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Revolução A e Revolução B (III)
… é uma obra chave? Eu duvido. Uma outra congregação mariana de dedica à difusão da reza do terço em casa. Obra chave? Muito poucas pessoas têm essa preocupação. Em vez de procurarem ver qual é a obra chave, eles fazem uma coisa bonita que lhes passa pela cabeça. O “Catolicismo” exatamente procura ser a obra chave, dados os recursos que temos. Dado que o movimento católico é uma potência no Brasil, dado que quem influencia esse movimento influencia a primeira potência, trata-se de influenciar esse movimento na senda da Contra-Revolução A. Por isso nós nos especializamos em trabalhar sobre o movimento católico, na senda da Contra-Revolução A. Posição chave. Não se trata de fazer o bem, mas de fazer o maior bem pelos moldes mais estratégicos.
Como é que uma revolução tendenciosa se desenvolve no plano A? Em outros termos, eu afirmaria que quando tomamos uma determinada sociedade, por exemplo, a sociedade humana dentro desse ciclo histórico, quando estudamos no plano A e no plano B os vários desenvolvimentos, vemos que o processo é igual, durante séculos, ao funcionamento em câmara muito lenta, de uma mesma cabeça humana. Quando nós, no plano A, fazemos o estudo dessa revolução, notamos que essa revolução se deu pelos mesmos processos psicológicos e lógicos, pelos quais um homem pode decair. Quer dizer, uma mesma cultura funcionou como um mesmo grande cérebro durante séculos e foi assim que se deu sua queda.
Vou tentar fazer um estudo da história da Revolução A no terreno das tendências. Para que se tenha dado aqui o fenômeno pelo qual as árvores da floresta se tornaram combustíveis, como se deu essa combustibilidade?
Falei ontem em Contra-Revolução preventiva. Qual é o modo pelo qual o dono da floresta impede suas árvores de se tornarem combustíveis e qual é o modo pelo qual o inimigo do dono da floresta dá a injeção para que as árvores fiquem combustíveis?
Os senhores imaginem uma civilização completamente católica. Nessa civilização imaginem pessoas fiéis, piedosas, religiosas e vivendo direito. Qual é um dos primeiros passos para a primeira das derrocadas? É o seguinte: numa sociedade assim — imaginem uma aldeia — a vida vai ficando muito direitinha, porque todo mundo segue os mandamentos da Lei de Deus. Corre tudo muito bem, porque todo mundo está cumprindo os mandamentos. O que acontece?
O risco, a tentação própria a este estado regular, normal da sociedade. A sociedade fica tão boa que o homem se esquece do Céu e tende a viver só para ela. Ele perde o espírito de sacrifício e passa a viver em função de uma pátria terrena boa. Eu me lembro que Santo Agostinho tem esta frase: “Meu Deus, vós criastes a Igreja para levar as almas para o Céu, mas ela organiza tão bem a vida na terra que se teria a impressão de que a criastes só para organizar a vida na terra”.
Imaginem um domingo numa aldeiazinha catolicazinha. De manhã todos se vestem com seus trajes festivos, o sino bimbalha alegremente, todos vão à missa, todos comungam, o senhor vigário z um sermão, todos se cumprimentam, vão para casa, tomam um café bem grande, depois descansam. Alguns saem à rua. Depois um bom almoço, mata-se um peru, sesta; à tarde algum inocente bailado público; à noite bênção do Santíssimo Sacramento; em casa conversas a respeito do acontecimentos, etc.; um grande sono repousante. Vidinha tranqüila, transcorrida alegre ao som do bimbalhar dos sinos, do toque dos órgãos, ao cheiro dos perus, ao riso das moças. Como tudo isto se torna delicioso no decorrer de uma vida humana cheia das bênçãos de Deus. Cheia das bênçãos de Deus.
Porque tudo isto esquece um fato que a civilização católica nunca elimina: o pecado original, o demônio, que sempre está rugindo ao redor do homem. E quando o demônio permite que essas situações se cristalizem, ele passa a não tentar para adormecer e poder levar as almas. De quem é a missão de manter nesses ápices os olhos de todos voltados ‘para o Céu? É do clero e especialmente das ordens religiosas que representam dentro da Igreja o estado de perfeição e que devem incutir a idéia da penitência, do recolhimento, da mortificação.
