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“Chanteclair” e a Dor – 22/8/1964 – p.
Reunião para o Grupo da Martim 1 (Sala dos fundos da Sede da Rua Martim Francisco) — 22/8/19642 — sábado [ER 090]
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[A data do áudio está como 30/6/67 - Reunião Normal. (HVicente)]
O “Chanteclair” e a Dor
Não ser recebido por aqueles aos quais foi enviado por Deus é dos maiores sofrimentos * Ser indiferente ao sofrimento é faquirismo: é preciso aceitá-lo com coragem * O mais sublime apostolado é o regado pela dor * Para obter o renouveau da Igreja cumpre unir-se à Paixão de Cristo, queimar-se como tocha, ser gota d’água no cálice * A beleza está em o homem ser chamado a completar a obra de Deus na Criação, máxime a obra prima que é a Redenção * O fundador, tendo toda glória e peso da obra, irriga-a com o sofrimento até o fim do mundo; assim deveriam ser também seus primeiros discípulos * Há gente que age e reza: onde está quem queira ter a dor como primeiro apostolado? * “Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor” como diz o Evangelho: a semente e o parto
* Não ser recebido por aqueles aos quais foi enviado por Deus é dos maiores sofrimentos
Bom, então eu abordo esse tema e depois abordo outro.
Eu estava usando naquela reunião a imagem do Chanteclair, ou seja, daquele que é veículo inicial para que as graças que a Providência destina para um certo ambiente social, de fato se difundam ali, circulem ali.
Bem! Primeiro: no quê consiste esse sofrimento? Depois, por que é preciso um sofrimento para isso? São duas coisas.
Há um primeiro sofrimento, que a gente poderia dizer um sofrimento grande até, mas que acaba sendo um sofrimento meio “poca” dentro da coisa. E há o sofrimento que tem a pessoa que vai a um meio que é o seu, nesse meio dirige-se àqueles a quem deve dirigir-se e é rejeitado, e às vezes é rejeitado até com brutalidade, com desdém.
É uma coisa que é inútil a gente querer fechar os olhos, mas um dos sentimentos aos quais o homem é mais propenso e mais aberto, é o sentimento que lhe vem do fato de ele ser rejeitado por aqueles que são seus. A tal ponto isso, que por exemplo, no Evangelho de São João, uma das coisas que é dita a respeito de Nosso Senhor como um grande sofrimento e uma grande glória, é aquele... que Ele diz: “Que Ele veio para os que eram seus e os seus não O receberam”. Quer dizer, Ele deveria ser recebido por aqueles, deveria ser acolhido por aqueles, mas aqueles que deveriam fazer, não O acolheram. É um traço dominante da vida d’Ele, é um sofrimento muito grande que teve, e que é para ser sofrimento mesmo. A tal ponto é para ser sofrimento, que se uma pessoa não sofre com isso...
* Ser indiferente ao sofrimento é faquirismo: é preciso aceitá-lo com coragem
Às vezes eu vejo uma ou outra pessoa gabar: “Ah, eu lá bem pouco me incomodo”, não sei mais o quê. Eu tenho vontade de dizer: “Bem pouco lhe incomoda, não! Porque se bem pouco lhe incomoda, está qualquer coisa errada em você, porque é para incomodar”. E depois, não é verdadeira coragem a gente sofrer uma determinada coisa porque ela não incomoda. Imagine o sujeito ter, por exemplo, uma doença pela qual ele tem insensibilidade, nessa parte aqui da pele. Então, encostam brasa lá, aquilo chia e ele “bem! pouco incomoda”. Aquilo é um herói? Aquilo não é herói. Aquilo é um faquir. Quer dizer, é errado, o normal é que incomode e que se suporte o incômodo.
E assim também com essa sensação de rejeição, o natural é que incomode, o natural é que pese; que a pessoa tenha a coragem de sofrer isto porque deve sofrer, mas não é natural que não sofra.
* É o exemplo de Nosso Senhor em seus sofrimentos e também em suas alegrias
Aliás, nós vemos isso em numerosos episódios da vida de Nosso Senhor, o sofrimento que Ele teve em vários fatos concretos, em várias circunstâncias, por causa daqueles que não O receberam.
Com nós vemos a alegria e até a palavra — é incrível da parte de um Deus —, mas afinal de contas, a gratidão que Ele teve por aqueles que O receberam, por aqueles que foram bons para com Ele.
Quer dizer, isso é um sofrimento que um apóstolo de alma bem constituída deve ter. Não é natural que não tenha; é mal lançado, mal concebido que não tenha. É preciso ter e suportar. Pensar que não é sofrimento é uma tolice, ou então é uma anomalia da psicologia que não está direita.
* O sofrimento do “Chanteclair” rechaçado pelos seus vem: 1°) do instinto de sociabilidade contundido
Por quê que isso constitui sofrimento?
Constitui sofrimento por duas razões. Primeiro lugar, porque tudo aquilo que viola ou que contraria um instinto do homem, para ele é um sofrimento. Ora, o homem tem um instinto de sociabilidade cujo efeito próprio não consiste apenas em que ele viva no meio de um número grande de pessoas, mas em que ele viva num número também restrito — dentro do número grande, no número restrito — e que nesse número restrito, ele tenha um convívio harmonioso, um convívio correto, um convívio agradável.
