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Reunião Normal — 24/5/1962 — Quinta-feira [RN347]

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É preciso prestar muita atenção nesta parte agora aqui, de Marx, que é a doutrina de Marx exposta por esses dois autores, para a gente compreender bem o papel do capitalismo dentro do sistema marxista. Quer dizer, Marx não considera propriamente como se costuma imaginar, o regime capitalista um regime injusto, um regime odioso, ele considera que é uma etapa, como outra qualquer da história da evolução do mundo. Uma etapa que se deve ver com antipatia, porque ela chegou a seu fim e deve ser superada, como tudo que vai sendo superado pela História, mas não propriamente a crítica que ele faz, vamos dizer, a crítica que ele anuncia no sistema dele, não é a crítica feita contra um processo por razões dos utopistas, mas é uma crítica apenas nisso: é uma coisa superada que deve acabar. Mais ou menos como um homem poderia criticar a infância. A infância tem certos lados pequenos, certos lados mesquinhos, certos lados débeis, é a etapa da história do homem que acaba e que depois deve ser substituída por outra. E está acabado. Quer dizer, é um critério exclusivamente evolucionista.

E nesse critério, ele vai dar agora qual é o papel do capitalismo. E nós vamos ver então o serviço que o capitalismo, segundo ele, prestou à evolução, que nós chamamos de Revolução, e o serviço que, aliás, como é agora que o capitalismo vai morrer.

Agora, é muito curioso que o ponto de partida para ele, é um fato. E é um fato que ele não qualifica como fato moral, mas que nós vemos que é um fato moral. E o fato é o seguinte: é que o homem que detém, a classe social que detém os meios de produção, e que acaba sendo aquela espécie de tarzam de produção econômica, que nós vimos na reunião de ontem (Socialismo I), aquela classe que detém os meios de produção, e que trabalha exageradamente, que acumula exageradamente, que produz riquezas exageradamente, é movida por um desejo fatal e necessário de acumular riquezas. E, movida por esse desejo, que é um desejo inelutável, ela tem uma conduta que produz a ruína do sistema capitalista, e a própria ruína da classe. Quer dizer, por que chamo isso de um fato moral? Porque é evidente que é um fato moral, o fato de haver uma cobiça ilimitada que produz a ruína de uma determinada classe. Ainda que ele não se preocupe com o fato, ou que sendo determinista, ele considera esse fato inevitável, esse fato é um fato moral. E o que é curioso, como se vai ver no raciocínio de Marx, é que ele que quer tudo, que quer acabar com o sistema capitalista, só há uma coisa que ele não considera: é uma lei do Estado cerceando essa ganância excessiva do capitalismo. Ou então, a influência de um princípio moral, que cerceia essa ganância, excessiva. Isto não existe. O capitalismo canceroso que acumula demais, é uma fatalidade e contra ele não se pode fazer nada. É preciso deixá-lo fazer.

Agora, a partir então desse acúmulo excessivo, então a partir disso, vem uma crise e essa crise ele acha boa. Quer dizer, está-se vendo como há, portanto, um fato moral aqui, que está na base da Revolução e que ele não quer qualificar de fato moral, ele não olha para esse aspecto moral do fato.

Como ele vê a coisa? Que antigamente, na economia fechada, quer dizer, quando cada região produzia para se manter a si própria, havia o que se podia chamar uma economia de consumo. Quer dizer, a produção era diretamente para o consumo de um determinado grupo humano. E não visava mais do que o consumo desse grupo humano.

Vamos dizer, por exemplo, naquela fazenda da avó do Pacheco em Itu. Que ela tinha uma fazenda enorme que produzia tudo quanto o fazendeiro precisava. Tinha carne, tinha trigo; precisava só de sal e tecidos. Fazendo abstração do sal e dos tecidos, que já vem a ser algo que rompe com o sistema de economia fechada, nós vemos que essa economia só tendia a produzir afinal o necessário do consumo. Cada um produzia o suficiente para que aquele grupo humano se abastecesse. Porque a finalidade daquela produção era apenas atender a necessidade e consumo daquele grupo humano.

Agora, diz ele, apareceu depois a economia aberta. Quer dizer, não mais de um grupo humano produzindo para si próprio, mas de grupos humanos que produzem para poder permutar víveres, com outros grupos humanos. Por exemplo, então uma divisão de trabalho, uma parte de uma nação produz trigo e outra parte da nação produz vinho e outra parte produz, por exemplo, mel, e outra parte produz carne, e permuta-se dentro da nação esses artigos. Depois, a economia se torna ainda mais aberta e os países exportam até para zonas muito distantes, com o progresso da navegação eles exportam esses artigos, e a economia tende a tornar-se internacional.

Com essa economia internacional, diz ele, o ponto de vista do produtor muda. Em vez do produtor produzir para o consumo de um determinado grupo, ele produz para obter um lucro, que não é apenas um lucrinho destinado para ele viver, mas é quanto mais lucro, melhor. Então, não se tem mais em mente na produção as necessidades do consumo, mas cada um começa a produzir despreocupadamente. E quanto mais produzir, melhor é, porque fica mais rico. Então, começa uma espécie de desordem dentro da produção, que tem como causa, em última análise, um fato moral, que é o desejo de lucros muito grandes, de onde então, uma desordem produtiva.

Depois dessa noção do lucro, ele entra com a noção de concorrência. A concorrência - diz ele - entre os vários que produzem, dentro desse sistema de economia aberta, é tanto maior quanto maior é a produção. Quer dizer, se há muita gente que produz vinho, por exemplo, então, começa a concorrência para o mercado, porque o mercado acaba sendo relativamente pequeno ou muito pequeno para o consumo e cada um quer forçar o mercado para ficar dono do mercado, para produzir exclusivamente para aquele mercado. Então começa uma espécie de competição dentro do mesmo ramo, uma concorrência em que necessariamente um tipo ganancioso, tende a eliminar todos os concorrentes e ficar dono do mercado. E então, a concorrência produz um terceiro fenômeno - nós passamos do lucro para a concorrência, vamos passar à concentração.