A história da Revolução e da Contra-Revolução na Idade Média, no plano A é a história das ordens religiosas. Não houve maior Contra-Revolução na História do que as duas grandes contra-revoluções feitas pela Ordem beneditina.
Em primeiro lugar, os beneditinos que organizaram missões, que derrubaram florestas, que fizeram a Idade Média e, em segundo lugar, os beneditinos de Cluny que fizeram a segunda grande reforma da Idade Média e que obrigaram a Idade Média a se levantar novamente nos seus ápices. Mas, além disso, tivemos duas reformas: a de São Domingos e de São Francisco, que se interpenetraram. Os senhores conhecem aquele sonho do papa Inocêncio III, com São Francisco e São Domingos.
Ele viu a igreja de Latrão rachada — que naquele tempo representava a Igreja — ora São Domingos, ora São Francisco sustentando.
Essa igreja rachada era esse começo aqui, era a cristandade tendendo para a moleza, para o relaxamento, para a perda do senso do sacrifício, do sobrenatural, inundada nos bens naturais da civilização cristã. São Francisco pela caridade, São Domingos pela lógica, juntos reergueram a Idade Média.
Mas nessa época, essas ordens religiosas estavam em decadência. Por desígnios misteriosos da Providência, não houve ordem nova que restaurasse. Então, as árvores começam a se tornar combustíveis, isto é, os fiéis começam a se voltar para o gozo da vida.
De início, uma vida honrada. Mas quando o homem se abandona ao gozo de uma vida honrada, é a véspera do dia em que ele começa a achar a vida honrada cacete e quer a vida desonrada.
Passemos agora para esta época que eu chamaria a época mística da revolução. Os pragmatistas do tempo começaram por gostar demais dos prazeres lícitos, demais comedorias, demais bailado, demais enfeite em todas as coisas, o estilo gótico que era muito austero, começou a se tornar florido. Tudo começa a tomar ares de sorriso. Um desejo de prazer imoderado, embora ainda um prazer honesto, começa a dominar o Ocidente cristão.
Vimos como isto é exatamente como uma cabeça humana. Logo depois passamos para o segundo grau: os espíritos abandonando um pouco a idéia do Céu, começou a conceber de um modo mais ou menos leigo, certas idéias em voga na Idade Média.
Por exemplo a idéia de honra. O cavaleiro que pela honra de sua dama vai fazer um duelo. O medieval antigo era sagaz demais para fazer um duelo pela honra de sua dama. Começam os torneios, os menestréis, os trovadores a dar um ar de amor na sociedade, um ar de honra na sociedade, cheio ainda de misticismo, mas de misticismo leigo. A dama medieval era uma dama muito diferente da dama cheia de …. do século XX. Era uma dama quase régia. A lua, quando a lua bate na torre do castelo, ela via para o balcãozinho e ouve ao longe uma canção cantada ao som de um alaúde. Ela tem tranças louras. Quando termina a canção ela sorri e joga uma flor, etc. etc. Isto dá numa explosão de sentimentalismo meramente psíquico. Não há ainda o sentimentalismo físico. O …. está em gestação, está contido nisto, mas ainda não apareceu.
Neste período ainda se fala no amor inspirado em razões de virtudes. A minha dama é a mais pura, a mais bondosa, a mais caritativa, a mais piedosa. Aparece junto a idéia da beleza. Mas a idéia da beleza é uma harmonia de traços físicos, que é o espelho apenas da beleza moral.
Nisto, entretanto, como não podia deixar de ser, a sensualidade começa a se notar. E nas canções dos trovadores daquele tempo, sob o pretexto de detalhar a beleza, começa o elogio dos olhos, o elogio da tez, dos cabelos, e depois o elogio do corpo. Os senhores compreendem para que abismo isto conduz. É a sensualidade que começa a nascer dentro dos invólucros do sentimentalismo.
Com isto começa um deslocamento na Revolução B, no plano A lógico. O homem sentimental e, mais do que ele, o homem sensual, não gosta da lógica. A lógica lhe parece fria, dura, inclemente. Cada tirada sentimental é como um acorde sentimental para ele. Cada argumento da lógica, uma pancada como a martelada num prego, prego que vai na sua cabeça. Ele detesta a lógica. Donde, então, começa a aparecer na filosofia sistemas que o começam a deturpar a lógica, a corrompê-la, a fazer uma filosofia pseudo escolástica.