Isto é o efeito próprio do instinto de sociabilidade. É claro que quando isso é cortado, quando isso é recusado ao homem, ele padece, porque lhe é recusado algo que está na sua natureza, que a sua natureza pede. E o mais grave dessa dor é que não é uma necessidade física que pede isso, mas é sobretudo uma necessidade espiritual; é espiritualmente que o homem tem necessidade desse convívio assim. E quando esse convívio lhe é negado, é a coisa mais normal do mundo que ele sofra com isso.
De maneira que o sofrimento desses pioneiros, que são os primeiros a levar a boa nova a um ambiente e que são rechaçados, que são pisados, que são recusados, que são subestimados, contra os quais se faz toda espécie de campanhas, este, o normal é que essa primeira penetração seja uma penetração muito dolorosa, mas muito dolorosa, e que a pessoa sinta essa dor e suporte essa dor, que ela tenha coragem de arrostar essa dor. Mas isso é que é preciso ser.
* 2°) Por ser objeto de uma injustiça
Bem, há um outro lado, que é também doloroso, e que é o fato da pessoa ser objeto de injustiça. Porque se ela vai a um lugar e ela leva uma mensagem, leva a missão de realizar uma coisa grandiosamente boa; mas, ela ali é objeto de uma injustiça. O senso de justiça, vivo em todo homem, infelizmente ainda mais vivos quando são direitos da gente que estão em cena, esse senso de justiça se revolta.
É uma coisa que faz parte da natureza humana, que o homem tratado com injustiça se indigna. Se muitas vezes, ele tratado com justiça, ele se irrita, quanto mais é compreensível que tratado com injustiça ele se irrite. De maneira que há ali um sofrimento pessoal dele, que é evidentemente um sofrimento que deve ser grande, que numa alma bem constituída deve ser grande.
* 3°) Causa furor ver Jesus e Maria recusados através do rechaço ignominioso da verdade, do bem e da ordem
Para o verdadeiro apóstolo, esse sofrimento não é o principal. O principal é ver que ele leva Nosso Senhor Jesus Cristo a um lugar, que ele leva Nossa Senhora consigo a um lugar, e que Nosso Senhor ali é rejeitado. Quer dizer, ele leva os princípios mais altos, ele leva a visão do universo mais perfeita, ele leva as verdades eternas, reveladas, que dizem respeito a Deus Nosso Senhor e que abrem a porta do céu. Ele leva o fundamento de toda ordem, de toda decência, de todo bem consigo. Ora, ele vê que esse fundamento de toda ordem, de toda decência, de todo bem, é ignominiosamente rechaçado. Este rechaçar ignominioso fá-lo sofrer como se ele fosse com Nosso Senhor a algum lugar e ele visse Nosso Senhor ser recusado.
Quer dizer, que propósito tem? Isso é uma coisa de levantar as pedras do chão; mas não tem propósito nenhum que Nosso Senhor seja tratado por essa forma, que a glória d’Ele seja obnubilada por essa forma, é uma coisa que eu não posso suportar, me revolta, me indigna. Naturalmente “o revolta” e “o indigna”, a gente deve entender o quê quer dizer. Não é uma revolta azeda, não é uma indignação personalística, mas não impede que seja um altíssimo furor e um furor fixo, estável, que o homem sente até quando dorme.
* Ser insensível a esse rechaço é não ter amor de Deus; mas a cólera deve ser racional, sem ressentimentos pessoais
Essa inversão de valores, por onde Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o sumo bem, a Igreja Católica, que a Igreja de Deus, são rechaçados; uma pessoa que diga que é insensível a isso, não tem amor de Deus.
Eu até acho que é muito importante a gente ter isso em mente, para um efeito colateral do assunto que nós estávamos tratando, quando tratamos o assunto Chanteclair; um efeito colateral que daria maior sentido às nossas fúrias contra as coisas que não vão bem no elemento católico.
Se nós tratássemos de ordenar esse furor, entendendo por onde é – mas entendendo raciocinadamente – por onde é que é razoável que nós estejamos sendo, enfim, por onde é que é mal que nós sejamos recusados; que títulos de irritação nós temos e pondo isso em hierarquia, e pondo muito mais em consideração o que diz respeito a Deus do que o que diz respeito a nós, para até fazer calar os ressentimentos pessoais e só ter em evidência os de Deus Nosso Senhor, nós teríamos uma atitude de mais mérito. Nossa cólera teria um fundamento verdadeiro, ela seria mais ordenada, ela não teria os extravasamentos que ela tem muitas vezes. O extravasamento procede sempre de um lado pessoal que evidentemente não é recomendável.
Isso é apenas um aspecto da questão.
* O mais sublime apostolado é o regado pela dor
Há um outro aspecto da questão. É o seguinte: vamos supor que uma pessoa leva, um indivíduo que faz o papel de Chanteclair num determinado ambiente, leva a graça ali, e é muito bem recebido ali. É normal que ele, por uma outra qualquer razão: doença – enfim o quê? – pobreza, ou qualquer outra coisa, ele sofra muito. Porque todo apostolado deve ser regado com dor, e não há apostolado que não seja regado com verdadeira dor. E esse apostolado do sofrimento eu considero — é claro que sob um certo ponto de vista, mas sob um certo ponto de vista eu considero mesmo — o mais sublime e o mais empolgante dos apostolados.
