O
Anticristo já veio?
Capítulo 12 - Espiritualidade joanina 1
II. Papel do raciocínio e da sensibilidade 35
A. A razão humana não pode conceber a Deus 35
D. Quando a pessoa entra em aridez, é preciso aparentar entusiasmo 38
E. Seremos julgados em função do "entusiasmo" 39
F. As impressões causadas pelas comemorações joaninas são "graças místicas" e constituem "flashs" 39
G. Papel do flash na santificação 39
III. A união com Dr. Plinio 42
A. Para progredir na vida espiritual, basta "unir-se místicamente" a Dr. Plinio 42
B. Para se unir a Dr. Plinio é preciso cultivar a imaginação e o egoísmo ... 44
D. As "meditações joaninas" operam a união de alma com Dr. Plinio 46
IV. Outras teses da espiritualidade joanina 47
A. A finalidade do homem é salvar sua alma 47
B. A finalidade da TFP é, ante tudo, salvar as almas dos membros do Grupo ... 47
C. Conselho para quem tem escrúpulo de comungar diariamente porque escorrega com freqüência 48
D. Centro da santificação dos joaninos: a pessoa de JC 48
V. Critérios para analisar a espiritualidade joanienta 50
A. No que diz respeito ao papel da cooperação humana e ao papel da graça 50
1. Analogias entre a espiritualidade de JC, da Ação Católica e de Miguel de Molinos 50
2. A aversão ao esforço e o Anticristo 55
E. A substancia da santificação não é a mística, mas o amor de Deus 66
***
Conversa “confidencial, distribuída apenas aos encarregados de Grupo do Exterior”, de JC com os eremitas de São Bento e Praesto Sum, 20/3/96:
(S. Morazzani: Sr. João, uma coisa que o senhor disse na Saúde. O senhor já disse várias que com esforço não se adquire santidade.)
É certo isso.
*
Reunião na Saúde, 26/3/96:
Como é que uma alma se santifica?
Porque nossa idéia é a seguinte: tudo é à base de esforço, sem esforço não se faz nada. Se eu quero, portanto, ficar rico, eu preciso montar uma empresa, eu preciso conseguir um empréstimo num banco, preciso fazer com que este dinheiro seja aplicado em tal ramo assim e assim da economia, fazer com que aquilo cresça, cresça, cresça, e o dinheiro depois vá entrando, entrando, entrando. (...)
Por exemplo, para derrubar uma parede o que é preciso?
Pegar uma talhadeira, uma marreta, e pá! pá! pá! faz um buraco. Depois faz um buraco noutro lugar. Depois com a marreta pá! aqui, pá! lá. Pronto, a parede vai caindo.
Caiu a parede por quê? Por causa do esforço
A gente fica com a ilusão de que para subir na vida espiritual e ficar santo é preciso também isso: põe um pé aqui, agora põe a mão lá, e agarra ali, depois sobe, se arrasta. Espera lá. Esforço é uma coisa muito boa... para a gente não afundar. É indispensável para dar um passinho a mais para a frente, mas não para conseguir a santidade, porque a santidade a gente não consegue através do esforço, a santidade a gente consegue porque o Espírito Santo nos torna santos. O esforço não é nosso.
Chegar à união mística infusa só por uma graça dada pelo espírito Santo.
-- Ah, mas então como é que fica a questão toda da prática da virtude?
-- Não, está ótimo, o senhor tem que praticar a virtude, o senhor tem que se esforçar. O senhor vai conseguir, quando muito, chegar a uma certa união mística adquirida, que tem uma diferença enorme com a união mística infusa.
O santo é aquele que é o amado de Deus, é o preferido de Deus, que é escolhido por Deus para ser modelo para os outros. Então Deus o colhe e o faz santo com esforço ou sem esforço, o preserva, o torna inocente, o sublima, o faz crescer, crescer, crescer.
*
Reunião na Saúde, 23/4/96:
O modo intenso do Espírito Santo falar à alma sabe qual é? É a santificação, porque nós só chegamos à santidade com a ação do Espírito Santo profundo em nossas almas, só. Nenhum de nós chega à santidade por um esforço natural próprio.
Pode a pessoa ser um asceta, pode ser um atleta em matéria de esforço, pode pegar a sua vontade e dobrar a sua vontade como alguém que pega um ferro frio e, sem quebrá-lo, vai dobrando, a tal ponto ele dobra esse ferro, que o ferro fica incandescente, é um homem poderoso. Está bem, este homem poderoso com todas as forças que ele tenha de vontade não consegue santificar-se.
O senhor dirá:
-- Bom, mas então como é? Então não temos que fazer esforço para ser santos?
-- Tem que fazer esforço, mas tenha certeza que não vai conseguir.
-- Bom, então de que vale o esforço?
-- O esforço vale para tocar ao Espírito Santo, o Espírito Santo ficar comovido, olhar e dizer: "Ele está se esforçando muito, eu vou dar". Mas quem dá é Ele e não vem à base de esforço não.
Por isso é que é preciso nós rezarmos, e o Sr. Dr. Plinio colocou como primeira intenção das orações depois da Salve Regina, pro sanctificatione nostra, porque se nós não rezarmos pela nossa santificação, com o nosso esforço nós não chegamos até lá de jeito nenhum.
*
"Jour-le-jour 29/4/96:
Tudo - mas o tudo aqui é T-U-D-O - depende da oração.
Se alguém disser: "Ah, eu não tenho forças para isso", disse uma verdade. Porque devia dizer: "Eu não tenho força para nada". Aí teria dito uma verdade maior e mais completa, porque ninguém tem força para nada, no sobrenatural ninguém tem força para nada, todo o mundo é menos que formiga no sobrenatural.
A força vem de onde? Da graça. E a graça vem de onde? Da oração.
Então é preciso rezar. E por isso Santo Afonso disse: "Quem reza se salva, quem não reza se condena." Quem reza progride, quem não reza regride. Quem reza fica inteligente, quem não reza fica burro. Quem reza faz trabalhos magníficos, quem não reza dá num bicho-preguiça. Impressionante, hein!
Aqui os senhores têm um homem [Dr. Plinio] que nasceu com um vício capital tremendo: preguiça.
Preguiça? Olhe aí! Onde é que está a preguiça ali? Não tem, não tem nada de preguiça.
De onde é que saiu isto? Foi do esforço próprio? Foi da vontade? Não, foi da oração. Então não tem desculpa o sujeito chegar e dizer:
-- Ih, para mim não dá porque é muito difícil.
-- Claro que é difícil. É difícil para a formiga? Está bom, para o senhor é mais difícil do que para a formiga, porque a formiga ainda consegue se movimentar por conta própria. O senhor não, o senhor na vida espiritual é menos que uma formiga.
*
Reunião na Saúde, 21/5/96:
Nas graças místicas o Sr. não precisa fazer esforço, o Sr. precisa se deixar levar (...).
*
Reunião para CCEE, 26/5/96:
Nós temos uma idéia que é uma idéia falha, uma idéia errada a respeito da santidade, que a santidade depende de um esforço enorme que nós façamos para subir. Então eu aplico tal virtude, aplico tal qualidade, aplico tal outra, e vou subindo, porque vou com isso me fortalecendo e vou conquistando mais. Chega um certo momento que eu chego diante de Deus e digo: "Sou santo porque eu consegui. Aqui estou eu".
Idéia errada, porque não é assim. Quem santifica, quem eleva, quem faz com que nós nos tornemos perfeitos é o Espírito Santo.
-- Ah! Mas então o meu esforço?
-- Seu esforço quando o Espírito Santo quer pode valer de alguma coisa como pode não valer de nada. Mas depende do Espírito Santo.