A concentração dá-se na seguinte maneira: na concorrência cada um procura oferecer um produto mais barato. Oferece um produto mais barato, então, para ele ter lucro, ele tende a vender muito. E daí então, dá-se o fato de que o dono do mercado, quando ele e dono do mercado, ele teve, para vencer a concorrência, que fazer uma concentração enorme de capitais. Porque ele teve que comprar muitas máquinas, ele tem que fazer muitos investimentos. Ele teve que constituir uma rede de lojas enorme, ele teve que fazer uma organização colossal. Quer dizer, o investimento ficou colossal. E então, ele é o dono do mercado, ele aplicou uma multitude de dinheiro dentro deste estabelecimento. Foi, portanto, uma concentração de capitais.

Agora, diz ele, o quarto fenômeno, é a baixa do lucro. Porque diz ele o seguinte, que logo que se dá a concentração, quer dizer, que para conquistar o mercado foi preciso aplicar muito dinheiro, há um determinado momento em que a produção se torna tão grande, que para o indivíduo conseguir vender o seu produto, até mesmo sem concorrência, ele é obrigado a baixar o preço. A concorrência abaixa o preço e a saturação do mercado leva a baixar o preço de novo. Então, há uma espécie de desequilíbrio: o capital está colossal, mas o lucro produzindo por esse capital, tende a ir declinando. E nós temos então um fenômeno de baixa de lucro. Desse fenômeno que com está se vendo é um fenômeno defeituoso, e que ele apresenta como uma espécie de conseqüência necessária da economia aberta, decorre algo que acaba sendo o seguinte, que o capitalista está preso numa roda. Ele vai aplicando cada vez mais capital, e entretanto ele vai cada vez mais tendo lucros pequenos. Ora, como seu objetivo era o lucro, nós vemos que ele está posto numa espécie de reviravolta e que ele [mal?] sai dessa reviravolta, que é o prenúncio exatamente da crise do capitalismo.

Dessa doutrina, Marx deduz as seguintes coisas: que representam por assim dizer as queixas do operário. Mas antes de dar as queixas do operário, eu achava interessante então resumir:

Há uma primeira noção de lucro, da economia que visa o lucro e não mais o consumo. Essa economia que visa o lucro e não o consumo resulta da economia aberta em vez da economia fechada. A economia aberta gera pela ganância e pelo desejo de lucro do produtor, gera necessariamente a concorrência. A concorrência gera necessariamente o monopólio. Gera de outro lado a concentração enorme dos capitais. E depois, a própria concentração dos capitais e o monopólio geram necessariamente a baixa do lucro. E gera, portanto, um regime que a máquina econômica não produz aquilo para que foi constituído. E gera, portanto, uma espécie de crise, que é a crise que nós vamos analisar.

E a essa altura então que Marx diz o seguinte: em primeiro lugar, ele aponta no capital de uma empresa, dois elementos. O primeiro elemento é constituído pela máquina, pela construção, pela matéria prima. Quer dizer, portanto, também pelo dinheiro que circula pela empresa, para a empresa mover-se. Ele chama isso aí de capital constante. É constante, porque é um capital que está ali representado por dinheiro ou representando por bens. E, portanto, está por assim dizer consolidado, petrificado, materializado. E há um outro fator que concorre para a produção, e que ele chama de capital variável. Esse capital variável para ele, é a mão de obra. Então, ele constitui um conceito que é o seguinte: o capital de uma firma, é um capital constante, que é o que nós chamamos de capital, mais o capital variável, que é o trabalho. Isso é que é o capital de uma firma. Quer dizer, ele desloca, portanto, a noção de capital para considerar que o trabalho é um capital também, porque é um fator de produção.

Diz ele então, que o preço de uma mercadoria, deve pagar duas coisas: primeiro o que ele chama o trabalho passado, que é a matéria-prima, o desgaste da máquina e as construções. Quer dizer, como o trabalho e capital condensado, então, aquele capital constante que são as máquinas, etc., aquilo vai se desgastando e precisa ser reparado. Mais o que ele chama de trabalho novo, que é o trabalho do trabalhador. E, diz ele como o trabalho passado, apenas transmite seu valor à mercadoria, quer dizer, numa mercadoria produzida, o trabalho passado sempre transmite o mesmo valor à mercadoria, aquilo que a mercadoria vale a mais do que o conserto e do que a reparação e a conservação do capital, aquilo é próprio do trabalhador.

De onde então, ele diz o seguinte…Ele nega, portanto, a propriedade privada. Quer dizer, todo esse raciocínio é irrepreensível a partir da idéia de que não existe propriedade privada. Então, naturalmente, porque se não há propriedade privada, está duto perfeito. Mas, exatamente nó afirmamos que há propriedade privada. E, vejam com que cuidado ele procura esquivar as disputas filosóficas. Por que não há propriedade privada? Essa é uma questão filosófica. E essa ele esquiva, como se nem existisse; ele dá como um dado líquido nesse livreco dele, que isso é assim, Marx diz isso. Ele dá como dado líquido que isso é assim.

Diz ele então, que há um roubo, porque a plus valia que é exatamente aquilo que o produto vale e que não é a conservação e a amortização das máquinas, isso vai para o dono. E o dono, o único jeito que tem de defender-se da baixa de preços que eu descrevi, é explorando o operário. De maneira que daí nasce necessariamente um conflito de interesses que é a luta de classes. Porque o dono, como cada vez o preço do produto vai baixando, tende a explorar o operário para ficar dono do produto. E o operário de outro lado, que é o verdadeiro dono das coisas, luta contra o dono para acabar com essa figura do dono que não tem mais razão de ser. É o espoliado, que realiza aquele binômio de que falávamos ontem, dessa alienação progressiva. Aqui está mais um fenômeno de alienação para ser realizado.

É por isso também que nós compreendemos o seguinte: ele não considera o juro do capital como elemento do preço da mercadoria. Hoje, por exemplo, vamos dizer, eu entro com um dinheiro para uma máquina, o dinheiro com que entrei para a compra daquela máquina, deve render juros para mim numa indústria. Ele não considera isso, ele nega isso, que é a sociedade privada exatamente. Há um pressuposto, portanto, de caráter filosófico dentro disso, e que ele passa por cima. Ele esquiva completamente.

Agora, o resultado é o seguinte, que há inevitavelmente a partir da ganância do produtor, e a partir do fato de que a máquina produz necessariamente mais do que o consumo exige, existe então uma crise do capitalismo. Uma luta de classes e uma crise do capitalismo.