* Para obter o renouveau da Igreja cumpre unir-se à Paixão de Cristo, queimar-se como tocha, ser gota d’água no cálice
Agora, por que isso? A Igreja nos ensina que a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo teve um mérito superabundante; mas que, por uma disposição da vontade d’Ele, Ele quis que esses méritos fossem aproveitáveis pelos homens, juntando os homens um sofrimento seu ao d’Ele, em muitos casos, em muitas circunstâncias, em muitas situações.
De maneira tal que é um modo de nós nos unirmos ao sacrifício da Cruz. Modo do qual naturalmente os litúrgicos falam muito pouco, porque eles abominam o que eu estou dizendo. Mas que consiste no seguinte: para conseguir tocar tal alma, há os méritos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo, sem os quais nada se conseguiria, e substancialmente pelos quais tudo se consegue. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo quis — por uma disposição d’Ele, e uma disposição cuja beleza eu vou ressaltar daqui a pouco — Ele quis, por uma disposição d’Ele, que para aquela alma fosse necessário que meus sofrimentos se integrassem ali também.
E se é para eu conseguir uma grande conversão, se é para eu conseguir uma grande transformação, se é para eu conseguir um renouveau da vida da Igreja, é preciso que eu sofra inteiro, queimando-me nesse sofrimento como uma tocha se queima com fogo, de maneira a restarem apenas resíduos; e isso porque Nosso Senhor Jesus Cristo quis que isso fosse assim. De maneira que para aquela alma, para aquele grupo social, enfim, para aquele ciclo de civilização, aqueles sofrimentos estivessem unidos aos d’Ele para proceder, enfim, para que de fato toda a Paixão fosse útil para aquelas almas.
Eu ouvi dizer — eu não sei bem se é verdade — que aquela gota de água que o padre põe no cálice, quando ele prepara o cálice para o sacrifício, que aquela gota d’água simboliza exatamente o sofrimento humano, que de si nem é matéria para a transubstanciação, e que é colocado no oceano do sofrimento divino para ser oferecido junto com o de Nosso Senhor. Se não simboliza, pelo menos poderia simbolizar. Pelo menos exprimiria bem a coisa, exprimiria adequadamente a coisa.
* Simbolizados na água misturada ao vinho, nossos minguados méritos associam-se aos infinitos de Nosso Senhor
Porque é uma gota, mas é uma gota de água e não de vinho. É uma coisa tão diferente, enfim, que nem tem... mas que se mistura ali e que é objeto do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, é, pelo menos... – às vezes há sobre esses simbolismos da Missa, aliás validamente, umas considerações simbólicas um pouco arbitrárias, mas válidas. Essa seria uma consideração inteiramente válida. Pode ser arbitrária, talvez, sem fundamento histórico, mas que exprime algo, um pensamento piedoso que se pode ter nessa ocasião e que sempre que eu vejo o padre fazer, eu me lembro porque acho que incita muito, forma muito.
É a gota do nosso sofrimento no oceano das dores de Nosso Senhor Jesus Cristo.
(Aparte: - ... inaudível ...)
Não sabia, não. Interessante, hein. Também é?
(Sr.: ... inaudível ...)
É, dissolve-se no conjunto, na composição. Pois é uma lindíssima realidade. Quer dizer, aquilo que de si não é matéria para a transubstanciação, pelo fato de estar ali dissolvida naquele conjunto, aquela matéria física se transubstancia. E isso exprime bem o valor de nossos méritos – mingüadíssimos — quando unidos aos méritos infinitamente preciosos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, de nossa parte aquilo não teria valor, mas unido aos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo aquilo pode então ter um valor, que é um valor colossal.
* Além da ação e da prece, vêm o sofrimento, as apostasias e calúnias; tudo coopera para aplicação dos méritos da Paixão
O que eu acho muito bonito é quando esse sofrimento, que tem um caráter expiatório e tem um caráter impetratório, tem um caráter de um ato de amor, de holocausto desinteressado também, até antes de tudo, quando esse sofrimento tem esses três caracteres, vem misturado com a luta e as dificuldades. Quer dizer, é preciso levar a cabo esta obra num determinado meio, vêm as incompreensões, vêm as apostasias, vêm as calúnias, vêm os apodos, vem tudo e se precipita sobre o apóstolo. E ele luta contra aqueles obstáculos. E parece que a casa lhe cai em cima da cabeça, que Deus o abandonou.
Por quê que aquilo está acontecendo? Entre outras razões, de um modo muito importante, por causa disso: é que é preciso que ele sofra. É preciso que ele sofra, como é preciso que ele atue e como é preciso que ele reze. Se não houver o sofrimento dele, Nosso Senhor recusa os méritos da Paixão d’Ele. A aplicação do mérito da Paixão d’Ele, para aquele ambiente, para aquela categoria e para aquela alma.
* A beleza está em o homem ser chamado a completar a obra de Deus na Criação, máxime a obra prima que é a Redenção
Qual é a razão de ser disso e qual é a beleza disso? Isso está em toda ordem da Criação. Deus, tendo constituído, tendo criado seres inteligentes, e dotados de vontade, ele deixou intencionalmente que uma parte da beleza da Criação e da ordem da Criação fosse completada por esses seres. Assim, por exemplo, vamos dizer a natureza: há coisas lindas na natureza, mas Deus deixou que algumas das coisas mais belas da natureza fossem feitas pelo homem. Vamos dizer, por exemplo, o casulo da seda foi manifestamente feito por Ele para que o homem soubesse fazer seda. É uma coisa de si até feia, mas da qual o homem, pelo seu talento, tira um meio de fazer um tecido precioso, muito bonito etc. etc.