Com isto começa a decadência da escolástica. Começa, então, a revolta e com a revolta começa-se a preparar o terreno para a outra era da Revolução tendenciosa. Passamos da era mística para a era heróica. O que é o fidalgo da Renascença e qual é a diferença entre este fidalgo e o fidalgo medieval? O fidalgo da Idade Média é uma espécie de cavaleiro da lua. Vive envolto num misticismo que já não é o misticismo do fim da Idade Média, misticismo católico, mas que é misticismo. O fidalgo da Renascença não tem mais nada de místico. É um homem mas é um super-homem, heróico, olímpico, clássico. Todas as paixões nele estão dominadas. Ele é belo, inteligente, culto, dança como ninguém, raciocina como ninguém, manda, governa, guerreia como ninguém.
Bailarino, estadista, guerreiro, ele em todas as coisas se revela, mais que tudo, artista; gosta da beleza em todas as suas formas, gosta do esplendor da vida e gosta de gozá-la absolutamente. De riso largo e distinto, de olhar dominador que se estende sobre os outros, como uma montanha olha toda a paisagem que se estende a seus pés, o fidalgo da era heróica acaba tendo sua personificação mais alto naquele homem que foi o símbolo de toda uma era histórica que foi Luiz XIV.
Brilhante, nobre por excelência, dominador, distinto, com um olhar ele fulminava, com um sorriso ele encantava e premiava. Com uma palavra ele fazia com que os exércitos se deslocassem, com sua presença ele criava um ambiente. Teve em torno de si artistas para fazerem para ele ambientes, costumes e civilizações, jardins, tapeçarias, espelhos, palácios, músicas, danças, tecidos, [homens?]. Tudo isto foi moldura para a pessoa dele. E a sua pessoa, imitada por toda a corte, era olímpica; do homem super-homem, dominando sobre todos os homens, dominando a natureza, mas já tendo longe de si o Céu. O céu para o qual os homens não mais voltavam os olhos, a não ser para os estudos de astronomia. Este epicurismo se exprime bem num episódio da história de Luiz XIV.
A França atravessava um longo período de paz e o húngaros foram atacados pelos turcos. Como os franceses daquele tempo gostavam de combater e a França vivia a sua grande época de glória militar, um destacamento de nobres franceses, chefiados por um príncipe da casa real, o príncipe de …., pediu licença ao rei para ir combater na Hungria.
Quando chega o dia da batalha contra os turcos, os franceses se apresentam em ordem de combate. Cabeleiras tão frisadas, empoadas e elegantes em seus cavalos, que os turcos olham de longe, vêm aquela carga vir e pensam que é um exército de moças. Não dão atenção. Aquelas “moças” caem em cima dos turcos como um turbilhão e os derrotam no primeiro ataque. Era bem o homem do tempo.
Gracioso, quase como uma dama, heróico quase como uma figura mitológica, guerreiro e bailarino ao mesmo tempo, mas capaz de conversar como um letrado. Era o homem segundo o espírito e o estilo de Luiz XIV. Neste homem, entretanto, o sentimentalismo tinha evoluído. Já se achava que para o homem a impureza era uma glória e que conquistar senhoras era tão glorioso como conquistar cidades. Mais ainda: que não se compreendia o verdadeiro conquistador de cidades, se ele também não fosse um conquistador de honras femininas.
Luiz XIV das dignidades e das solenidades foi o Luiz XIV das concubinas. Todos os seus fidalgos acertaram o passo com ele, numa época em que a sensualidade já tinha o caráter nitidamente sensual e em que o amor era um amor aristocrático, polido, mas era a sensualidade velada nas nobrezas de uma polidez que ainda existia. Nas vésperas da Revolução Francesa isto chega a um tal ponto que o marido e a mulher na maior parte da alta aristocracia, levavam vida separada. Casavam-se sem amor, por dinheiro, e levavam vida separada.
Quando a mulher dava uma recepção, mandavam convidar o marido e vice-versa. Quando os convidados entravam eram anunciados por alabardeiros. Quando entrava o marido da dona da casa o alabardeiro anunciava apenas o seguinte: Monsieur. Era o marido que entrava como se fosse um hóspede. O mesmo fazia a mulher na casa do marido. Marido e mulher irem juntos ao teatro era de um ridículo imenso, marido e mulher se gostarem, era grotesco. Era preciso levar a vida em que se tivesse a impressão de que o casamento era um preconceito superado, antigo e ridículo.