Os senhores estão vendo aqui o reconhecimento de um fato curioso, um duplo fato curioso, que é em primeiro lugar, mais uma vez o papel do grande produtor econômico como fator da Revolução. E, em segundo lugar, o papel da máquina produzindo de mais, ensejada por um tipo de homens que já não têm outra preocupação senão ganhar desmesuradamente e a máquina produzindo de mais e criando a crise. Então, a crise, nós poderíamos dizer que nessa concepção resulta de um binômio que é o businesman por demais produtivo na economia, mais a máquina, que produz ela também de mais, e que não tem atenção às condições do consumo. De onde então, decorre exatamente uma catástrofe do sistema capitalista. Agora, o que é curioso é o seguinte: é que ele não considera nem um pouco a necessidade então de uma legislação ou de uma moral ou de um sistema que evite isso. Ele acha que isso é fatal e que isso está bem. Quer dizer, transforma-se o céu e a terra, luta-se na sociedade inteira, mas a condição e: dar ao capitalista o meio de usar da máquina para empanturrar desmesuradamente os mercados por meio da super-produção. Isto, é um dado que não pode ser alterado. Isso: a liberdade do capitalista ganancioso e super-produtor, é um dado que não pode ser alterado. Planificação, só para o socialismo. Nessa fase, uma certa intervenção moderada para produzir um certo equilíbrio moderado, um uso criterioso da máquina, de maneira que ela não produza mais do que o necessário, etc., tudo isso fica completamente abolido. E isso está na base das crises.

Em que medida isso aí interessa ao estudo que fizemos sobre a máquina? É um depoimento que não bem… Estudo, não; ao problema que nós levantamos a respeito da máquina. É um depoimento que não vem de nós, é um depoimento a vem do outro extremo do horizonte, porque precisamente provém do comunismo, e é um depoimento que confirma também a nossa impressão de que a máquina usada sem critério, sem limite nem moderação, e a produção econômica feita sem eira nem beira, tem que atingir necessariamente a tal super-produção. E que realmente o sistema mecânico e técnico moderno de produção, é pesado demais para a capacidade de consumo da humanidade e que tem de produzir essas ou outras desordens. Isso não quer dizer, notem bem, e eu tenho a impressão de que esse ponto é importante, que se deva ser contra a máquina. Mas isso quer dizer que o problema precisa acabar sendo posto em outros termos: se a máquina como ela está concebida serve para uma produção exagerada, o que seria possível fazer para ter máquinas que não sirvam à produção exagerada e cujo custo seja proporcionado a uma produção moderada. E quê outros usos tirar da máquina para a utilidade humana, que não sejam essas de uma produção exagerada. Então, o problema da máquina se desloca não é mais de, sabendo que a máquina produzindo produções molochs, uma vez que o businesman não deve se entregar a esse sistema de concorrência e de concentração de capitais por meio de um trabalhador que é uma luta maluca, mas também ele deve se contentar com uma fortuna proporcionada ao que ele deve ser, e não deve ter o lucro por ideal de sua vida, porque deve gostar de descansar, deve gostar de arte, deve gostar de poesia, deve gostar de cultura, de ter vida de família, de repouso e não pode ser um macaco elétrico de trabalho, deve sobretudo querer ter lazeres para praticar a religião, para poder meditar, para poder ter vida espiritual e, portanto, o ritmo dos negócios na pode ser tão grande, então, diante de um tipo humano que não seja uma máquina de produzir e a serviço de uma sociedade que não quer produzir mais do que o necessário, qual é o papel da máquina?

Aparecem naturalmente aí uma porção de problemas. Porque, às vezes, a máquina só se justifica diante de uma produção muito grande; então ela não poderia existir. Mas, não haveria meios de fabricar máquinas que se compensassem a si mesmas dentro de uma produção pequena? O progresso a mecânica não poderia exatamente conduzir até aí? Então, numa construção industrial, não gigantesca, visando uma produção não gigantesca, qual seria o papel da mecanização? Aqui é um campo completamente diverso do sim ou não da mecanização, como fizemos na reunião anterior. E a gente vê que o bolo começa a partir num lado onde …[faltam palavras]… certo sentido, porque nem é o repúdio completo da máquina nem é o gigantismo da máquina, mas é um sistema mecanicista, meio proporcionado ao homem e que o homem possa manusear sem se sentir achatado, devorado e emaluquecido por isso.

Há uma porção de coisas aqui que a nossa Comissão de Economia deveria estudar oportunamente, por exemplo, o seguinte: nós falamos máquina e artesanato como coisas completamente distintas. De fato, não pode haver uma utilização da máquina a serviço de uma produção até artesanal? Eu me lembro, por exemplo, que em Toledo eu vi um sujeito que usava uma máquina parecida com aparelho de dentista para fazer com a própria mão, aqueles arabescos no cabo de uns determinados punhais. Quando nós visitamos Toledo, nós vimos isso. Ora, isso não perde o seu caráter artesanal, mas é uma produção mecânica, que é completamente dominada pelo homem e que pode produzir alguma coisa em que entra ainda a marca humana e que entretanto, afinal de contas, é mecânica. Quer dizer, até que ponto ma máquina pode servir ao artesanato? Como seria a utilização de uma mecânica a serviço de uma produção proporcionada ao homem e a serviço de uma economia de tamanho humano, isso também não sei. É uma coisa para se estudar, pelo menos em traços gerais. Mas, o que importa muito aqui, é a gente notar o seguinte, que algo nessa crítica é verdadeiro enquanto repúdio de um sistema de cobiça desenfreada em que todo mundo quer principalmente ficar rico, não quer os outros lazeres da vida, não dá outros valores à vida e vive trabalhando. É uma concepção mecanicista e trabalhista da vida. E de outro lado então, uma espécie de mecanicismo moloch da indústria, que também acaba produzindo de mais. Desse lado, me parece que existe algo de verdadeiro.