Quer dizer, são coisas, mil e mil coisas que existem na Criação, em que a Criação é como uma espécie de desenho — falávamos desses desenhos hoje cedo para os efeitos da Comissão B — desses desenhos que fazem para criança: que há umas linhas gerais e a criança tem que completar. A criação é desses desenhos assim. E o homem entendendo a Criação, amando-a e aperfeiçoando-a, ele é elevado por Deus à altura de continuador d’Ele na obra geral da Criação. E nisso há uma grande honra para o homem.
Ora, tendo acontecido que Deus, além de Criador, se fez Redentor e que Ele quis — ao menos foi necessário por um ato de vontade d’Ele, pelo menos, — ele quis que Nosso Senhor padecesse na cruz e morresse para os homens.
Era natural que nessa obra prima da Criação, que é a Redenção, o homem também fosse associado; e que ele, portanto, tivesse um sofrimento complementar a dar, que fosse além do sofrimento que vem da ação, ou então, a cooperação que o homem dá pela oração. É uma coisa que completa o plano geral da Criação, que constitui o plano geral da Criação.
* O fundador, tendo toda glória e peso da obra, irriga-a com o sofrimento até o fim do mundo; assim deveriam ser também seus primeiros discípulos
Aquele que inicia uma obra, tem a glória do iniciador da obra. Mas o resultado é que essa glória traz para com ele o peso tremendo de ele sofrer pela obra inteira. Porque assim como aquela obra até o fim do mundo vai existir — vamos dizer que exista até o fim do mundo — e vai produzir seus frutos, e aquilo vai ser glória para ele, é normal que ele irrigue com o sofrimento dele aquilo até o fim do mundo. Quer dizer, que ele tem um sofrimento que tenha todo o sofrimento da fundação. De maneira que aquele que sofre por nossa obra, aqueles que estão junto conosco aqui e que são os iniciadores, junto conosco, de uma obra grandiosa, e que participam dessa fundação, aqueles, é natural que sofram até, enfim, um sofrimento que seja proporcionado até onde essa obra deva viver.
E os que levam em primeiro lugar a graça para um determinado grupo social, e que são nesse sentido como que fundadores, devem também ter um sofrimento mais intenso do que os outros. É uma glória maior, é um sofrimento maior.
* Não tenho palavras para dizer a veneração, o respeito, a gratidão que sinto para com os que têm vocação de sofrer
Para isso, para suprir as fraquezas dos homens em tudo isso, existem na Igreja as almas que têm a vocação de sofrer. E eu confesso francamente, que quando eu penso numa alma que tem a vocação de sofrer, a sensação que eu tenho é a de São João Batista diante de Nosso Senhor – servatis servantis, porque Nosso Senhor é sempre Nosso Senhor – mas, quer dizer, eu teria vontade de dizer para qualquer alma, seriamente desejosa de sofrer e capaz de sofrer, eu teria vontade de me ajoelhar diante dela e dizer: “Eu não sou digno de desatar as correias de seus sapatos”.
De tal maneira me empolga, me entusiasma, eu respeito, eu venero, eu seria quase tentado a dizer que eu adoro essa forma de apostolado. Porque nada é mais nobre, nada é mais bonito, nada revela uma maior integridade de alma, nada revela uma maior sinceridade em todos os propósitos, e nada é mais eficiente em seu gênero próprio, do que a alma que sofre e que aceita sofrer por causa de outros. Barreiras enormes se abatem, preconceitos tremendos caem, dificuldades fabulosas se resolvem.
Homem, tudo acontece porque uma determinada alma resolveu ser conseqüente e resolveu aceitar o sofrimento até onde Nosso Senhor quisesse mandar-lhe esse sofrimento. Eu simplesmente não tenho palavras para dizer a veneração, o respeito, a gratidão emocionada, o sentimento de culpa e de vergonha que eu tenho diante de uma alma que realmente seja capaz de levar isso até o fim.
* A causa de nossa grandeza e sucesso, o sustentáculo da fraqueza e o remédio para a falta de virtude, abaixo de Deus, são as almas que se imolam
Eu vou dizer porquê de culpa e de vergonha.
Porque eu sempre tenho a impressão — impressão que eu não tenho elementos para justificar, mas eu tenho essa impressão — de que na raiz do êxito admirável de nossa obra existem almas que sofreram e que talvez já morreram, para isso que a nós nos está acontecendo, e que talvez ainda estejam vivas e estejam sofrendo, para isso que nos está acontecendo. E se eu tivesse a felicidade de conhecer uma alma assim, é fora de dúvida que eu me ajoelharia e lhe beijaria os pés; porque eu estaria diante — abaixo de Deus — da causa verdadeira da nossa grandeza, da causa primeira de nossos êxitos, da causa da minha perseverança, da causa do que possa haver de virtude em mim; porque se alguém por mim não tivesse tomado a cruz nas costas e tivesse ido ao alto do Calvário, eu não creio que eu fosse capaz de fazer aquilo que eu faço.