Mas ao longo desses séculos, e nesse período, um deslocamento se produziu. De guerreiro bailarino, por mais surpreendente que seja, foi o bailarino que derrotou o guerreiro. Os guerreiros de Luiz XIV eram bailarinos, bailarinos de Luiz XIV eram guerreiros. No tempo de Luiz XIV os nobres eram só bailarinos e quase não mais guerreiros. Eram nobres adamados, frágeis, montados, em grandes saltos vermelhos, lencinho na mão, perfumes, jeito encantador, anéis, rendas, berloques,
Batalhas, zero; combatividade, zero. Como é que um homem desses compreendia as suas relações afetivas? Sob a forma de uma espontaneidade encantadora. Ele era risonho e gentil e gostava de uma moça risonha e gentil. O colorida das coisas era cor-de-rosa muito claro, era azul muito diluído, verde …. Era o ambiente das músicas muito delicadas. Mas no meio de tudo isto, a sensibilidade solta começava a rugir, num amor livre completamente desbragado.
Irrompe a grande catástrofe da Revolução Francesa. E nós passamos da era heróica para a era humana. O teatro se modifica.
Se olharmos os personagens do teatro anterior, eram sempre personagens hieráticos, no estilo de Corneille. Se vemos o teatro desse tempo, é o teatro romântico. Mendigos e aleijados que entram em cena. É o teatro de Victor Hugo.
Rugidos, paixões desbragadas, crimes dentro do palco, toda a explosão da sensualidade humana vai crescendo e arrebenta no teatro e na literatura. O crime é um tema. E o concubinato, e o incesto e as piores paixões humanas, com um colorido necessário para dar interesse às cenas.
Na vida isto se torna assim também. O crime aparece claramente, sem os invólucros de outrora e começa a se tornar dominador. Daí nascem três tipos diferentes no período 1850 a 1956.
O primeiro tipo, nesse conjunto, é o dandy. Eu me lembro de uma página de Chateaubriand, em que ele compara os elegantes do romantismo com os elegantes de seu tempo. O elegante do tempo do romantismo, era o elegante do tempo dele, era cuidadoso, mal vestido, com uma roupa muito boa, bem cortada, etc,, mas num desalinho triste. O cabelo solto ao vento, um ar infeliz, um homem que procura uma felicidade perdida. É um homem um pouco doente e não fica mal ser um pouco tuberculoso. Tosse um pouco. Ele está triste, etc.
Aparece um tipo diferente que Chateaubriand acha horrível: é o dandy inglês. É o contrário. Está passando muito bem, goza de esplêndida saúde, muito bem penteado, muito bem vestido, rico e não gosta nada de tristeza. A alegria é que embeleza a vida. O que dá alegria é o dinheiro. Portanto, o que vale é o dinheiro e os negócios. Então, boa saúde, dinheiro, vida cômoda, gargalhadas, dança, ouro. Isso é o que caracteriza a nova época. É o homem utilitário. Ao lado deste aparece o tipo do burguês que mais uma vez encontrou num membro da casa real da França, a sua expressão e que é o Rei Luiz Felipe. O rei que passou a História com o título de “o rei guarda-chuva”
É o burguês, não é o dandy, porque este é um tanto estouvado e aristocrático. É o burguês gorducho, bem instalado na vida, sólido, com roupas resistentes, realista; não se ocupa com literatura, com políticas, nem com idéias. Só se preocupa com dinheiro. Economiza, enche o pé de meia. Casa grande e confortável, tudo sólido, estável, grandes propriedades no interior, estradas de ferro que eles exploram, negócios que começam a fazer na Ásia e na África, que lhe trazem muito dinheiro.
Então, é o senhor burguês com a senhora burguesa, alegre, estável, os filhos burguesinhos. Especialistas numa arte que a burguesia nunca mais esqueceu: a arte de comprar políticos, literatos, comprar professores e jornalistas; e, em última análise, de fazer entrar nas coisas os políticos, literatos, professores e jornalistas, …., para que eles possam fazer bem as coisas.
Ao lado disto existe uma espécie de genealogia. O dandy do tempo em que o Chateaubriand era velho, deu num outro tipo: o bilontra. O bilontra era um sucessor do dandy.
Estilo francês, cheio de pomada, bigode, monóculo preso com uma fita de veludo, polainas com feltro, bengala, cintura bem apertada, sabendo muito bem todas as artes de salão, muito mais negocista que seu antecessor, muito mais pobretão porque a vida de sociedade torna-se cada vez mais ruinosa. Portanto sabendo viver de expedientes.