Há um defeito moral, em que o homem exatamente não quer o dinheiro para a utilização de sua vida, mas ele quer o dinheiro para ser rico no sentido absoluto da palavra. Porque um homem que queira o dinheiro para auxiliar sua vida, ele há de querer bastante dinheiro para estar na proporção daquilo que ele é organicamente. E evitar a tragédia daquela senhora (…) que era dona daquela casa que era uma espécie de …falta palavra]… dentro da casa (…) que enriqueceu tanto, que a coitada era uma pobre lavadeira e dizem que ela tinha um tanque de lavar roupa de mármore, porque ela não conseguia deixar de lavar roupa. E podia ser uma boa mãe de família, uma boa senhora. Ela enriqueceu de mais para as proporções dela e caiu numa tragédia. Mas então é por quê? É porque o produtor não deve ter em vista o lucro, mas ele deve ter em vista o lucro apenas na medida em que o lucro traz uma vantagem para a sua pessoa. E fora disso, não trabalhar. Ter tempo para passear, ter tempo para viajar, para descansar, ter dinheiro só na proporção do que ele use, etc. Quer dizer, aqui ele diz bem: o objetivo do produtor é o lucro. Mas ele subentende uma coisa: que é razoável que o sujeito sempre procure ganhar o mais possível ou pelo menos que o sujeito ganhará de fato. Que se entrega a essa cobiça e ganhará de fato. Agora, como isso é diferente, por exemplo, do ritmo de vida alemão, que é um ritmo de vida intensamente produtivo, como nós acabamos de ver na Alemanha de após-guerra, mas que não comporta o corre-corre americano e que não comporta a mania de cada um ficar riquíssimo. Quer dizer, comporta uma vida metódica, com passeios, com excursões, com representações de ballet, etc. Há uma concepção da vantagem impessoal dentro disso.

É uma espécie de velha mania à la Kaiser, intensamente produtiva, muito rica, mas em que cada homem levava a vida num ritmo diferente.

- Se eu monto uma máquina caríssima, é preciso que ela se pague e que, portanto, pelo valor que a produção em, ela paga o capital que eu pus ali. E, portanto, ou ela produz um produto muito caro, que encontra uma aplicação, ou produz um produto barato, mas que encontra muita saída. Eu não posso montar uma máquina que não se pague a si mesma em nenhum desses dois conceitos.

Agora, também tem isso: um preço elaborado completamente sem o valor de um concorrência, eu quase não consigo conceber. Porque, como se apura em última análise o preço? É claro que não é uma pura resultante da concorrência. Mas é algo que em sua determinação comporta uma influência da concorrência como elemento [fixador?].

Aliás, aqui também tem outra coisa que concorre para o aviltamento da concorrência: é a cretinização do público, que vai aceitando formas de propaganda idiotas, que se deixa aliciar por todo o mecanismo de propaganda idiotas, que se deixa aliciar por todo o mecanismo de propaganda de um tipo de vitrine (…) evita a concorrência fraudulenta, porque o sujeito faz um produto, vamos dizer, sabonete Gessy, porque é quadradinho e cor de rosinha, e portanto, dá ao sujeito o gosto de mexer com aquilo, ele compra sem o mínimo discernimento, sem saber se é melhor ou pior do que outro sabonete. Resultado, o nível da concorrência baixa pela cretinice organizada do consumidor.

Aqui entra a diferença entre os anúncios norte-americanos e os anúncios europeus. Anúncio europeu, contendo uma completa análise do artigo. E o anúncio americano, contendo uma fotografia: laranjada marca não sei o que; um copão de laranja e com um jogo de luz dentro. De maneira que o sujeito fica com um jogo automático na língua, quando vê aquilo. Então, compra. Que é como se atrai um bicho para beber qualquer coisa. Mas não há a presença do elemento intelectivo de nenhum modo nessa propaganda. Quer dizer, a propaganda vence pela cretinice. Seria uma espécie de demagogia comercial.

Eu li um anuário de propaganda comercial, uma análise de um debate de representantes comerciais; falava-se sobre propaganda. E era tudo taquigrafado ainda, não havia nem fita magnética. Então contava que o sujeito recebeu um óleo de uma categoria comum para fazer propaganda. Ele ficou muito atrapalhado e o homem mostrou para ele uma análise do departamento de higiene, provando que o óleo era bom. Então, um dos quesitos era se o óleo era climatizado. Resposta: sim. Ele teve um estalo na cabeça e disse que todo óleo tem que ser climatizado - não sei bem o que é climatizado. Ele publicou: óleo tal, subtítulo: climatizado. Essa idéia de uma adequação do óleo às variedades do clima produz no sujeito uma reação orgânica, com a sensação de que ele já tomou óleos quentes, etc. então este é climatizado. E a idéia dos males de um óleo quente em tempo quente, e as vantagens de um óleo mais quente em tempo frio, produz uma reação tal, quase abdominal, depois é uma palavra sonora, bonita, climatizada, tudo junto; diz que esse tipo de óleo teve uma saída tremenda. E eu me lembro de ter ouvido anúncios em rádio: “óleo não se o que, climatizado”. Quando não é uma coisa mais vil como um óleo que anunciava: “Maria, sai da lata, etc.”, era engraçado, vou comprar óleo Maria. Naturalmente um concorrente cretino, burro, que é manipulado por isso.

Agora, é engraçado que esses fatores psicológicos estão inteiramente alheios a essa impostação por demais rígida da fenomenologia econômica. Porque não convém ao evolucionismo deles.

Outro exemplo: integral, pão integral. “Você que come seu pão, com um certa sensação de que tem algo, e é …falta palavra]… raspada e não trigo, você comendo pão integral fica oh lá lá”… Como também SR em pasta de dentes. Todos nós ao escovarmos os dentes temos a sensação desse SR, que é algo de misterioso que eu sentia que estava faltando, eu compro porque tem SR. Agora é com clorofila, mas podia ser vitamina, por exemplo, pasta de dente vitaminizada faria um sucesso: “você, além de ter sua limpeza, chupa vitamina”. A pessoa pensa: “puxa, durante cinco minutos fico chupando vitamina, chupando vida”.

Quer dizer, é um tal abismo de cretinice, que eu não saberia o que dizer.