De maneira que este é o sustentáculo de minha fraqueza, este é o remédio para minha falta de virtude; isto, enfim, é propriamente a coisa que faz com que as nossas coisas vão por diante e elas dêem fruto; é uma ou são algumas almas assim, que resolveram fazer essa coisa que realmente me empolga, e que é de chegar para Deus e dizer o seguinte: “Ele merece tais raios; eu não mereço; mas eu venho aqui e eu me ofereço por ele. Eu vou suportar esses raios, eu vou suportar o fogo de vossa cólera, eu vou sofrer, eu vou ser infeliz para que aquele patusco, aquele sem vergonha, afinal de contas receba vosso perdão, vossa misericórdia, e faça a vossa obra”.
Isso é uma coisa que não tem palavras.
* Não há beleza que se compare à dor. Até mesmo em Cristo, o sacrifício da Cruz tem uma beleza que excede todo o resto
Alguém me dirá: mas por que o Senhor está falando com esse entusiasmo? Rezar não é muito bonito também? Agir não é muito bonito também?
É, e não só bonito, mas uma coisa desejada por Deus, querida por Deus, é preciso fazer. E quem tem vocação para fazer isso, é isso que deve fazer por obediência à vontade de Deus.
Mas, o Filion diz uma coisa verdadeira no livro dele. É que se se pode dizer que algo na vida de Nosso Senhor foi mais belo do que algo outro — e isto evidentemente se pode dizer — o sacrifício da cruz tem uma beleza que excede todo o resto da beleza, e é aquele sofrimento completo do Cordeiro de Deus absolutamente inocente, e que sofre absolutamente tudo quanto se pode sofrer, sofre voluntariamente prevendo o sofrimento que vem, e sofre com um ânimo, com uma continuidade, com uma resolução que não tem nada do tipo mole que diz que não sofre, porque sofre mesmo.
Nosso Senhor mediu e sentiu toda a extensão de seu sofrimento até o último ponto, portanto, sofrer, sofre mesmo! mas esse sofrimento que sofre — em última análise — lhe vem do fato de que Ele quis sofrer, e quis sofrer para nos remir.
Isso tem uma beleza que é uma beleza ímpar, não há beleza que se compare com isso. E é claro que as almas que Nosso Senhor chamou mais especialmente para se associarem a isso, são almas — é uma coisa indiscutível — são almas que nos empolgam e que fazem algo que muito pouca gente tem coragem de fazer.
* Há gente que age e reza. Onde está quem queira ter a dor como primeiro apostolado?
Gente para agir tem muita, gente para rezar tem muita. Onde é que tem gente para sofrer? Procurem! Gente que queira sofrer; que diga: “não, eu sofro; eu agora vou! Peço a Nossa Senhora que conforte a minha fraqueza, mas eu aceito, eu dou esse passo”. Onde é que nós temos isso? E entretanto, quanta coisa de bonita se passa nesse movimento e quanta coisa se conserta do que estaria quebrado, se limpa do que está sujo etc. etc. — em última análise — não aconteceria sem o sofrimento. É uma coisa [fabulosa]!
Bem, é natural que em nosso grupo, eu acharia normal que Nossa Senhora suscitasse almas dispostas a sofrer. E dispostas a fazer do sofrimento seu primeiro apostolado. Almas assim, eu diria que são as primeiras do movimento, e que fazem a coisa mais difícil, a coisa mais necessária, porque ardente, urgentemente necessário é isto: que alguém sofra.
* Sofrer é sobretudo aceitar o que Deus manda; quão inapreciável é haver quem se imole!
Isso é o que se deva querer, deve querer. E sofrer é o quê?
Não é só estar se flagelando, estar se martirizando. Não!
Sofrer é antes de tudo aceitar bem aquilo que Deus manda. De maneira tal que há coisas que nos fazem sofrer e que Deus permite que exista, ou há coisas que nos fazem sofrer e que Deus mandou, nós recebermos aquilo de frente, e dizer: “É verdade, é uma pena, eu sofro. Eu até posso agir para eliminar isso. Mas enquanto isso não for eliminado, eu recebo de bom grado, porque é uma coisa inapreciável para minha alma, é uma coisa inapreciável para as almas dos outros”.
É inapreciável, porque é preciso que alguém se imole. Não há uma expressão mais baixa, mais vil, mais vagabunda, mais botequinera, do que uma expressão que eu ouço às vezes em botequim, na rua, no barbeiro: “Vê lá! se eu sou um Cristo para agüentar tal coisa”. É uma expressão de uma sordice sem nome. Mas a expressão tem um pressuposto curioso: é que há “micro-Cristos” — se assim se pode dizer — que aqui, lá e acolá têm que se deixar crucificar para que as coisas vão bem. E que esses “micro-Cristos” — sem eles ali não têm nada feito — e que eles são a honra, a glória, a alegria, a vitória dos ambientes pelos quais eles sofreram.
De maneira que essa condição de sofrimento dentro da Igreja, ou de condição de sofrimento dentro do grupo, é uma condição inapreciável.
* O Grupo só será sério com gente que aceite com amor os sofrimentos de todos dias: psíquicos, financeiros e outros
E eu acredito mesmo que o grupo só será a realidade inteiramente séria que ele deve ser, no momento em que ele tenha gente que aceite isto assim, aceite com amor, aceite com alegria.
Eu estava falando ...