O bilontra daquele tempo deu no almofadinha do meu tempo. O almofadinha do meu tempo deu no grã-fino bacana. O homem de negócios também teve sua …. [Ele deu.]
Aqui é o caso de dizer que um animal gerou um monstro. O homem econômico do século XIX deu no tubarão de hoje; o homo economicus era um animal, o tubarão, um monstro.
O homem que não era nem isto nem aquilo, o político ou o funcionário público, que era o pequeno burguês daquele tempo, deu no …. de nossos dias. O homem mecânico, que a gente manda e ele faz.
Com isto temos uma evolução que no plano A, que nos leva do cavaleiro andante, ainda com a cabeça cheia de fumaças de uma cavalaria laicizada e caminhando para a imoralidade, até o bacana, o malandro, o capoeira do século XX.
O que me chama a atenção nessa história é o seguinte ponto: é que esta história dessa decadência, poderia ser a história de um homem. Muito homem decaiu assim.
Começou por ser muito bom católico, depois começou a ser um sentimental, amando uma bem amadas nas nuvens do amor puro. Depois passa esse homem a ser um gozador da vida, mas ainda com uma certa linha, um certo estilo. Depois perde o estilo e perde a linha e se torna um sem-vergonha completo. É a evolução de um homem.
Esta evolução que um homem faz em alguns anos, a sociedade levou alguns séculos para fazer. Mas o que chama a atenção e estabeleceu um nexo entre esta parte e esta de minha conferência, em que os itinerários foram os mesmos, os processos os mesmos e uma civilização funcionou como se fosse uma grande cabeça humana.
Passemos agora a um outro princípio, que se poderia chamar o princípio da dialética dentro da cabeça humana. Eu mostrei que temos dentro de nós a catedral engloutie e nosso vício capital.
A catedral engloutie e o nosso vício capital funcionam em nós como duas forças em dialética. Na sociedade humana existiram sempre, ao longo dessa evolução, correntes que representaram a catedral engloutie.
Antes de tudo os senhores vêem as pessoas virtuosas que a graça continua a suscitar. Houve depois uma parte imediatista na sociedade humana, que representou o elemento pragmatista, e houve uma parte péssima da sociedade humana, que representou o vício capital. De maneira que tivemos sempre a sociedade humana dividida entre direita, centro e esquerda.
Na direita, os elementos da Contra-Revolução A; ao centro, o pragmatismo; à esquerda, o elemento que fazia a Revolução A. Essas três correntes existiram e lutaram entre si como essas três forças psicológicas lutam dentro da cabeça humana. Lutaram pelos princípios que eu chamo dos vetores e das mobilizações.
Se eu tomo uma sociedade humana que tem aqui uma força contra-revolucionária A, no terreno tendencioso sofístico; aqui uma força revolucionária A no terreno tendencioso sofístico; o grosso de seus elementos, alguns continuam aqui e outros aqui; mas o grosso de seus elementos vêm por aqui. Ela não segue nem este nem aquele caminho, mas uma oblíqua.
Os homens sensuais do século XIII não levaram imediatamente para o bacana do século XX, mas por uma oblíqua acabaram chegando lá. Então, numa sociedade assim dividida, qual é o modo de levar a sociedade? Se eu estou aqui e sei que puxando para cá a coisa corre aqui, se eu quero que ela corra para cá, devo fazer funcionar o princípio e puxar …. A coisa se desloca e vai para onde eu quero.
De maneira que num ambiente onde há uma esquerda muito da esquerda, não devo agradar e dizer que têm uma parte de razão; devo dizer que estão totalmente errado. O homem que ouve isto e que é necessariamente um homem levado pelo jogo das forças, ele dirá que eu sou um horror, que seria preciso apedrejar-me. Depois vira-se para outro que é comunista e diz: “Mas também isto, não.”
Ele é bobo e não percebe que foi o solavanco que eu dei nele, apesar de eu ser um horror, que o levou para lá. Ele antes era favorável à liberdade para os comunistas e era favorável a um socialismo moderado. Mas como meu murro foi hercúleo, ele se deslocou pelo ‘princípio dos vetores e voltou um pouco. De maneira que chegamos à seguinte regra da Contra-Revolução: que sempre que eu quero conduzir o homem pragmático para um ponto, eu devo puxar vigorosamente.