Depois de ter descrito por esta forma o processo capitalista, e portanto, aquilo que se chama Revolução Industrial, que é fazer a crise do capitalismo pelo homem de negócios hipertrofiado e pela máquina hipertrofiada, pelo homem que corre de mais, que trabalha de mais, pela máquina exageradamente grande, eu preciso dizer que me parece que em todas essa coisas más, isto por algum lado é muito coerente, mas há alguma coisa apresentada meio unilateralmente. Porque é evidente que o poder econômico de que nós falávamos ontem, não provém apenas da grande concentração de capitais. O poder econômico não provém apenas da máquina, mas provém também de uma porção de outros fatores. Por exemplo, o saber manipular o crédito, o saber manipular a moeda, o ter bancos que saibam pesar sobre o conjunto da economia, o ter indústrias-chaves. É claro que essas coisas, um indivíduo sem capital não consegue, sem grande capital não consegue; são até certo ponto produto de uma concentração. Mas se o poder econômico fosse apenas no seguinte sentido: um homem que tem muitas terra, o poder econômico dele é muito menor do que o que sabe manobrar essas leis da economia. E que, portanto, o poder econômico vem muito, além da concentração, de uma capacidade de saber mover a economia inteira de maneira a que ninguém mais é dono do que é. E isso também, ao menos nesse miserável resuminho, não está dito que Marx diga. E isso também me parece unilateral no sistema dele, mal apanhado. Mais ainda, ele gosta de banco, na União Soviética há bancos. E a única forma de propriedade privada que foi restaurada, é do dinheiro emprestado a juros por um banco de crédito, o que é uma coisa muito curiosa.

Agora, ele trata aqui então das chamadas contradições do capitalismo, é seguinte, que o capitalismo nasce como uma instituição vinda da propriedade privada. Mas que de outro lado, ele produz uma tal concentração, que ele chega à propriedade coletiva e que por aí ele evolui e se transforma pela sua própria natureza. Aqui os senhores estão vendo mais uma vez o jogo da tese-antítese-síntese e que caminha para um determinado assunto.

Como se dá essa história? Ele diz que na economia fechada, cada qual só produz para si ou para um círculo restrito de indivíduos. Mas que o contrário, na economia aberta, começa a divisão do trabalho. E que começa então a coletivização dos produtos e a coletivização do fim da produção. O que é a coletivização dos produtos? Na economia fechada, o sapateiro de uma fazenda produz tantos sapatos quanto há és na fazenda. Agora, quando começa a economia aberta, e que começa, portanto, a haver zonas que produzem sapatos, aquela produção de sapatos daquela zona, é uma produção que já até tem assim um caráter coletivo, porque ela já não se destina a um grupo pequeno, mas ela se torna anônima, são sapatos vendáveis no Alasca, no Saara, é uma coisa que fica assim flutuando. E por outro lado, o fim da produção se torna coletivo também, porque o fim da indústria de calçados não é mais vestir um indivíduo ou um grupo pequeno de indivíduos, mas é revestir de calçados toda a coletividade humana, ou toda a coletividade de uma nação. Então, em vez de uma economia visando grupos, o aparelhamento econômico de um país visto em seu conjunto, visa o país no seu conjunto, a população de um país no seu conjunto. Então, começa a haver um conflito entre a produção que visa o lucro e a produção que visa o serviço do país. E, portanto, digamos, a expressão é minha e não de Marx, uma espécie de serviço social da sociedade. Porque em última análise, a sociedade precisa de sapatos, a sociedade precisando de sapatos, é preciso dar-lhe sapatos, e de direito natural, digamos - Marx nem sequer usa a expressão - mas enfim, as necessidades da natureza impõem, para falar a linguagem dele, que aquela indústria sirva àquela gente. E o lucro, individual, vai sendo obnubilado lentamente, pela noção da necessidade de servir àquela sociedade. Há, portanto, uma espécie de coletivização dos produtos e uma coletivização dos fins.

Diz ele que isso se dá dos seguintes modos: primeiros, na empresa, à medida que ela cresce, ela vai se massificando. Primeiro: ninguém produz para si, mas para a sociedade e o lucro, etc. isso numa região é assim. Depois acaba sendo no país assim. Mas depois, acaba tendo o mundo inteiro assim, porque as indústrias do mundo inteiro devem vestir o mundo inteiro, devem satisfazer o mundo inteiro. E acaba sendo o seguinte, que o operário adquire consciência, o homem do povo adquire a consciência de que aquelas indústrias, sendo feitas para servir a sociedade, em última análise, são dele. E se a sociedade é o fim da indústria, é a dona da indústria. E depois, isso é a mentalidade católica a respeito de serviço social: tudo é serviço social, e depois, cria-se o serviço social… E o fim do homem em si - Marx nem cogita disso, ao menos seguindo esse escrito, mas vamos dizer, o fim do homem em si, que é de servir, desaparece. E o próprio homem também é um servo da sociedade. Quer dizer, há uma rotação que desloca necessariamente para uma concepção social essa imensa máquina vista no seu conjunto.

(Sr.?: A gente vê isso quando, por exemplo, abre uma nova loja, digamos, de sapato e ele coloca um dístico: “para bem servir o público”. Quer dizer, já nem é para ganhar lucro, mas é para bem servir o público. E ele já está com essa mentalidade.)

Já não é bem para papar o dinheiro do público, é para servir mesmo. Quer dizer, já um trabalho sem lucro, mas o trabalho pelo trabalho para servir a sociedade, já é para isso. Eu garanto, por exemplo, que há muita gente que loteia terrenos em São Paulo, já com a idéia de que está servindo a sociedade, São Paulo, que favorece não sei mais o que. Há muito velhaco que come, mas é uma forma um pouco velha. O velhaco é do velho. O contrário seria considerar a pessoa usurário. Há até uma palavra que se usava antigamente “onzenário” para os credores. O homem que procura lucros já é meio onzenário. Outra coisa: é bonito ter muitos lucros? No sentido de fazer muita concentração de dinheiro é bonito. No sentido de se gastar o dinheiro que se concentra, não. Investir de novo, mas não usar para si, e não usar para si porque já é meio feio viver na moleza, etc. Aí é luxo. E luxo já é um …falta palavra]… meio horrendo.