(…)
... amada, respeitada e conduzida assim. Quer dizer que é assim que nós devemos tomar nossos problemas nervosos, nossos problemas psíquicos, nossos problemas financeiros, nossas incertezas quanto ao dinheiro do dia de amanhã, que para muitos de nós existe; é uma coisa que nós devemos amar! Não é uma lepra da qual nós devemos fugir de todos os modos. A gente compreende, que a gente, por exemplo, de uma doença a gente pode sarar; de uma situação econômica difícil a gente procure remediar; mas, na medida em que não consegue, em que a coisa não vai, [deve-se] amar! Não é só aceitar, mas é amar aquilo. Eu estou na insegurança, eu estou sem dinheiro para o dia de amanhã? Devo amar essa insegurança.
Nosso Senhor disse que ele não estava nem sequer como as raposas que têm as suas tocas; Ele não tinha uma pedra onde pousar a cabeça. Se eu estou nesse risco, eu compreendo que esse risco causa horror à minha natureza. Eu compreendo isso. Mas eu devo, na medida em que Deus não me tire esse risco, amar esse risco, porque são as chagas de Cristo em mim, e é assim que eu devo considerar isso.
Quer dizer, é por essa forma que nós devemos considerar as nossas coisas.
* No meio de problemas, Dr. Plínio aceita tudo, até um lumbago
Eu me lembro, que uma ocasião eu estava numa situação de apostolado, devia desenvolver um esforço de apostolado, estava desenvolvendo, ao mesmo tempo com muitos aborrecimentos; de repente, me aparece pelo meio um lumbago. E alguém do grupo ficou assim um pouco chocado com esse lumbago. (Paulo, você quer acender lá fora um pouco?) Ficou um pouco chocado com esse lumbago. “Onde é que vão parar as coisas? Como é que Deus faz isso?”
Não! É bom que seja. É bom que seja. É claro que eu faço o possível para passar. Mas é bom que seja. Se Ele permitiu, foi bom. Porque eu estou sofrendo mais, estou carregando mais peso — é um sofrimenteco, não é uma tragédia — estou carregando mais peso e convém carregar mais peso, desde que ele me julgue capaz disso. Porque eu quero, ao menos na medida em que minha vocação comporta isso, eu quero unir meu sofrimento ao d’Ele. E se eu tenho que ser como uma azeitona que ele tem que espremer para sair o óleo, ou uma uva que Ele tem que espremer para sair vinho, ou um grão de trigo que tem que ser triturado para dar hóstia, é o que eu quero, e é o que eu tenho...
... eu sei que estou dizendo com enorme ênfase coisas que todo mundo sabe, mas elas me entusiasmam mesmo, de maneira que eu digo.
* “Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor”, como diz o Evangelho: a semente e o parto
É uma coisa que está na ordem da natureza, e até Nosso Senhor tem no Evangelho uma referência a isso, e é interessante, é que tudo aquilo que é verdadeiramente criador, tudo aquilo que verdadeiramente começa algo, é do sofrimento da natureza.
Assim, por exemplo, as sementes. As sementes são liberadas habitualmente pela fruta, elas são liberadas pela fruta num esforço, quer dizer, numa ação de decomposição da fruta. Elas nascem da morte. Vamos dizer, uma laranja, uma maçã, qualquer coisa, é quando a fruta apodrece e morre que aquela semente se liberta. E depois, aquela semente apodrece de novo. E é nessa segunda podridão, nessa segunda morte que vai nascer algo de novo.
Por exemplo, quando a mãe tem seu filho. Nosso Senhor, aliás, fala da alegria da mãe. Ela geme na expectativa do parto, mas quando o filho nasce, ela se regozija, não é verdade? Quando a mãe tem o seu filho, também é na dor. Todas as grandes coisas iniciais são concebidas e geradas na dor. E, portanto, essa dor está na ordem das coisas, Nosso Senhor a quer.
* “Meus olhos humilhados exultariam se eu visse que em nosso Grupo” um filão de almas foi chamado à dor até o fim
Duas pessoas que eu vejo hoje fora do movimento, em minha presença blasfemaram contra a dor. [..................] voltar aquele, voltar aquele outro. Isso não....
Se possível é, far-se-á na expiação e na dor. Não é uma questão de abrir uma janela ou uma porta e fazer entrar um tipo, ou discutir se esse tipo está em condições ou não está etc., etc., [....................]. Se isso fazer se deve, e com que seguir se deve, é na dor. É agüentando e suportando por aquele outro, se há um movimento da graça interior para isso. Mas é evidente que para tão grandes ingratidões, há dores que tem que haver. É evidente!
Eu tenho a impressão de que meus ossos – eu diria como Job — meus ossos humilhados exultariam, se eu visse que em nosso grupo há almas que Nossa Senhora chama para a dor e para o sofrimento, e que eram capazes de constituir até um filão especial do grupo para isso. Porque é uma coisa bonita ver, que os que dentro do movimento têm morrido, esses têm morrido com vantagem para o movimento. E eu aludo especialmente ao caso do Ablas. [Médico, Dr. Ablas]
Mas eu digo: por mais que eu faça e por mais que eu mesmo sofra, eu me sinto pequenino, eu me sinto cheio de respeito, de gratidão, eu não sei dizer o que é que eu sinto diante de uma alma, por exemplo, que é capaz de aceitar esse apostolado especial da dor e levá-lo até o fim.
* Nada tão admirável quanto o Carmelo de Lourdes que sofre e expia pelas conversões e milagres operados nas maravilhas da Gruta; o resto é lama
(Aparte: - ... inaudível ...)
