercês. Então eles faziam essa coisa admirável, que é inteiramente semelhante a um outro voto dos Cavaleiros, das Ordens de Cavalaria, e que era na batalha nunca recuarem. Houvesse o que houvesse, recuar eles não recuariam.

* Nós seríamos capazes de suportar o cativeiro para libertar um Membro do Grupo?

Os senhores estão vendo aqui uma manifestação de zelo pela Fé, uma manifestação de amor fraterno na Fé, que não pode passar desapercebido a nós, como uma prova de grande união entre os católicos, de grande solidariedade sobrenatural entre os católicos.

E eu pergunto o seguinte: nós, por exemplo, seríamos capazes de suportar o cativeiro para libertar um outro membro do Grupo?

Imaginem um membro do Grupo escravo. Um de nós passa lá, de navio, então o que faz? Navio agradável, transatlântico, bonito, a gente está, por exemplo, no Mediterrâneo a caminho de Paris, a caminho de Marselha, depois para Paris. Bem, olha lá para o amigo:

Oh, Fulano, como vai você?

Ele abre os braços:

É… eu vou bem..

Desce:

Olha aqui, você quer chocolates? Leve. Isso aqui é o Rosário para você, vamos rezar juntos. Bentinho, etc. Olha, eu fico inconsolável de te deixar. Você não imagina, mais de uma vez ao longo desta viagem eu vou me lembrar de você, está compreendendo? Que pena… Dá cá um abraço. Está na hora da despedida, meu velho, até logo. Salve Maria! Que Nossa Senhora o ajude, Nossa Senhora o acompanhe.

Lá-ra-lá e vai embora-se. Chega no tombadilho:

Coitado do fulano! Pssit! Garçon, traga um consommé gelado aqui. É uma tristeza, aquele pobre coitado, não é verdade? Bom, que é que eu posso fazer por ele? Vamos navegar, não é? O anjo da guarda dele tomará conta dele.

Vamos comparar com isso aqui e nós compreendemos o que nós devemos fazer uns pelos outros. Nós compreendemos, sobretudo, coisa muito mais leve, muito mais suave: a pena e o cuidado que nós devemos ter com os membros do movimento tentados, atribulados, nervosos. Por quê? Porque se nós não temos pelo menos essa paciência de junto com eles carregar as tribulações deles, carregar os nervos deles, ter condescendência com as coisas deles, o que nós seríamos se eles estivessem presos entre os africanos?

Agüentar, então, de vez em quando, a prosa de uma pessoa muito nervosa, que repete um pouco as coisas, que diz de um jeito, que diz de outro jeito; ou então fazer um esforço para penetrar na psicologia daquele para ver como é que é, etc. Ver um que está triste, pelo menos rezar por ele, dizer pelo menos uma amabilidade, uma gentileza, um pequeno conforto pelo menos. É uma coisa de uma tal expressão aos olhos de Nossa Senhora, de um tal efeito aos olhos de Nossa Senhora, e é um milionésimo do que faziam esses cavaleiros uns pelos outros.

De maneira que aqui fica uma segunda recomendação que eu acho muito importante.

* Nossa Senhora dos Favores, Nossa Senhora dos Presentes Inesperados

Eu gostaria ainda de dizer uma palavra sobre a invocação de Nossa Senhora das Mercês.

A mercê é uma graça, a mercê é um favor. Eu não conheço título mais comovedor do que o de Nossa Senhora das Mercês. É Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora dos Favores, Nossa Senhora dos Presentes Inesperados, das misericórdias que eram impensadas. Nossa Senhora considerada enquanto uma mãe que nos prepara boas surpresas, e que nos dá inesperadamente coisas com que nós não podíamos contar.

Qual é o pai, qual é a mãe, que sendo verdadeiramente afetuoso não tem o prazer de, de vez em quando, dar ao filho uma lembrança com que o filho não contava? Às vezes é uma mínima lembrança, uma coisinha insignificante.

Pais e mães tíbios, é aquele presente standard no dia de anos. Uma vez por ano, no dia de anos, outra vez por ano no Natal, e, conforme as circunstâncias financeiras, eles dão para o filho umas coisas que eles teriam que dar durante o ano. De maneira que, no fundo, ainda é um desconto: “Papai vai te dar uma coisa ótima: um par de sapatos lindos”. É uma coisa um pouco melhor, mas que já serve para a rotina de todos os dias. Quando o pai não tem outro remédio senão fazer isso, está muito bonito. Mas quantas vezes o pai dá assim, diz: “Filhinho, eu vou te dar uma coisa esplêndida agora para o fim do ano, vou te dar todos os livros de estudo desse ano”. Tapeações paternas, mais freqüentes do que as tapeações maternas, porque meu pai dizia que “pai é pai e mãe é mãe”. Ele tinha muita razão nisso.

* O amor de todas as mães por seus filhos, não chegaria ao amor de Nossa Senhora pelo último dos homens

Bem, qual é o pai bom que não tem o gosto de vez em quando, inesperadamente, para fazer a alegria de seu filho, dar de repente ao filho uma coisa com que ele não contava? Sobretudo quando representa um pouco de sacrifício… Quando o filho percebe que o pai ou a mãe estão fazendo algum sacrifício, não é verdade?

Pois bem, Nossa Senhora, Mãe perfeitíssima, o modelo de todas as mães, o modelo a tal ponto que São Luís Grignion de Montfort dizia que se a gente tomasse o amor de todas as mães da Terra, somadas, que teriam por um filho único, não dava o amor de Nossa Senhora pelo último dos homens, está bem, como é que Nossa Senhora, modelo das mães, não nos faz de vez em quando mercês?

* Jorrai, fazei descer sobre mim Vossas mercês, dai-me várias mercês que me façam sorrir de alegria, dai-me como mercê a Cruz de Vosso Filho

Nós podemos atravessar pedaços duros, situações complicadas, mas de vez em quando, pingando no meio da aflição, vem uma mercê. Ou às vezes é ao cabo da aflição que vem uma mercê enorme. E no fim da nossa vida, quando nós estivermos cerrando os nossos olhos, virá a mercê das mercês: Nossa Senhora nos mostrará Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho d’Ela.

Nosso Senhor Jesus Cristo disse no Evangelho: “Eu serei eu mesmo a vossa graça, a vossa recompensa, a vossa mercê excessivamente grande, imensamente grande”. E grande seria uma proporção com o que nós merecemos.

Pois bem, a última mercê que Ela nos dará nesta Terra será quando nós estivermos fechando os olhos, Ela nos dará Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, é um título especial para nós nos dirigirmos a Nossa Senhora e dizermos isso a Ela: “Minha Mãe, hoje é festa de vossas mercês. Lembrai-Vos que eu estou numa ‘seca´ de mercês memorável, e há muito tempo. Sei que a culpa provavelmente é minha, porque não sei pedir. Eu sou desses filhos carrancudos, frios, que não sabem despertar a sensibilidade da mãe. Mas eu Vos peço para hoje uma mercê: dai-me uma mercê, dai-me a mercê de saber tratar conVosco de maneira que Vós queiras me dar mercês. Colocai-me nessa espécie de ritmo das mercês. Jorrai, fazei descer sobre mim as Vossas mercês. E sobretudo o seguinte: dai-me várias mercês que me façam sorrir de alegria. Se no meio dessas Vós me derdes como mercê a Cruz de Vosso Filho, muito melhor do que todo o resto, porque a Cruz de Nosso Senhor é a grande mercê que Nossa Senhora nos dá”.

E com isto, seriam estas as recomendações desta noite.

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