E o tirar lucro é roubar, é tirar dinheiro do povo. Por quê? Porque a empresa não deve dar lucro, para o capitalista. É evidente. Eu pediria, portanto, que os senhores procurassem ver essa mentalidade trabalhista depois de 1930, parvenue que trabalha muito, concentra muito, tem vergonha de utilizar para si mesmo o próprio produto de seu trabalho. Não luxa, não gosta de representação social e gosta de produzir para a coletividade, é o filho da Revolução. E é um pai do comunismo. Necessariamente isso se deve passar, não tem conversa.

Depois diz ele: as próprias necessidades do indivíduo, o indivíduo vai compreendendo que são sociais. Quer dizer, a minha necessidade, por exemplo, não se distingue de um outro nesta sala, porque o grande problema é manter uma máquina de produção que sirva para todos, em que nós todos também tenhamos o que comer e o que viver. E, portanto, a nossa grande luta não é mais de um contra o outro, mas é uma cooperação para manter a máquina viva. O que se poderia dizer que é um solidarismo sadiamente cristão, uma bobagem qualquer desse gênero, porque o egoísmo, que é o grande inimigo das estruturas, o egoísmo fica abolido.

Não sei se vêem quão acertados nós andávamos em fazer a propaganda do egoísmo…

E então, acaba-se percebendo o seguinte, que nem sequer há produtor individual. Há uma grande máquina comum de produzir, há um grande consumidor comum que é o público e há um grande produtor comum que é o público também. Facilita depois enormemente. Depois ele descreve o gigantismo da empresa produzindo, e é uma coisa impressionante. Então, diz ele: em faze de tudo isso, da percepção dessas realidades, o que acaba sendo o conceito de propriedade privada? É um conceito completamente velho, um anacronismo jurídico que tem que ser substituído para adaptar-se ao que se percebeu e ao que se fez, que é uma ordem de coisas em que todos estão continuamente precisando cooperar para se salvarem de um desastre, tocando para a frente essa máquina industrial. Aqui está, portanto, como se dá a transformação das mentalidades. E vê-se claramente que realmente nós estamos debaixo de todos os pontos de vistas numa transição de uma consciência da propriedade privada para uma consciência da propriedade coletiva. E virando comunistas, mais ou menos nós estamos num processo como no de menino e moço. Nós já não somos o menino e ainda não somos moço. Mas vamos ficando fatalmente. Mais alguns anos, isto é o comunismo. As nossas famílias ricas e abastadas, sentirão isso assim, pensarão assim. Por aí vai a coisa. (…)

O pânico da crise serve de motor de fundo de quadro tremendo para isso. Na diferença, por exemplo, entre automóveis de luxo e outros. Com a padronização agora, ninguém reclama porque fica subentendido que nessa atual crise mundial, não se pode estar pensando em frioleiras dessa. E que se a tal máquina parar, todo mundo morre de fome, que essa máquina não pode parar. Quer dizer, existe um fundo de pânico de crise, que nos faz ver que essas crise existe, mas que é meio teatralizada. E ela é meio teatralizada para justificar subliminalmente esse processo.

Então, ele passa aqui dessa idéia de uma economia que coletiviza para a concentração. Então, diz que antigamente havia miríades de pequenas empresas estritamente individuais. Que depois começou a era dos reis da indústria, que eram grandes empresas estritamente individuais. As que essa era dos reis da indústria passou a essas indústrias exigirem capitais tão grandes, que se deu esse primeiro passo; as indústria não foram mais individuais, mas passaram a ser em sociedade. Então, ou a sociedade ser dona, grupos de indivíduos, portanto, maiores ou menos, e não mais um indivíduo, só serem donos dos grandes patrimônios, ele apresenta como um passo para a coletivização. Eu me lembro quão freqüentemente antigamente a gente via nos anúncios das casas de comércio: “Simone Raffit” dono de uma loja. Às vezes, era em base familiar: “Simone Raffit & Filhos”, ou “Casa dos Seis Irmãos”, ou então: “Almeida & Almeida”, que eram os Almeida Pedro e o Almeida João, que se fundavam num só. E daí para a frente. Mas que era propriedade individual ou no máximo familiar. E isso foi se tornando cada vez mais raro e ele aponta - muito sabiamente - como um primeiro passo para que o dono nem seja mais um indivíduo, para que haja uma coletivização da própria pessoa do dono.

Diz ele que por fim, o ápice disso aí é a sociedade anônima. Em que o dono é anônimo, se esfarela em multidões. Ou, quando não se esfarela em multidões e é um grande capitalista, o capitalista já não gere os seus negócios, porque a plenitude da individualidade da empresa é do dono que tem o capital e que tem a gestão. Diz ele: vai ficando cada vez mais freqüente que um homem tem uma porção de empresas, em virtude do fenômeno da concentração, ele não pode mais gerir as suas empresas, ele põe prepostos que administram e que às vezes são diretores eleitos em sociedade anônima que quase não têm ações ou nem são acionistas. Estes homens que dirigem a sociedade de um homem que tem o mero título jurídico de propriedade daquele capital, e não tem mais nada. Então já o reinado daquilo também cai das mãos do dono, e já passa para uma diretoria eletiva, para coisas assim, para gerentes que entendem de tudo, mas dissocia-se a função de dono, na função do que tem e na função do que governa.

Depois, diz ele, o dono deixa de ter a maioria das ações. Porque aparece o pé de meia que entra para comprar ações e aparece uma técnica por onde por meio de minorias, a gente controla a sociedade. Então já um minoritário, já na é o principal controlador, é outra dissociação. Depois, diz ele, acaba sendo o seguinte, que os donos são tais multidões que o Estado, tutor natural das multidões, intervém na sociedade para evitar abusos. Os interesses coincidem. Então a partir desse momento, entrou o Estado na sociedade anônima. Eu acho isso, a meu ver, um fenômeno observado com finura e líquido. As próprias leis do imposto de renda compelem a fazer isso, e já deixando essa saída para obrigar a coletivização.

O caráter familiar que foi muito bom, enquanto era uma propriedade coletiva, distinta da individual, que passa a ser arcaica a partir do momento em que.