Que bonito, hein! Que bonito! Que coisa linda, hein! Ah, tem.
E minha admiração pelos Carmelos femininos é essa.
Eu termino com uma coisa [que se deu] em Lourdes. Essa idéia, quando eu sempre que eu me lembro de Lourdes e das impressões que eu tive lá, essa idéia me vem à cabeça e coincide com o que Frei Jerônimo considerava agora.
Os senhores sabem que – segundo conta o Huysmans – há um Carmelo em Lourdes, cujas freiras têm por missão sofrer e expiar para conseguir conversões e curas na Basílica.
Então, quando há aquelas procissões luminosas, bonitas e com aquele povo alegre e aquelas curas e aquelas conversões e aquela glorificação a Nossa Senhora, ninguém está se lembrando do convento das carmelitas, onde tem gente morrendo, onde tem gente apodrecendo, onde tem gente sofrendo aridezes interiores e desolações interiores tremendas. E tudo isso para que todos os outros tenham alegria lá. Mas, aos olhos de Nossa Senhora, a fonte de toda alegria está naquele Carmelo. E elas têm compromisso de não pedir a cura delas. Então, adoecem etc, etc. .
Eu pergunto: há alguma coisa na terra mais digna de admiração do que isso?
Eu francamente não conheço.
Depois disso, a gente achar que é bonito o sujeito ser rico e ter cinco fábricas, e ser um grande orador e ser um grande não sei o quê. Meu Deus do céu, o que é que vale perto disso? É um punhadinho de lama. Perto de uma carmelita dessa, o sujeito ser um colosso, um diplomata que fez não sei o quê, é um punhadinho de lama; é nada.
* Santa Teresinha entendeu que sofrendo estava em todos lugares fazendo tudo
Santa Teresinha tem um pensamento lindíssimo a esse respeito — eu estou dizendo que termino e não termino, mas agora eu termino — bem, ela tem um pensamento lindíssimo a esse respeito. Ela diz que ela tinha vontade de ser tudo, ela tinha vontade de ser missionária em todos os cantos do mundo; padre em todos os lugares da terra; apóstolo, digamos, apóstolo leigo, em todos os campos; enfim, isso e aquilo, ela tinha vontade de estar fazendo tudo pela Igreja em todos os lugares e em todos os campos. E que isso chegava a constituir para ela um verdadeiro tormento.
Mas, a partir do momento em que ela entendeu, que sofrendo ela sofria pelos que fazem tudo isso é que ela estava em todos os lugares ao mesmo tempo fazendo tudo. Que aí ela encontrou ânimo de sofrer, encontrou paz para alma dela.
Não tem mais nada a dizer. E aqui, para nós nos sentirmos umas formigas insignificantes, ter vergonha até, é muito bom. Porque aqui é que a gente compreende o que nós fazemos: nada! em comparação com isso. É compreensível que diante disso a gente se emocione mesmo, até onde alguém pode se emocionar; que a gente venere, respeite, agradece até onde a gente possa agradecer.
Por que, afinal, o que dizer a respeito disso? Não tem nada que dizer.
Não sei se eu me exprimi com clareza ou não? Eduardo? Plínio? Paulinho? Celso? Fábio? Mendonça? Vita? Arnaldo? Está ortodoxo isso, meu Frei Jerônimo?
* Resumo esquemático da reunião
Bom, eu dou o resumo em alguns pontos. O resumo desse ponto é o seguinte:
Primeiro, a pergunta, depois a resposta.
Para um Chanteclair o sofrimento é inevitável:
a) porque a coisa o traz em si;
b) ou porque a Providência manda
A pergunta é: Qual é a utilidade, para o iniciador do apostolado num determinado setor social, digamos, para um Chanteclair, qual é a necessidade do sofrimento?
Resposta: duas gamas de necessidades. Em primeiro lugar, porque a coisa traz em si mesma um sofrimento inevitável, e deve trazer. Em segundo lugar, porque se não trouxesse, ainda seria preciso que trouxesse por uma disposição da Providência.
1°) O sofrimento é inevitável porque a rejeição viola:
a) o instinto de sociabilidade;
b) o sentimento de justiça;
c) o amor que temos pela glória divina.
Primeiro ponto: Qual é o sofrimento inevitável?
A alma bem constituída sofre com a rejeição que tem. Essa rejeição viola o instinto de sociabilidade, que é um instinto da alma humana, e portanto, um instinto muito mais dolorido até do que os do corpo. Em segundo lugar, ela viola o sentimento de justiça, que no homem é muito vivo, sobretudo quando ele está, ele mesmo, em foco, é objeto da injustiça. E em terceiro lugar, viola o amor que nós temos pela glória de Deus, que é rejeitada, que é escorraçada por aqueles que não querem recebê-la.
– Exemplos de Nosso Senhor em seus sofrimentos e alegrias
Exemplos do Evangelho:
O Evangelho de São João fala desse sofrimento de Nosso Senhor, in proper viam, inter exuliament[?] non receberunt. Ele não foi recebido, “Ele veio junto aos que eram d’Ele e os d’Ele não o receberam”. Numerosos episódios da vida de Nosso Senhor, em que ele se queixa da ingratidão com que Ele foi recebido. Por outro lado, manifestações do reconhecimento d’Ele quando Ele era bem recebido. Tese de que é uma “megalice” ou é uma insensibilidade moral, a pessoa ser indiferente a essa rejeição. Essa rejeição a pessoa sofre com ela e deve sofrer.