Ele vem protestando atrás de mim, mas ele vem. Há um ponto misterioso que para a honra da Igreja eu devo dizer.
Chegaríamos aqui a uma conclusão quadrada que não me agradaria e que seria muito excessivo. Se a falta de religiosos e sacerdotes santos aqui, determinou a combustibilidade das árvores, eu chegaria à conclusão de que toda a culpa é do clero. E chegaria à conclusão de que em toda parte em que se faça qualquer coisa, a culpa é do clero.
Às vezes gente zelosa diz isto. Eu acho que há exagero nisto e embora eu goste de uivar por cima dos pragmatistas, de fato eu detesto qualquer exagero. Porque há um mistério que temos que mencionar. Porque, se é verdade que o sacerdote santo faz o povo santo, é verdade que quando o povo não corresponde ao sacerdote, Deus pode não mandar mais sacerdotes santos. Ele pode reduzir suas graças ao nível mínimo. E pode bem ser que a culpa primeira tenha sido de um povo.
Há um mistério que não podemos desvendar, mas que devemos por em seus termos claros. A culpa primeira de quem foi, não sabemos.
Um trecho da Sagrada Escritura fala que Deus mandou ao povo eleito, como castigo, reis que eram meninos. Camões diz que um fraco rei faz fraca forte gente.
Quando vemos um povo …. e o rei também, é o caso de perguntar quem começou primeiro, o rei o o povo. Se foi o povo que não correspondeu a reis como São Luiz e São Fernando e Deus não lhes mandou mais São Luiz ou São Fernando, mas mandou reis meninos ou, se pelo contrário, se foi um fraco rei que fez fraca a forte gente. Deixo aqui este mistério.
O Papa mais do que tudo, e o clero abaixo do Papa, é o fiel da balança da humanidade. Eu poderia dizer a respeito das sociedades humanas em relação ao clero, o que Santo Agostinho diz do coração humano em relação a Deus. Santo Agostinho diz: “Meu Deus, nossos corações foram criados para vós e eles se sentem inquietos e agitados enquanto não repousam em vós”. Eu eu diria ao clero: “as sociedades humanas foram criadas para viverem embaixo de vós. E elas vivem inquietas e agitadas enquanto não repousam em vós.
Há nações chaves? Deus criou uma nação chave no Antigo Testamento: foram os judeus. No Novo Testamento Deus terá criado uma nação chave? Certamente, mas em dois graus: a nação chave do Novo Testamento são os povos cristãos. Mas dentro dos povos cristãos haverá uma nação chave?
São Pio X diz, e ele escreveu numa das suas encíclicas que Deus criou também uma nação chave entre os povos cristãos. E esta nação chave, o povo eleito do Novo Testamento é a nação francesa. É a nação que influencia naturalmente o mundo inteiro. Por exemplo, apareceu um aventureiro na França chamado Poujade. Os senhores verão como em breve haverá “poujadismo” no mundo inteiro. Apareceu Sartre e logo o existencialismo já se difundiu. por outro lado, as virtudes todas quando são praticadas pelos franceses se irradiam pelo mundo inteiro.
Haverá culto mais difundido que o de Santa Teresinha do Menino Jesus? Agora, problema duro e pungente: esta nação chave chegou ao fim de seus dias com a tristeza bíblica de nação condenada como ela se encontra? Ou haverá uma esperança para ela?
Com relação à França, eu sou como um judeu em relação ao povo eleito. Eu amo o templo, amo as ruínas do templo e se essas ruínas se desfizerem em pó, eu amarei o pó que resultou das ruínas do templo. Mas sem patriotada nem tolice, sem orgulho, eu devo dizer que tenho a impressão de que a França continuará a ser a nação chave.
Mas assim como outrora tivemos o império do Oriente e o império do Ocidente — na própria cristandade haviam dois impérios: o bizantino e o romano-alemão — teremos ao lado do império francês para as nações antigas, o império, o domínio, a hegemonia cultural de uma outra nação, profundamente embebida daquilo que o espírito latino e francês tem de melhor, mais trazendo também consigo outras seivas. Esta nação, como todas as nações eleitas, é capaz de conhecer as piores misérias, piores do que qualquer outra, quando ela não corresponde à graça de Deus, mas ela é capaz das maiores glórias, desde que ela corresponde à graça de Deus. A meu ver esta nação é a nação brasileira.
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