-- Ah, então o senhor é defensor da Mme. Guillon, do quietismo. Ou seja, a gente não deve fazer nada, deve deixar que o Espírito Santo faça tudo.
-- Sim, faça isso que rola lá para baixo. Nada disso!
É preciso fazer esforço? Sim. É preciso que eu, portanto, pratique a virtude? Sim. Mas eu não devo julgar que, porque eu fiz o esforço e porque eu pratiquei a virtude, fiquei santo. A santidade é um dom de Deus, a santidade é dada pelo Espírito Santo.
(...)
Alguém diria:
-- O senhor disse há pouco que a santidade depende do Espírito Santo mais do que da gente mesmo, e que a gente deve fazer esforço para não descer do patamar em que se encontra. Isto é mesmo assim, depende do Espírito Santo? Então eu não sei se sou chamado a ser santo ou não?
-- Olhe, há um grande equívoco, porque chamado para a santidade todo o batizado tem.
-- É assim? Mas o quê, santo de altar?
-- Santo de altar.
-- Eu chamado a ser santo de altar?!
-- Sim, eu chamado a ser santo de altar. Todos.
-- Mas será que o senhor não se equivoca? Porque eu... não sei não, eu tenho minhas debilidades e não sei se seria capaz de chegar à santidade de altar.
-- Ah, isso é certo. Quer dizer, por suas próprias forças nunca. Mas se for pela força do Espírito Santo, sim.
-- Bom, então me explique: o que é que preciso eu fazer para que seja santo e me santifique inteiramente?
-- É muito simples: basta querer.
-- Basta querer?
-- Basta querer.
-- Mas eu quero!
-- Quer mesmo? Porque se quiser chega à santidade.
Este assunto que parece tão complexo, este assunto que parece tão difícil, este assunto que parece inatingível, que é a santidade, a santidade até de altar, está ao nosso alcance, basta querer.
Aqui nós temos exemplos impressionantíssimos de pessoas que quiseram [NB: parece que se refere a Dr. Plinio e Dona Lucilia].
*
Segunda reunião do simpósio para CCEE, 2/6/96:
Tudo o que é virtude, tudo o que está no campo sobrenatural, não adianta o puro esforço humano, o puro esforço humano de si não consegue nada. O esforço humano sem a graça não consegue nem sequer pronunciar com mérito o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Todos os sofrimentos do mundo, todos os sofrimentos de todos os homens se não fossem unidos aos de Nosso Senhor Jesus Cristo, não teriam mérito absolutamente nenhum. Os hospitais, os desastres que há pelo mundo, as guerras, as epidemias, as pestes, nada desses sofrimentos todos produzidos por esses males teriam algum mérito se não fossem esses atos todos unidos aos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acabou.
Então nós não podemos fazer nada sem o auxílio de Nossa Senhora. Coragem é uma virtude, virtude ligada à da fortaleza, uma virtude cardeal. Esta coragem nós só temos desde que ela nos venha por um auxílio da graça. Portanto, é preciso pedir a Nossa Senhora.
*
Reunião para CCEE mulheres, 23/6/96:
A santidade não é algo que Deus dá só a alguns poucos privilegiados. A graça de santidade Deus dá a todo aquele que é batizado. Nós recebemos as graças para nos santificarmos, recebemos em quantidade e o dia inteiro estamos recebendo graças e convites para essa santificação. Ela portanto, não está tão longe de nós quanto nós imaginamos.
Há apenas um problema a propósito de nossa santificação, é o desejo. Se eu desejo eu obtenho. Se eu desejo molemente, eu obtenho molemente. Se eu não desejo eu não obtenho. [Aplausos]
Para nós a santidade está ao nosso alcance, é preciso que eu queira.
JC não fala nada do papel do esforço, da ascese, da luta contra os próprios defeitos.
*
"Palavrinha confidencial" para moças de Fiducia, 17/7/96:
Para ser santa o que é preciso? Ter fome e sede.
Foi assim que São João Bosco converteu um menino chamado Domingos Sávio. Ele estava na igreja e São João Bosco diz:
-- Muitos falam de santidade e depois pensam que santidade é uma coisa complicada. Santidade se consegue com toda a facilidade. O que é preciso para ser santo é querer.
Ele pensou: "É só isso? Então eu quero". Quis e foi.
O que é preciso para essas afilhadas serem santas? O que é preciso para essas afilhadas serem santas, é que elas queiram. Mas querer com ardor.
Esse querer não é um querer de mero exercício de vontade: "Bom, agora então eu vou querer. Eu quero, eu quero, porque eu quero, quero, quero". Depende de uma graça, porque nenhum de nós diz uma palavra sobrenatural com mérito, faz um sinal da cruz ou faz uma jaculatória que tenha mérito se não é assistido por uma graça.
(...) Para ter fome e sede de santidade o que é preciso? O auxílio da graça.
*
Reunião na Saúde, 30/7/96:
A Madre Maravilhas dizia isso para as freiras dela: “Fulana, se tu le dejas...”, ou seja: "Se você deixa Deus trabalhar sua alma, Ele te faz uma santa extraordinária". O problema está em a gente deixar Deus trabalhar nossa alma.
Também no convívio com o Sr. Dr. Plinio o problema estava em se deixar levar. Caberia perfeitamente nós dizermos uns para os outros: - Oiga, se tu le dejas... Se você deixa ele trabalhar a sua alma, ele te leva para o auge de perfeição.
Mas não estando presente Dr. Plinio, a gente deve se deixar levar por quem?
Chama a atenção que o lançamento do slogan "é preciso se deixar levar" mais ou menos coincide com o lançamento da moda de tornar-se escravo de "Dr. Plinio" através de JC.
*
"Palavrinha", 17/8/96:
O esforço humano no campo sobrenatural é nada, por mais que o homem tenha uma força de vontade extraordinária, por mais que o homem seja o mais robusto de todos em matéria de personalidade, sem o auxílio da graça ele não é capaz de fazer o sinal da cruz com mérito. Nada.
E por isso Nosso Senhor diz muito bem: "Sem mim nada podeis fazer". Então é preciso o auxílio da graça. (...) nós jamais nos pareceremos com nosso Pai e Senhor sem o auxílio sobrenatural. Ainda bem, porque se depender do nosso esforço nós estamos perdidos. Depende da graça.
(...) Peçam, peçam, peçam, peçam, peçam, implorem, implorem, implorem para que a alma de cada um se transforme completamente (...) A graça nova diz o seguinte: eu quero hoje! Se não for possível amanhã de manhã. Se não for possível de manhã, à tarde. Se não for possível à noite, mas eu quero o quanto antes, o quanto antes, o quanto antes! Eu quero, eu quero poder chegar a dizer: Já não sou eu quem vivo, mas é Luís Plinio Elias que vive em mim. [Aplausos]
Para isto é preciso nosso desejo, é preciso nosso pedido, mas era preciso algo que mesmo com o nosso pedido, mesmo com nosso desejo nós não alcançaríamos. O principal dessa execução, o principal deste objetivo nós já recebemos.
Alguém dirá:
-- Não, mas o senhor acabou de dizer que nossa natureza é débil.
-- Não, não. Eu não vou falar de natureza não. Nossa natureza é débil mesmo.
-- Bom, mas então o que é que é o principal que nós já recebemos?
É que para isto era preciso que houvesse na base da nossa transformação interior, era preciso que houvesse como fundamento dessa completa mudança de mentalidade, transmutação de mentalidade (...), para isso era preciso que houvesse um fundamento, e enunciando esse fundamento nós terminamos essa reunião.