Agora, diz muito bem esse homem, diz que quando se fazem as sociedades anônimas nesse sistema, elas se piramidalizam pelo fenômeno bem conhecido. E diz ele que quanto mais se piramidalizam, mais preparam o aparecimento do cone ou do ápice da verdadeira pirâmide que é o Estado. E que, portanto, a própria piramidalização da sociedade, é uma marcha para o estabelecimento da propriedade do Estado. Então, tudo corre para a propriedade do Estado. Diz ele que então começa a legislação do Estado intervir cada vez mais. E o Estado começa a se tornar dono das empresas antes de tudo representando o trabalhador e impondo leis de trabalho e praticamente pelas fixações de salários e de fixações de normas coletivas de trabalho, sendo ele o trabalhador com que o proprietário tem que lutar. Depois, ele regula pelas leis da sociedade anônima, o interesse dos acionista. Então, pergunta esse sujeito: qual é a parte de independências e autonomia de um sujeito individualmente considerado dentro desse imenso mecanismo? Diz ele: a propriedade vai se coletivizando pelas contradições internas do capitalismo, queira-se ou queira-se, pensa-se ou não pensa-se. É um fato acabado. E o pior é o seguinte, é que é mesmo um fato acabado. Ele parte do pressuposto de que é uma coisa forçosa, mas forçoso não é, é uma grande mentira. A partir da sacrossanta inviolabilidade do direito de cada um de produzir demais. Isto não se pode mexer e passa-se por cima. A partir disso, é um pouco o seguinte: foi fatal que ele morresse. Por quê? Porque ele estava num quarto onde eu abri um bico de gás. E a partir do momento em que não pode abrir a janela nem abrir um bico de gás, é fatal que morra. Mas por que não fechou o bico de gás? Por que não abriu a janela? Aqui também: por que não faz cessar as causas dessa crise?

É um liberalismo desenfreado para o mal, na base dessa espécie e inexorabilidade. É um pouco como quem dissesse: vamos deixar a natureza funcionar livremente. Então, acaba a polícia. É forçoso que os bandidos entrem nas casas particulares. Eu faço então um traçado de fatalismo e de evolucionismo. Tenha paciência! Está muito simplificado, quand même. Até vou dizer mais: analisado com um pouco de seriedade, esse sistema é tão poca, que a gente se espanta quando alguém o toma a sério. Contraria os dados bons, debaixo de todos os pontos de vista.

Aqui entra então a luta de classe. Uma vez que se dá essa transformação que coletiviza de fato a economia e que corresponde a uma revolução involuntária, porque ninguém quis fazê-la e inconsciente, está produzindo o conflito clássico entre a super-estrutura e a infra-estrutura. A superestrutura são as leis, a infra-estrutura é a economia. É preciso então uma revolução consciente e voluntária. E essa revolução consciente e voluntária é a luta de classes. É preciso organizar os setores do operariado, para obrigar o Estado a alterar as leis e coletivizar de fato a economia. Então, aqui entra a luta de classes. Então, qual é o objetivo da luta de classes? É a conquista do poder do Estado, para depois fazer as leis revolucionárias.

Para compreender a luta de classes é preciso ter, diz ele, um panorama da luta de classes. E estudar quais são os amigos naturais do socialismo e os inimigos naturais. Natural aqui quer dizer forçoso, inevitável. em primeiro lugar, os inimigos são os capitalistas que quando estão nessa passagem, se assustam e procuram evitar que o poder político seja conquistado pelos operários. Os capitalistas dele são o fator moderno. Mas, diz ele, hoje em dia não existe apenas esse fator moderno, que é o capitalismo, mas existe uma porção de vestígios do passado. E antes de tudo os piores parasitas são os proprietários de imóveis que os alugam. Diz ele que essa categoria tem uma mentalidade ultra-reacionária habitualmente. E que defende até a economia industrial, por perceber que eles proprietários de imóveis, chamam a sacrossanta propriedade privada, está ameaçada. Então, eles defendem a propriedade de todo mundo, para poder defender a propriedade deles. E escrevem livros, etc…

Mas como os proprietários se deixam estrangular pelas leis do inquilinato… É impossível mais. No mundo inteiro, é uma moleza, uma coisa que não tem…

Diz ele que outra categoria tremenda são os artesãos e ele coloca entre os artesãos os advogados, os médicos e os engenheiros. Ele fala em profissão liberal, o engenheiro ele não coloca como industrial. Diz que essa categoria de gente, pela concentração das fortunas dos industriais, vai sendo empurrada para a proletarização. E que ficam indignados com isso. E querem então segurar o processo a todo custo. E são seus inimigos naturais. É atroz como massacre dos inocentes, é uma coisa assim. Esses também representam o passado. E o pior é que hoje em dia, por um fenômeno singular, esse pessoal está se articulando no mundo inteiro, diz ele. E produzindo quistos de resistência, como as profissões liberais e os pequenos manufatores da França. É o fenômeno Poujade.

Eu acho o seguinte, que essa exposição no seu conjunto, para quem não conhece, para uma pessoa que conhecia, não, mas para mim que não conhecia, tem um pouco o valor de um complemento dos “Protocolos dos Sábios de Sião”. Porque é uma coisa que a gente vê inteiramente como é, etc.

Diz ele que os agricultores soa muito inimigos disso, pelo seu sendo da propriedade e pelo seu senso da independência. Que o agricultor gosta de ser independente. É evidente, o que discutir com isso? É melhor não comentar e passar para a frente. E depois, uma fazenda como, por exemplo, a Fazenda Mário, do Matarazzo, eu já não considero verdadeiramente agricultura, mas um misto de agricultura e indústria, já misturada com o crédito, já não é inteiramente a coisa. Mas é o agricultor médio, que, este sim, se compreende que ofereça uma resistência. Tem muito mais senso.