2°) Deve-se sofrer por disposição de Deus, embora haja casos em que não há rejeição.
Bem, em segundo lugar, há casos, evidentemente, em que essa rejeição não existe.
Eu me lembro de ter ouvido o caso de um bem-aventurado, eu não me lembro o nome dele, que era tão estimado pelos alunos dele, que uma vez ele foi ao campo, dormiu e quando ele acordou, os alunos — que eram crianças — tinha desfolhado não sei quantas folhas em cima dele; ele estava envolto no meio das folhas. Para um “mega”, não há coisa mais flateuse do que isso. Bem, está bom. Mesmo num caso desses deve sofrer. Deve sofrer por que? Por disposição de Deus.
– A disposição de Deus:
a) visa completar a Paixão com o contributo pessoal
Primeiro ponto: no que consiste essa disposição? Consiste em que o homem, pelo seu sofrimento, complete algo na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; Paixão que é superabundante de méritos, mas Deus quis que fosse assim.
Agora, portanto, em muitos lugares, ou junto a muitas pessoas, a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo fica como que suspensa na superabundância de seus méritos para converter as pessoas, ou para santificar alguns que já são bons; fica como que suspensa à espera de alguém que resolva dar o contributo de sua cooperação pessoal.
b) o homem deve completar a obra da Criação, máxime a Redenção
Agora, depois de enunciado o ponto, a apreciação do ponto: por quê que é isso?
Porque Deus quer que o homem, ser inteligente e dotado de vontade, coopere nas suas obras. Exemplos com a Criação: é uma espécie de desenho vago de que a gente deve depois dar as notas precisas, deve explicitar, portanto, exemplo na Criação; e em segundo lugar, exemplo no que diz respeito à Redenção.
Em todas as obras — a Igreja quase toda se explica por isso — Nosso Senhor pregou, temos que pregar; Ele andou, temos que andar; Ele sofreu, Ele redimiu, temos que sofrer — de um minúsculo sentido, sentido até incorreto, digamos, co-redentores —, temos que auxiliar, concorrer com nossos sacrifícios na obra da Redenção.
c) Simbolismo na gota de água no cálice
Depois, o exemplo da gota d’água posta no vinho do cálice, no vinho do padre, na Missa, e que é transubstanciada com o vinho.
3°) Apreciação do mérito: o sacrifício da Cruz tem uma beleza que excede todo o resto
Bem, isto posto, apreciação sobre o mérito disso.
Mérito enorme, porque na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo se pode dizer que nada há de mais belo do que a Redenção efetuada por Ele. Não há coisa mais bela do que isso. Não há coisa mais nobre. E é, em última análise, desse sacrifício que nos vieram todas as graças que temos; que as portas do céu se abriram etc. etc.
– Donde, a vida de sofrimento é a mais bela na Igreja
Portanto, servatis servandis, mas também é real, que na vida do homem o sacrifício que ele aceita assim é o mais belo e que, no conjunto da Santa Igreja, os sacrifícios que a pessoa sofre, das almas sofredoras, chamadas para uma vida de sofrimento, representam o que há de mais belo dentro da Santa Igreja.
– O exemplo de Santa Teresinha: pelo sacrifício ela era tudo
Uma apreciação sobre a eficácia disso: Santa Teresinha: que queria ser cruzado, queria ser missionário, queria ser tudo quanto se faz dentro da Igreja e sofreu uma espécie de tormento por não ser isso. Compreender que pelo sacrifício ela era tudo isso. Ela estava trabalhando por todos aqueles que, por todos os cantos da terra, estavam trabalhando pela Santa Igreja Católica.
E eu creio que é o sentido mais verdadeiro daquela coisa de que ela faria cair sobre o mundo uma chuva de rosas. São essas energias, esses recursos espirituais para etc., etc.
– Aplicação prática: amar os sofrimentos que venham sobre nós, beijar a cruz, em espírito de reparação
Aplicação prática para nós: quando nós sofremos qualquer coisa, nós não devemos considerar isso uma lepra. Doenças, perturbações nervosas, perturbações psíquicas, carências mentais, pobreza, incerteza quanto ao dia de amanhã, compreende-se que a pessoa queira sair disso. Mas deve amar muito o estar nisso.
E enquanto Deus não lhe permita sair, deve beijar essa cruz com muito amor e carregá-la com alegria. Há nisso, então, para encerrar, uma oblação desinteressada a Deus como prova de amor, porque o sofrimento é a melhor prova de amor. Há uma participação na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Há uma reparação, que está ligada a essa participação, dos pecados, das infidelidades que todos os outros cometem.
– Raridade: muitos rezam e trabalham. Quantos querem sofrer?
Raridade desse apostolado: muitos há que rezam, muitos há que trabalham, quantos são os que querem sofrer?
Aqui está o ponto de interrogação final.
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1 Estava como Reunião Normal. Nos Sábados à tarde eram realizadas reuniões para os membros do Grupo da Rua Martim Francisco, na Sala dos fundos da mesma sede; e, no domingo, para os membros da Pará, na Sede do Reino de Maria, da rua Pará.
2) Segundo o Sr. Roberto Guerreiro, esta é a data correta.