Eu enuncio esse fundamento. Esse fundamento consiste em que uma alma de categoria se oferecesse a Deus como vítima expiatória. Porque segundo as regras que outro dia ainda estudávamos dadas por nosso Pai e Fundador em 65, as regras da luta entre o bem e o mal, segundo essas regras só mesmo as almas contemplativas, as almas que são vítimas expiatórias é que atingem o outro lado, atingem o outro polo. Só mesmo essas almas que conseguem mutações de mentalidade de uma humanidade inteira.
(...) Dia 3 de outubro de 1995, Deus colheu nosso Pai e Senhor e o levou para junto de Si, ele se encontra agora sentando à direita de Nossa Senhora, ele é o varão da destra de Maria Santíssima, o homem que faz parte da corte dEla e o imediato dEla, o homem que recebe as ordens dEla. Mas, ele que fez a profecia do Grand-Retour, ele que foi o profeta que anunciou o Reino de Maria, ele o profeta que anunciou os castigos para a humanidade, ele que ardia de desejo de ver o Grand-Retour, de assistir os castigos e de estar implantando ele mesmo o Reino de Maria, disse: "Se for preciso para maior glória de Nossa Senhora que isso tenha um brilho ainda muito maior e venha com um esplendor fulgurante e que se estabeleça de uma forma mais efetiva, eu entrego meu sangue".
E ele entregou o sangue dele por nós.
(...) Esse mundo está podre, perdido e pronto para o castigo e ele oferece ilusões ainda. (...) Mas o mundo no colégio, o mundo na família, o mundo nas amizades, o mundo no serviço, o mundo aqui, lá e acolá, a Revolução vai soprar no ouvido dos senhores de que aquela mentira é verdadeira e de que aquela luz que brilha e rebrilha é uma luz mais bonita e mais atraente do que a luz que está sobre os senhores hoje. E os senhores vão ter que travar a batalha.
Essa batalha os senhores não vencem com esforço próprio, mais uma vez vencem pelo auxílio da graça.
*
Falatório de JC depois da Missa de 15/8/96, no ANSA:
Nós devemos ser ousados: nada de pedir que se realize o plano de Deus sobre mim. Isso é um pedido de uma senhora que está com dor num braço. Não! muito mais!
Trata-se de pedir que aquele plano que Deus sempre teve desde toda a eternidade a respeito de cada um de nós se multiplique por ele mesmo.
Por isso, eu pedia que cada um dos senhores seja santo, mas santo num plano "A" - que é aquele da eternidade - mais "A". Ou seja, nada de pedir a realização tal qual ela é.
Eu peço a todos eles que intercedam e obtenham para os senhores a realização da profecia de São Luís Maria Grignion de Montfort: de que sejam carvalhos em relação às graminhas que ficaram no passado.
Para isso o que é preciso?
Alguém hoje me fazia uma pergunta: "Nós podemos fazer alguma coisa?"
Não, nada. Não adianta fazer nada porque nosso esforço pesa pouco nisso. O que é preciso é uma graça.
*
"Jour-le-jour" 12/9/96:
Na hora do Batismo Deus infunde na alma tanto as virtudes, quanto os dons. Não vai infundir os dons na alma de um neobatizado para que fiquem inertes durante a vida inteira. E segundo uma escola de espiritualidade completamente manca, completamente aleijada, que hoje em dia está derrotada a mais não poder, segundo essa escola o geral dos homens se santificam pela via ascética, pela via das virtudes, e não pela via da mística. O que é um erro colossal.
(...) o normal, segundo essa escola, é de que a via é a da virtude, a mística não existe. Quando hoje em dia está comprovadíssimo e aceito por toda a teologia de que a ascética e mística andam entrelaçadas, ora as pessoas recebem graças na linha da ascese, ora recebem graças na linha da mística, e que entre mística e ascese a pessoa vai caminhando.
Por que é indispensável que a pessoa que recebeu os dons, receba graças que movimentem esses dons para poder se santificar? Porque ninguém chega a um objetivo sem conhecê-lo.
(...) Não adianta eu tomar uns tratados os mais completos possíveis a respeito do que é a santidade, eu começar a praticar a virtude por um esforço auxiliado ainda pela graça, praticar a virtude, ser bonzinho com este, ser maldoso com aquele, etc. --não, precisa ser mau com os maus, que negócio é esse? ser vingativo de Deus em relação àquele que fez algo contra a fé católica e não sei mais quanto--, não adianta eu praticar a virtude e não ter a experiência de quem é Deus. Porque se não tiver a experiência em mim de quem é Deus, eu não sou atraído para aquela santidade.
Na sua aversão à ascese, aqui o carismático vai mais longe do que nas fichas anteriores: sustenta que praticar a virtude, por um esforço auxiliado ainda pela graça, não adianta para a pessoa atingir a santidade.
*
"Jour-le-jour" 14/9/96:
Mas a nossa principal prática do amor de Deus consiste em cultivar aquilo que o Sr. Dr. Plinio dá o nome de flash. Ele usou o nome de flash porque --há pouco ainda nós vimos aqui uma luz de flash que bateu, iluminou a sala rapidamente e depois se apagou-- é justamente isso que acontece com uma graça mística que a Providência nos dá em certos momentos a propósito de assuntos concretos, a propósito de algum princípio, a propósito de algum fato, ou às vezes até de uma comunicação direta mística da graça. (...) É uma graça sensível, uma graça que nos toma por inteiro, que torna a nossa vontade fácil de ser levada. Por isso é que nessa graça a nossa vontade é passiva, ela se deixa levar.
Os teólogos dão dois exemplos a respeito de um tipo de graça que não é o flash, e outro tipo de graça da qual é feita o flash.
A graça comum, que é a graça da via ascética, trata-se de um auxílio que Deus dá mais ou menos como a mãe auxilia a criança que ainda não sabe andar direito e que vai meio se arrastando. (...) Quem anda? A criança. Quem impulsiona? A mãe. Quem sustenta? A mãe. Assim também são as graças não místicas, as graças ascéticas, as graças comuns. Quem sustenta é Deus, quem toma iniciativa é Deus, quem faz o esforço é a pessoa.
No outro tipo de graça o exemplo que os teólogos dão é, vendo a mãe que a criança precisa de um caminhar mais desenvolto, que ela não pode estar se atendo ao passo pequeno da criança, o que ela faz? Toma a criança no colo e a criança se deixa levar, a criança não precisa fazer o esforço.
A iniciativa de quem é? Da mãe. O esforço de quem é? Da mãe. A criança que esforço faz? Nenhum. O único esforço que ela faz é deixar-se levar, porque ela podia espernear e ser posta no chão.
No flash é a mesma coisa: quem faz o esforço primeiro é Deus, Ele toma iniciativa; quem faz o esforço segundo e desenvolve toda as nossas atividades é Deus.
*
Conversa em Roma, 20/9/96:
Qual é o papel das virtudes e qual é o papel dos dons. O senhor tem esse rapaz que falava hoje aqui que é organista do Vaticano (...). Mas vamos supor que ele receba uma inspiração e faça uma composição como ele está querendo fazer (...). Ele recebe essa inspiração, mas a iniciativa de tocar esse oratório vem de Deus. O esforço quem vai fazer é ele e Deus vai apenas auxiliá-lo. Isso é bem o que é uma virtude.
Agora, imagine que ele não fosse músico, chega aos 26 anos (...) e recebe uma inspiração divina para começar a compor uma partitura. Ele põe o papel diante de si --nunca escreveu música-- e começa a escrever como se tivesse estudado música nas maiores academias musicais do mundo. A mão dele vai sendo mexida por Deus e ele vai colocando todas as notas. Ele ao mesmo tempo que vai colocando as notas, vai entendendo um pouco daquilo que está fazendo. O entendimento vem a posteriori do que ele faz, mas ele vai fazendo.