Agora, os amigos do socialismo, quais são? Esses amigos são os assalariados. Porque a socialização os favorece em tudo, e não os prejudica em nada. E eles então são os amigos. Notem, portanto, que não é como no utopismo de que eu falava ontem, por convicção ideológica. Interesse de cá, interesse de lá, …[ilegível]… pula um cima do outro. É a luta de classes no duro. Então, eles devem organizar-se e devem ter no duto um partido político. E esse partido políticos é exatamente para, por meio de reformas, fazer as leis novas. Agora então, o partido político deve ser completado por organizações de classe. As organizações de classes devem pleitear salários maiores, devem pleitear melhoria das condições de trabalho, devem criar um movimento de reivindicações. E esse movimento de reivindicações transuda na ordem política sob a forma de um partido político. Quer dizer, há uma espécie de intervalência. Agora, os partidos socialistas, pleiteiam reivindicações jurídicas. Por exemplo, controle operário da produção, participação nos lucros, participação nas propriedades, participação nas empresas e nas organizações sucessivas. E por aí, eles preparam o completo advento da propriedade comum. Isso está dito no duro. E é o “ceder para não perder”, que representa o recuo burguês diante disso. Quer dizer, a idéia não é: eu aceito isso porque simpatizo. É o erro dos erros. Eu aceito isso e logo depois vou pedir outro, porque a tendência deles é de conseguir tudo. É pegar de um pulo. E progressismo católico é propriamente a quinta-coluna a serviço desse fenômeno.

O fim último desse fenômeno, diz ele, é expressão textual, “é a abolição da propriedade privada, por meio da coletivização e dos instrumentos de produção. Daí o nome de socialismo”. É a ditadura. Então, não tem conversa. Diz ele: esse socialismo deve ser brando ou deve vir pela força? Diz ele: esta não é a diferenciação, ou melhor, este não é o critério para se dizer se uma coisa é socialista ou não. Porque é socialista aquilo que tem por fim último a abolição da propriedade privada, por meio da coletivização dos instrumentos de produção. Agora, se é brando ou não, se é imediato ou não, diz ele, isso é um modo de operar, de obter o fim. Mas é socialista todo mundo que venha a pensar assim. É uma boa afirmação.

Ele diz: quando socialismo não é feito por via violenta, é feito por meio brando, naturalmente o brando traz necessariamente consigo o gradual, porque não é possível conseguir uma transformação branda, imediata, ela chega necessariamente por meios graduais. Então, há uma fase intermediária, entre a comunidade completa de bens e a propriedade privada, e há uma fase em que se encontram os povos do Ocidente. Eles não são mais povos de propriedade privada propriamente dito, mas embora existam neles as propriedades privadas. Mas a economia vista no seu conjunto, já não é uma economia da propriedade privada. Ela já está toda calculada para a coletividade, planejada para a coletividade, movida pela coletividade, e portanto, já não existe como conjunto, uma economia de propriedade privada. Então, o que existe, diz ele? O socialismo? Também não, haveria exagero em afirmá-lo, existe o que se chama a economia de Estado, que é a situação intermediária entre o socialismo completo e a propriedade privada. É natural, diz ele, porque em cada processo da história humana, há situações intermediárias.

Então, ele dá o exemplo do feudalismo. Diz ele que o fim do feudalismo, deu origem ao capitalismo incipiente; produziu a economia aberta e criou a divisão de trabalho. Ao mesmo tempo que a economia se abria assim, as populações se concentravam nas cidades. E começava a aparecer o movimento das comunas. E essas comunas iam ficando independentes de seus senhores feudais. E até várias dessas comunas foram ficando independentes umas das outras. Daí então foi necessário criar em cima um cetro para administrar tudo isso, que foi a monarquia absoluta. E estava feito o quadro para que de futuro viesse o grande capitalismo. E então, qual era a posição dos nobres? O nobre já não era feudal, e ainda não era plebeu. A monarquia absoluta criou uma situação intermediária. É a nossa concepção da Revolução tal qual, tal qual, tal qual, tal qual.

Depois, diz ele, outro exemplo: o fim do Ancien Régime. No reinado de Luís XVI, antes de começar a revolução, a burguesia ainda não era uma classe dominante, porque era uma classe pequena, pouco numerosa. A nobreza já não era a classe dominante, porque ela perdera quase tudo. O fato de que os nobres estavam nos mais importantes cargos públicos, era um fato acidental, porque eles estavam para obedecer e não estavam para mandar. E, portanto, já não eram os detentores do poder. Diz ele: a situação desses nobres, que já não eram detentores do poder, mas que pairavam assim em cima de uma sociedade em que já se gerava a burguesia, é parecida com os gerentes burgueses das grandes sociedades anônimas, em que está por debaixo o proletariado, por cima um senhor ainda vestido de burguês e com hábitos de burguês, mas que já não é o proprietário que manda. Diz ele: assim também aos poucos está nascendo neste resto de burguesia que flutua, está nascendo o domínio do proletariado. Como no reinado do Luís XVI, os restos de nobreza que flutuavam, nasciam em uma ordem nova de coisas, que haveria de se afirmar pela luta. Então, diz ele, ambas as coisas são as mesmas.

Estão vendo que é a concepção da Revolução completa. Não há dúvida nenhuma.

Um dos lados por onde nós desconcertamos tanto as pessoas é que se nota que nós constituímos um todo que não se deixa coletivizar em nada. De onde, uma indignação contra nós. Nós somos completamente contra a corrente.

Os senhores já imaginaram qual seria a nossa situação, dos senhores e minha, se não houvesse o Grupo, se não conhecêssemos o Grupo e se estivéssemos presenciando essa Babel de coisas? Ou apostatavam ou ficam loucos.

Eu gostaria de fazer uma mise au point em face da Bagarre. Os senhores estão vendo que nós estamos enganados num processo gigantesco, e que vai mesmo para a frente, não pelas razões deterministas de Marx, mas pela imensa conspiração que está montada, e realmente porque permitindo que certos abusos se dêem e em conseqüência o desfecho é realmente previsto. Agora, se a gente cria o abuso, se o defende de qualquer intervenção, o resultado é aquele que se pode prever.

Agora, se é verdade que a Bagarre é coincidente com a abolição da propriedade individual, nós podemos dizer que ela está vindo a cada momento. Porque a cada momento a propriedade individual está morrendo debaixo de um determinado aspecto. E, vamos dizer, nós estamos num desses pontos culminantes, em que qualquer imprevisto faz …[ilegível]… árvore. Desses imprevistos que são imprevistos, mas que é preciso prever, porque sempre acontecem. De maneira que isto …[ilegível]… durante mais algum tempo flutuando, mas é essa a vida de um nonagenário. Ele pode chegar até cento e dez anos, porque tem-se visto este caso. Mas quem vendo um nonagenário, pensará que ele irá até os cento e dez anos? Quer dizer, é assim que a coisa deve ser vista.

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