É Deus quem tomou a iniciativa, como no outro caso também tinha sido a inspiração dada por Deus. Então é iniciativa nos dois casos. Tanto nas virtudes quanto nos dons a iniciativa é de Deus, sempre, mas no caso das virtudes o esforço era dele. Deus era passivo, ele era ativo; no caso dos dons Deus é ativo e ele é passivo.
Então só se pode ter virtude em grau heróico quando essas virtudes são tocadas à base do impulso dado pelos dons.
Está claro ou não?
(Mikel: Sim.)
(Aparte: As virtudes heróicas só...)
Só é heróica quando a iniciativa é de Deus e quando a execução é de Deus e a pessoa é passiva.
(Aparte: Então o mérito é muito pouco.)
Esse é um outro problema. Em todas as rodas que a gente levanta o assunto ela se põe.
(Aparte: Porque a canonização é a declaração das virtudes heróicas.)
Claro. Então a pessoa o que é que fez? Não fez esforço nenhum. Não é verdade. O maior esforço que o homem faz na vida espiritual - encoste-se bem aí - é de se deixar levar.
(Aparte: Ser escravo da graça.)
Por isso é que essa Madre Maravilhas aí dizia para as freiras dela: "Ai, se tu le dejas, se tu le dejas! Se você deixar Deus agir na sua alma - ela dizia - Ele lhe santifica".
Deus quer de nós a máxima santidade que ele criou para nós. Ele quer nos dar tudo. O empenho, a ação divina que nos criou, essa mesma ação divina quer, mas com um amor incomensurável a nossa pleníssima santificação. Quem impede essa santificação somos nós.
Então, o maior esforço e o maior mérito que uma pessoa tem é de se deixar santificar. Por isso Nossa Senhora teve os maiores méritos de toda a história da Humanidade, porque Ela nunca pôs obstáculo nenhum a nenhuma graça que Deus quis dEla.
(Aparte: "Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segunda sua palavra".)
E esse é o mérito dos méritos. Isto é uma coisa que na cabeça de certos judeus não entra, porque como judeu tem uma mentalidade muito comercial, ele acha que o maior esforço é aquele que o sujeito faz arrancando de si as coisas. Daí a oração do publicano e do fariseu. Todo judeu é meio tendente ao farisaísmo e julga, então, que aquele que fez o esforço chega diante de Deus e cobra um cheque:
-- Olhe aqui, eu fiz tal esforço, agora me dê a santidade.
(Aparte: Qual é a oração do publicano?)
O fariseu vai na frente do templo, se põe na frente e diz:
-- Senhor, eu fiz isto, eu fiz aquilo, já fiz tudo. Agora dai-me o vosso prêmio.
O publicano estava no fundo do templo e disse:
-- Senhor, eu pequei, eu sou um pecador, eu de mim mesmo não mereço nada. Eu peço perdão de minhas faltas pelos vossos méritos, não pelos meus.
E diz Nosso Senhor: "O publicano saiu justificado, o fariseu não". Ou seja, o publicano saiu em estado de graça e o fariseu não.
Para nós termos mérito, o que é preciso é reconhecer que nós, por nós mesmos, não somos nada, não temos mérito nenhum e não valemos nada. Reconhecendo isso, aí pedir, e santificação ninguém pode renunciar de pedir.
Foi o que o Sr. Dr. Plinio nunca renunciou, ele sempre pediu a própria santificação. E depois não pôr obstáculo, ser escravo da graça como ele era. Tocou por aqui, é por aqui; tocou por ali, é por ali. Chegou a hora da morte:
-- Agora vai morrer.
-- Morro. Eu só gostaria de saber se estou morrendo por castigo ou por uma entrega que eu fiz. Eu tenho pânico de imaginar que seja por castigo, porque o que será dessa obra, o que serão dos outros, o que será da glória da Nossa Senhora? Eu não queria empanar nada da glória de Nossa Senhora, mas estou disposto; o que vós quereis praesto sum.
Aí vem, então, o ato heróico dos dons. Porque para ter essa virtude da resignação em grau heróico é preciso que seja tocada por dons.
Sim, porque se não fosse assim, então Nossa Senhora não tem mérito nenhum.
(Mikel: O senhor podia dar algum exemplo?)
Do que é que é virtude e o que é que é dom. Hoje, por exemplo, o Pe. Lourenço ia tirar o pó daquele tapete que está no altar de Mater Boni Consilii a Genazzano. (...) Tinha acabado de nos dar a comunhão, estava fazendo todo esforço, é um homem já de certa idade, então na hora que ele foi tirar o tapete nós nos abaixamos para levar o tapete, sobretudo eles dois. Ele disse:
-- Não, não, deixa estar, deixa estar, deixa eu fazer.
Foi lá arrastando o tapete, depois pôs, e aí estava com a máquina de aspirador de pó tirando [o pó]. [Vira a fita] Mas o ato de si exigiu deles um esforço, que é um esforço que eles fizeram sobre si para ajudar o padre a trocar aquele tapete do outro lado.
Isso o que é que é? Típico de virtude. Virtude em grau heróico? Espera um pouco.
O que é que é virtude em grau heróico? É uma virtude que é praticada --aqui é a virtude da caridade-- por cima de instinto de conservação, por cima dos próprios interesses, desinteressada completamente.
Vamos supor o que é que seria a virtude em grau heróico.
Nós tínhamos programas que podiam ser trocados. Nós tínhamos que tomar café-da-manhã ainda e depois tínhamos a manhã livre até a hora do almoço. É de repente a gente sentir um tal arroubo interior, em que a gente é movido pelo Espírito Santo a dizer ao padre:
-- Não, quem vai fazer esse serviço aqui sou eu. Hoje não.
Dizer para o padre que não, que não sei quanto, e os três ali tomados de entusiasmo fizéssemos aquilo (1), muito mais do que pelo padre, por Nossa Senhora, limpássemos aquele tapete, depois lavássemos a igreja.
(...) Mas esse arroubo seria uma iniciativa do Espírito Santo, a ação concreta seria praticada pelo Espírito Santo, nós nos deixaríamos levar (2). Aí não é um ato de virtude, mas uma virtude heróica.
Não sei se está clara a diferença entre uma coisa e outra.
(Mikel: Eu não consegui me expressar. O senhor se recorda no Sr. Dr. Plinio...)
Ah, no Sr. Dr. Plinio. Tudo é virtude heróica. Eu posso mostrar para o senhor qualquer coisa. Diga qualquer fato que eu mostro como heróico. Por exemplo, o que os senhores contam aí do vídeo que os senhores viram na fazenda. Ele estava assim porque não sabia que estava sendo filmado, porque se ele soubesse que estava sendo filmado não faria isso. Nem isso.
(Baccelli: Parece que não está fazendo nada.)
Virtude heróica (3).
(...)
(Baccelli: É curioso, porque uma vez eu li um processo de canonização onde a pessoa praticava tal virtude e parecia que com facilidade e com prazer, como se fosse uma coisa natural, sem fazer esforço.)
Porque se deixava levar.
(Baccelli: Eu até fiquei com uma coisa: "Puxa, mas não seria mais heróico se ela fizesse esforço?".)
E não é.
(Baccelli: Não, porque o sobrenatural vale mais.)
Porque o homem tem um tal delírio de mando... Mulher sem vaidade de beleza e homem sem delírio de mando é igual a santo. Santidade é isso. O homem tem tal desejo de ele mesmo conseguir a santidade dele, de ele ser o homem que vai conquistar a la Mucius Scaevola o próprio ato de virtude dele, que é difícil ele compreender que deve aceitar uma ação de Deus dentro da qual ele é um ente passivo. Isso custa.
(Baccelli: É humilhante, não é?)
É humilhante.
(Aparte: O heroísmo é um ato prévio de haver se abandonado à própria contingência, não é?)
Exatamente.
(Aparte: Mas depois a virtude heróica quer dizer a virtude praticamente soprada por um dom.)
É soprada pelos dons. A virtude heróica é sempre soprada pelos dons, sempre.
(...) Está claro, então, o problema das virtudes e dos dons?
O senhor tem que, no nosso caso, constantemente, desde que nós não coloquemos obstáculos, desde que nós criemos condições, desde que nós não nos afastemos da perspectiva em que isto acontece, constantemente a Providência está, aqui, lá e acolá, chamando-nos através da via dos flashs, porque o flash toca nos dons da alma e os flashs fazem com que nossas virtudes sejam --na hora em que nós estamos tomados pelos flashs-- em grau heróico.
(Mikel: Sempre que um ato que a pessoa pratica é soprado por um dom do Espírito Santo é heróico ou não é heróico?)
É heróico.
(Mikel: Sempre?)
Sempre?
(Mikel: Aparentemente pode ser grande ou pequeno, mas sempre é heróico.)
Sempre heróico.
(...) Por que é que Deus deu os dons? Pelo seguinte: Porque o senhor pode amanhã, por exemplo, ir fazer um passeio num lugar qualquer aqui de Roma e de repente o senhor encontra uns pretos muçulmanos que vêem o senhor com distintivo, vêem a fisionomia do senhor. Eles desceram aqui na Itália para fazer vandalismo, eles estão em número de dez, lhe cercam num beco qualquer, tiram umas navalhas, umas facas, um deles fala italiano e diz:
-- Olhe aqui, nós somos todos muçulmanos e estamos vendo que você é católico. Ou você renuncia a fé em louvor a Maomé ou nós te cortamos a cabeça.
Nessa hora a virtude procura dar um jeitinho e a virtude diz:
-- Não, espera lá, eu não sou italiano, eu estou vindo de outro país aqui. Que história é essa, não estou entendendo? Por que esse negócio de catolicismo e muçulmano? Não entendi bem essa história?
Isso é virtude. Não negou, mas também não teve heroísmo, e também não entregou os pontos.
Para o senhor olhar para os negros e dizer:
-- Jesus Cristo é Deus e Senhor meu, e [não é só] Deus e Senhor meu: é criador de todo o universo. Eu creio em Deus Padre, em Deus Filho, Deus Espírito Santo, a religião católica eu não a negarei nunca porque é a única religião verdadeira e a religião de vocês é falsa.
Para fazer isso ou é Deus que lhe inspira, ou é Deus que pratica e o senhor se deixa levar. Coragem o senhor não tem, porque o instinto de conservação berra mais alto. O senhor tem que ter os dons dentro da alma para nessa hora Deus tocar com uma graça operante aos dons, e aí o senhor sai com uma coisa lindíssima.
(...) Em geral as rodas todas que se formam as perguntas são mais ou menos as mesmas. Essa do mérito é clássico, qualquer roda que o senhor levanta o assunto surge o problema do mérito.
(Baccelli: Totalmente contrária à mentalidade...)
Econômica, comercialista. Eu me lembro no comecinho do Praesto Sum quando fui falar sobre o mérito o nó que deu na cabeça de alguns (4).
Comentários:
Na escola joanina de vida espiritual, o papel da vontade --isto é, do esforço - e da razão são praticamente nulos. Tudo parte e tudo depende de uma "inspiração mística".
O próprio operar do homem deixa de ser dele: quem faz a ação concreta é o "Espírito Santo".
Portanto, segundo a tese joanina, no Profetismo de Dr. Plinio, seu entendimento teria tido um papel meramente passivo ou até mesmo nulo.
JC sustenta essa tese há muitos anos. Por aí explica-se, em parte, a facilidade com que o "grosso" dos eremitas embarcaram na revolta. É que foram formados na escola do "é preciso se deixar levar" ...
*
"Jour-le-jour" 27/9/96:
Existem dois caminhos a serem seguidos para progredir na vida espiritual.
Existe um caminho que é o caminho da ascese, é esforço. Existe outro caminho que é o caminho da mística e é o ser levado.
Pelo caminho do esforço, pelo caminho da virtude, a pessoa o que é que faz? Dá-se conta de que ela tem uma série de defeitos, e ela então recebe um auxílio da graça para fazer um esforço para combater defeito por defeito, e então ela progride a la japonês, na virtude. [Risos] (1).
Existe outro sistema de progredir na vida espiritual que é de ser tocado por graças místicas muito especiais, ter um entusiasmo extraordinário e perceber quais são os lados bons que a pessoa tem na alma, quais são os chamados que a pessoa leva dentro de si, quais são as virtudes, quais são os dons que Deus lhe deu e então se encantar com isso. E se encantar com isso, se encantar; se encantar a tal ponto, que ela encantando-se ele tem um vento nas velas e o barco vai, enquanto esse barco vai a vela, o outro barco vai a remo. Os dois barcos vão, esse aqui faz esforço; o outro se deixa levar (2).
Isto também existe no que diz respeito à troca de vontades. Troca de vontades é um dom de Deus, antes de tudo, que Deus dá a quem Ele quer. Por quê? Porque é um dom místico. Mas acontece o seguinte, se eu fizer o esforço auxiliado pela graça de viver em torno dos flashs, contemplar os flashs (3), contemplar os flashs e me recordar desse flash, recordar daquele outro, recordar da figura do Senhor Doutor Plinio (...) Chega um determinado momento em que eu estou tão tomado por ele que eu posso dizer o que está naquela oração: "Minha vida é toda sobrenatural, dele me vêm todas as graças e posso fazer nessa união de escravo tudo quanto ele mesmo pode. Já não sou eu quem vivo, mas é MSS que vive em mim." Pronto. O que é que houve? Troca de corações. (...) Nossa via é essa. Desde que eu me faça um pequeno esforço para me manter dentro da recordação dos flashs, fazendo esse esforço da recordação dos flashs, as graças descem. (...)
(Sr. Paulo Akitomi: Uma outra pergunta, que tem relação com a pergunta do Sr. Saidl (4), seria a seguinte: Deus, por amar mais uma pessoa, ele dá maiores "flashs", apesar da miséria do estado de alma da pessoa. Agora, isso é regra ou exceção, e o normal seria a pessoa com pensamentos elevados ter "flashs"?)
É, no fundo de sua pergunta tem o seguinte, e é compreensível. Nós temos uma mentalidade comercial, temos mesmo. Então como é que é esse negócio? Adianta eu fazer o esforço ou não adianta? Porque se eu me mato e depois eu não recebo nada, então... que negócio é esse? [Risos]
(Sr. Paulo Akitomi: Não, eu quero saber se tendo pensamentos elevados, ajuda a ter maiores "flashs"..., ou a regra ééééé...) (5)
Ahahah! Ainda bem que o senhor está se dando conta que... [Risos] O senhor está me dando razão aí, ahahah!
O que eu vou dizer vai deixar os senhores atônitos, mas é a realidade.
Santa Terezinha do Menino Jesus dizia "tudo é graça".
Nós temos a ilusão de que quando nós fazemos esforço, esse esforço partiu de uma iniciativa nossa. Esse esforço partiu de uma iniciativa da graça. (...) (6).
Bem, depois, nós temos ilusão de que quando nós praticamos uma virtude, foi porque nós nos pusemos naquela trilha e arrancamos de nós e praticamos a virtude. Não é verdade, foi a graça.
Sem a graça eu não consigo fazer um sinal da cruz com mérito. Sem a graça eu não consigo pronunciar o nome de Jesus com mérito.
Nosso Senhor deixou muito claro no Evangelho, Ele disse: sine me nihil potest facere, sem mim nada.(...) Então sem Nosso Senhor, não é que nós possamos fazer este esforço meritório ou aquele esforço meritório. Não. Está dito por Ele, é nada!
Então não há nada que nós possamos fazer com mérito se não for auxiliado pela graça. E nós temos uma mentalidade de comerciante em que a gente julga que eu então vou e faço um esforço.
Mas que eu faço um esforço! Esforço como?! Eu não faço esforço, é a graça que faz o esforço em mim, é a graça que me dá energias. Eu sem a graça não faço nada. (...) quando eu sinto em minha alma um pendor para fazer um esforço, é porque Nossa Senhora quer me dar, porque Ela pôs a iniciativa em mim através da graça para que eu me pusesse em movimento para Ela dar depois. (...) Então, vale a pena esforçar-se. [Risos] Mas vale a pena porque é uma iniciativa tomada pela graça (7).
Comentários:
JC caçoa --e destarte desprestigia-- da via do esforço, mesmo quando complementada pela graça.
Na espiritualidade joanina, a pessoa deve perceber seus lados bons, suas virtudes, seus dons, etc.; se encantar com isso; subir de encanto em encanto; e "se deixar levar". A percepção de seus defeitos e o combate aos mesmos, não faz parte desta escola espiritual, ou ocupa um papel muito secundário.
Esta concepção explica, em alguma medida, por que razão os joanientos abandonaram o combate à Revolução (na Colômbia, por exemplo, cessaram de combater a narco-guerrilha) e só se dedicam a fazer apresentações musicais.
À primeira vista, o único tipo de esforço aceito na espiritualidade joanina é de índole contemplativo, não de índole ascético. Porém, mais abaixo veremos que até esse tipo de esforço é desaconselhado.
O Sr. Saidl tinha dito que: "muitas vezes, acontece de pessoas que nas piores condições espirituais recebem flashs, e [grandes] flashs às vezes..."
O Sr. Akitomi está se referindo claramente ao esforço de índole contemplativo, ao esforço para recordar flashs. Mas este tipo de esforço, que pouco antes tinha sido recomendado, agora é censurado por JC.
O parêntese é do texto original.
O primeiro movimento, o primeiro pendor para fazer um esforço, não pertence à pessoa. Todo esforço parte de uma iniciativa da graça. E, a rigor, até mesmo a correspondência à graça, não depende da pessoa, mas da graça.
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"Jour-le-jour" 6/10/96:
O Senhor Doutor Plinio diz isso de que o esforço que a pessoa precisa fazer para receber as graças místicas, entre nós, na nossa via, na via espiritual fundada por ele, na via que se abre diante de nós até o Reino de Maria, o esforço que deve ser feito é mínimo.
A Providência exige de nós apenas que a gente se coloque diante da temática, basta a gente pôr a temática Plinio Corrêa de Oliveira diante dos olhos, que a graça desce. [Exclamações]
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"Jour-le-jour" 13/10/96:
É comum hoje em dia, admitido por todas as correntes teológicas, de que as graças na linha da ascese e as graças na linha da mística assistem a todo e qualquer cristão, porque é impossível chegar à santificação plena sem o auxílio da mística. Não se chega.
Quem é o homem que é auxiliado por uma graça com a qual ele tem que colaborar, portanto, uma graça cooperante, que vai fazer todo o esforço necessário para chegar a ser santo?
Para que haja uma virtude praticada em grau heróico, só com graças operantes ou, portanto, só por meio da mística. Para atingir a santidade, é indispensável que nós pratiquemos as virtudes em grau heróico. Ora, para praticá-las só com o auxílio da mística.
Então a mística está nas vias comuns de santidade de qualquer pessoa posta... Um lixeiro que passa pela rua, qualquer um tem que ter graças místicas. Se não tiver graças místicas ele não se santifica.
(...)
(S. Canals: Sem a via mística é impossível alcançar a santidade?)
Não é possível, porque nós precisamos praticar as virtudes heróicas para ser santo. Ora, a heroicidade de uma virtude só vem por uma graça operante, ou seja, pela mística.
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"Jour-le-jour" 10/11/96:
Nenhum de nós tem força. Forças para entrar pelas vias da santidade, forças para entrar pelas vias de nosso Pai e Senhor, nenhum de nós tem. Forças suficientes para ser tal qual ele foi, tomá-lo como modelo, segui-lo como modelo, essas forças naturais nós não temos. Ou ela nos vem por um auxílio da graça, ou nós não conseguimos chegar a ele.
Se depende da graça, melhor ainda, porque se dependesse de nós seria o desastre.
Conversando com o Pe. Royo Marín, ele dizia que uma mística espanhola, Madre Maravilhas, conhecida dos senhores, costumava dizer para as freiras dela... Porque as freiras, ainda mais mulher, sabe-se perfeitamente como é o modo de ser feminino --criam problemas, complicações, casos que não têm solução--, iam conversar com ela para resolver os problemas e ela ao resolver os problemas das freiras defendia essa tese:
-- Deus quer a nossa santificação, Deus quer nossa salvação e quer nossa perfeição, quer que nós cheguemos ao auge que Ele criou para nós. O desejo dEle é esse. O único problema que existe é que nós atrapalhamos a Deus. Aí está o único problema, o único obstáculo é esse.
E ela, então, dizia para as freiras:
-- Mire, se tu le dejas, tu serás una santa.
Então o problema está no deixar, o problema está em permitir que Deus faça esse trabalho em nossa alma.
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Reunião na Saúde, 19/11/96:
Nós não nos damos conta que nós fazemos progressos na vida espiritual. Quando nós não atrapalhamos, porque se a gente atrapalha não sai nada. Põe a própria vontade e estraga tudo. Por isso é preciso deixar, deixar, deixar que ele [Dr. Plinio] aja, deixar que ela [SDL] aja. Agindo, eles vão mudando nossa configuração e vão nos elevando, vão nos elevando sempre.
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"Jour-le-jour" 2/12/96:
(S. Canals: O senhor disse às tantas que mais importante do que amar era ser amado.)
Esse é um problema que dá um nó na cabeça das pessoas feroz. Desde que o amor que a gente tem é o amor que desce. Quer dizer, se nós somos objetos de um amor de um superior, é mais importante ser amado pelo superior do que amarmos o superior.
(S. Canals: Esse amor de Deus aumenta ou diminui na pessoa?)
Entendi bem a pergunta. Entendo bem onde é que está o fundo da objeção.
Nosso Senhor disse no Evangelho: "Tudo o que pedires a meu Pai em meu nome Ele vo-lo dará". Essa palavra dEle é absoluta, porque Nosso Senhor não pode dizer algo apenas para distrair o povo que estava diante dEle. Se Ele disse é porque é.
Então, tudo o que nós pedimos a Deus Padre em nome de Deus Filho, Ele nos dá, com vistas à nossa salvação evidentemente.
Ora, se Ele disse isto, há um amor de Deus a nós que é um amor que Deus teve desde toda eternidade. Esse amor foi invariável sempre, até o momento em que me volto para Ele e peço: "Nosso Senhor Jesus Cristo disse que tudo aquilo que nós pedíssemos a vós em nome dEle, vós nos daríeis. Evocando a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo eu vos peço: Senhor, amai-me mais". Aí o senhor será amado mais.
O senhor dirá:
-- Mas então eu consegui mover a vontade de Deus?
-- Nossa oração não faz outra coisa senão mover a vontade de Deus.
Agora, acontece que Deus já viu essa oração desde toda eternidade também. E o senhor fez essa oração porque recebeu uma graça, porque senão o senhor não faz. Sem a graça o senhor não vai fazer essa oração de jeito nenhum (1).
O senhor vai obter isto por causa dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo e não pelos próprios. E mais: ainda vai valer para o senhor o mérito de seu fundador.
Pode pedir, peça, peça.
Comentário:
Portanto, até mesmo para pedir graças místicas por meio da oração, a iniciativa não é da pessoa; o papel da pessoa é meramente passivo; e o esforço de índole contemplativo acaba sendo nulo.
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Reunião na Saúde, 17/12/96:
(S. Canals: São João Bosco se tivesse sido mais perfeito teria conseguido trazer mais gente. Como pode ser isso? Dentro da virtude se compreende que a pessoa possa ser mais perfeita, mas uma vez que no santo é Deus que atua, são os dons do Espírito Santo que atuam no santo, como é que eles próprios não alcançam a perfeição total? É o próprio Deus que está atuando?)
Quer dizer, mais propriamente dito, a pergunta é essa: Uma vez que a santidade é um dom gratuito de Deus, parte de Deus, é iniciativa de Deus, e o santo é um elemento passivo, ele não e um elemento ativo, uma vez que o santo, portanto, se deixa levar, como é que é possível que ele, santo, não atinja o grau de perfeição máximo uma vez que ele recebe tudo de Deus?
Veja que mais difícil é a correspondência às graças operantes em que nós somos passivos, às graças místicas, às graças, portanto, da santidade, mais difícil é corresponder aí do que nas graças comuns. É mais fácil corresponder a uma graça comum do que corresponder a uma graça especial, por quê?
Eu vou lhe dar um exemplo.
O que é mais fácil para o senhor, se eu lhe desse uma bicicleta para o senhor andar, ou se eu lhe desse um Concorde para o senhor dirigir?
Bueno, la bicicleta, no? Claro. [Risos] Quanto mais próximo está a graça da sua natureza, mais fácil é o senhor corresponder a ela. Mas quando a graça vai ficando totalmente desproporcionada ao senhor, essa correspondência é difícil (1). Daí os méritos de Nossa Senhora serem colossais, porque Ela correspondeu de forma perfeitíssima a todas as graças que recebeu. Ela não podia ser mais perfeita do que foi em nada. Não há nem sequer sombra de uma leve, semi, semi, semi, ultra-semicorrespondência, nada. Tudo foi correspondido da melhor forma possível.
Mas as graças em que nós somos levados, essas graças exigem de nós um desapego muito maior, um desprendimento muito maior. O deixar Deus agir no fundo de nossas almas é algo que custa muitíssimo.
O que custa mais, o voto de pobreza ou o voto de obediência? O senhor já está balançando a cabeça porque o senhor está vendo que custa mais o da obediência. Porque o de pobreza, o senhor já entrega todo o dinheiro, já não quer saber mais nada. Vai sair, pega uma esmola, quando volta entrega todo o troco e está acabado, isso é facílimo. Facílimo desde que não seja um Judas, mas é facílimo.
Já o voto de obediência não. Porque na pobreza o senhor entrega um bem externo, mais ainda, se o senhor fizer um voto solene de pobreza, o senhor entrega a capacidade de possuir, o senhor não possui mais nada, acabou. Mas na obediência o senhor entrega a sua vontade. Entregar sua vontade, homem! não é brincadeira, é uma coisa complicada, difícil. Entregar a própria vontade custa, a própria vontade é algo que dói.
O que se exige na hora da graça, que é a graça de santificação, o que se exige aí é a perfeição absoluta em matéria de obediência. É ser completamente dócil ao que o Espírito Santo quer de nós.
Às vezes o santo, sem se dar muita conta, tendo dois caminhos, um é o que o Espírito Santo quer, outro é menos perfeito, ele vai e escolhe o menos perfeito. Por quê? Porque ele tem vontade e na vontade dele ele escolheu algo que foi menos perfeito.
Comentários:
Não é tão assim. Porque, por definição, as graças operantes são maiores do que as cooperantes; e entre as graças operantes, algumas são dadas à pessoa mesmo que a pessoa não queira (por exemplo a graça da conversão de São Paulo, cfr. Suma Teológica, 1-2, 9, 6 ad 3). Por outro lado tem as graças dadas aos membros do Grupo: em princípio são maiores que as dadas ao comum das pessoas; e Dr. Plinio disse certa vez que, corresponder à nossa vocação, é o mais fácil que há e ao mesmo tempo o mais difícil.
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Reunião no ENSDP, 26/12/96:
O Sr. Dr. Plinio disse o seguinte uma vez para mim num almoço:
-- Dada a nossa vocação, eu não entendo que um membro do Grupo não seja santo e santo de altar.
De modo que eu estou respondendo sua pergunta pelas costas. De fato, se isto é próprio aos santos, é próprio a nós.
O senhor dirá:
-- Bom, mas como é que eu faço para ser santo?
-- Primeira coisa é desejar, segunda é pedir.
Nós temos uma ilusão de que a santidade é algo que a gente conquista através de um esforço. A santidade é um dom do Espírito Santo, é um dom gratuito como a graça do martírio, por exemplo, [que] é um dom gratuito. É dado pelo Espírito Santo.
O sujeito pode fazer todo o esforço que ele quiser. Se o Espírito Santo não se mover a santificar a alma, não adianta.
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"Jour-le-jour" 19/1/97:
Não se esqueçam que a escada que nos leva ao Céu é rolante e ela rola para baixo. A gente precisa subir a escada correndo, ganhando a velocidade da escada. Se eu paro, a escada me traz para baixo.
-- Puxa, mas por que Deus não fez uma escada no sentido contrário? Existe a escada do sentido contrário. A escada do sentido contrário é a mística. Quando a gente está tocado pela mística, aquilo vai, a gente está parado e a escada... Mas a da ascese é no sentido contrário: parou, desce.
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"Jour-le-jour" 27/1/97:
Na vida espiritual o senhor tem dois caminhos para chegar à perfeição.
[Imaginem um grupo] de escaladores de montanha que se encontravam num sopé de uma montanha e deveriam subi-la, deveriam escalá-la. (...)
Um é procurar ter todos os instrumentos necessários para o senhor subir a montanha: corda, sapato de prego, isto, aquilo, martelo, cantil para beber água a las tantas, uma rede para estender a rede, se não deu tempo de subir a montanha até a noite o senhor tem que dormir na metade da montanha, então tem que pôr uma rede, amarrar nuns pregos ali e dormir lá em cima. Uma forma é a do esforço, e isto se chamaria o estar no alto da montanha de forma adquirida.
Outra é de repente aparecer um anjo, colher a pessoa que está embaixo, levar e pôr em cima. Isto se chamaria forma infusa.
Então o senhor tem dois meios de subir a montanha: um é da forma adquirida, outro é da forma infusa.
Assim também no que diz respeito à perfeição, o senhor tem dois meios: Um é subir de degrau em degrau, depois escorrega, começa tudo de novo, sobe mais uma vez, quando chega lá em cima escorrega, quebra um cotovelo, tem que engessar o braço e ficar lá quieto esperando que o braço conserte, depois sobe mais um pouco, e assim leva a vida inteira subindo. Ainda assim mesmo, quando está perto da hora da morte o sujeito olha e diz: "Puxa, ainda está lá em cima o alto da montanha. Eu subi, subi, subi, e não cheguei até lá em cima."
Outro é a Providência chegar logo no início da vida espiritual da pessoa, logo na sua infância e pô-la já em cima da montanha.
O senhor me pergunta como é que é na alma do Sr. Dr. Plinio? É da forma mais perfeita possível, porque ele desde criança já foi santo. (...)
O senhor dirá:
-- Mas onde é que está o mérito de uma coisa dessas? É um mérito enorme, é o mérito de Nossa Senhora. Por quê? (...) Todo homem tem o desejo de ele fazer, todo homem tem o desejo de ele realizar. Ele quer dirigir, ele quer conseguir, ele quer conquistar, o orgulho dele pede isso dele (1). Mas para chegar à situação em que ele diz: "Eu de mim não quero nada, a única coisa que eu quero é ceder, ceder à ação da graça", se deixar tomar por um anjo (2) e ser levado no alto da montanha, faz com que o sujeito perca a possibilidade de ele sentir a aventura de ele mesmo subindo, de ele mesmo galgando de ele mesmo chegar até lá em cima. Se ele perde esse gosto, ele deixa de ser ele, ele deixa de ter conquistado ele mesmo. Então ele prefere muito mais subir por si do que ser levado por outro. E o mérito que têm os santos que são levados por Deus é o mérito de desapegar-se de si.
O Sr. Dr. Plinio tinha um grande desapego de si. Ele se amava a si mesmo por amor de Deus, mas por outro lado ele não tinha o menor apego a si mesmo. Ele percebia que ele perfeitamente podia fazer esforço, tinha inteligência, tinha vontade dons, naturais até, tinha boa educação, tinha boa cultura, tinha boa tradição, mas ele põe isso tudo de lado (3) e diz: "Eu quero ser conduzido por Deus, quero ser levado por Deus".
Isso exige um esforço muito maior do que a pessoa subir por si. Porque o subir por si indica que a pessoa não entregou o fundo da sua vontade. E o grande problema do homem na santidade é entregar a sua própria vontade.
Por isso a obediência é a virtude que mais custa. Custa mais do que a pobreza e mais do que a castidade. A pobreza é a virtude que leva a pessoa a se desapegar dos bens, a pureza é a virtude que leva a pessoa a se desapegar dos instintos, mas a obediência leva o sujeito a se desapegar da própria vontade. E essa custa (4).
(...) O Sr. Dr. Plinio foi tomado desde criança e se deixou. Por isso era obedientíssimo, ele entrava numa cerimônia e queria que dissesse o que é que ele tinha que fazer. Ficava esperando (5).
Comentários:
Dr. Plinio ensina no MNF que esse desejo, de si, é reto e faz parte do senso do ser. Quando é desregrado, corresponde ao orgulho.
Em concreto, quem faz as vezes desse "anjo" nas fileiras dos joaninos?
É absolutamente errado afirmar que Dr. Plinio, ao se santificar, pôs de lado sua inteligência, sua vontade, sua educação, sua cultura, sua tradição. Pelo contrário: ele se serviu de tudo isso para se santificar. Até os deleites ele aproveitou nesse sentido --tanto assim que ele elaborou a teoria do "deleite santificante" no MNF.
Depois de colocar a premissa de que, para se santificar é preciso "se deixar levar" por outrem, agora JC dá um passo mais para frente e afirma que é preciso obedecer. Obedecer a quem?
Em outras ocasiões, JC contou que, a pessoa à qual Dr. Plinio obedecia nas cerimônias, era ... JC!
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"Jour-le-jour" 10/2/97:
(Luís Alexandre: Queria perguntar se a graça mística é uma graça atual.)
É, nós vamos estudar isso. Depois quando formos estudar as graças atuais, nós vamos estudar as graças cooperantes que são as graças na linha da ascese, da virtude, vamos estudar as graças operantes que são as graças... [Vira a fita]
Tudo é a graça atual. Os dons estão quietinhos como uma lâmpada apagada. A partir do momento em que há, por iniciativa do Espírito Santo, por um pedido nosso, uma graça operante sobre os dons, então eles se movimentam. Aí a gente pratica um ato heróico de virtude, porque sem uma graça operante nós não praticamos um ato heróico. Sempre o lado humano e o heróico nunca sai.
(...)
(Lamartine: Eu pergunto se a virtude sobrenatural seria intermediária entre a virtude natural e as virtudes infusas. Seria isso?)
Não, não, não. É que quando o senhor fala em virtude sobrenatural, o senhor está falando em virtudes infusas, porque não há nenhuma virtude sobrenatural que não foi infusa.
O senhor pode tanto usar uma terminologia quanto outra. O senhor pode dizer virtudes infusas, que são as sobrenaturais; virtudes sobrenaturais, que são as infusas. As naturais são adquiridas e as virtudes adquiridas são as naturais, porque o senhor não pode adquirir por seu esforço jamais uma virtude sobrenatural.
Quando o senhor fala de uma virtude adquirida é natural.
*
"Jour-le-jour" 16/3/97, parte II - Logo depois de afirmar que não
está pondo de lado a ascese, o espertalhão a põe de lado:
Podia parecer que eu estivesse defendendo uma via espiritual nova que cancela a ascese, deixa a ascese inteiramente de lado. Não é verdade. Nós devemos seguir a inspiração da graça em nossas almas. Se nós sentirmos uma apetência muito grande para usar um cilício e, usando o cilício, eu vejo que me faz bem espiritual, uso o cilício. Se eu sinto que enfiar umas pedrinhas dentro do sapato para me prejudicar o andar ou coisa que o valha isso me ajuda, está bom, ponho as pedrinhas. Mas o que acontece para nós, no nosso caso, a Providência muito mais do que exigir de nós atos de grande sacrifício, de sacrifício de grande via, de grandes penitências, o que a Providência quer de nós é este amor.
Veja que é curioso: não é só um amor nosso para com ele, é um amor nosso para conosco. Quer dizer, a Providência quer que nós nos amemos assim.
(...) as regras muito vezes da vida espiritual são contrárias às regras da vida natural.
O senhor veja, por exemplo, a questão da força. A força na vida natural vem de eu fazer exercícios. Quanto mais exercício eu faço, mais eu vou adquirindo forças musculares, meus músculos vão crescendo. Na vida sobrenatural, a força não vem tanto do exercício que eu faça, mas vem da união que eu tenha com alguém que tenha força.
*
"Jour-le-jour" 31/3/97:
Nós devemos pedir muito graças operantes, graças operantes, e sabermos dialogar com Deus pedindo a Ele exatamente as graças que nós mais necessitamos. Portanto, quando eu pedir a graça, peço uma graça operante, já direto.
Quando eu digo graça operante tem mais fruto, tem mais efeito. Porque, de repente, eu peço uma graça e Deus me dá, mas me dá uma graça cooperante. Toca lá eu a fazer esforço, e sai bobagem. Então é melhor pedir a operante de uma vez.
*
"Jour-le-jour" 19/5/97 - JC lê e comenta uma ficha (do Pe. Royo? do Pe. Garrigou?) sobre a graça:
Deus move nosso espírito e nossa vontade:
A) Na ordem sobrenatural:
- por cima da deliberação, por inspiração especial, à qual os dons do Espírito Santo nos tornam dóceis.
- depois da deliberação, para querer tal ato de tal virtude infusa, por exemplo da religião dirigida pela prudência.
- antes da deliberação, para querer eficazmente o fim último sobrenatural. Aqui há deliberação. Mas não é por deliberação e por um ato prévio que o pecador, no momento de sua conversão, é movido a querer eficazmente o fim último sobrenatural (nota), pois todo ato prévio é inferior a esse querer eficaz, e [o ato prévio] só pode ter como efeito dispor a alma para receber essa graça. É necessário, pois, uma graça operante especial. Esta não é requerida quando, querendo já eficazmente o fim, desejamos os meios. Neste caso é requerida somente a graça cooperante.
Eu para poder querer a minha salvação eterna, pode ser que receba antes de tomar uma deliberação qualquer uma graça. Então a graça pode se dar antes da deliberação, concomitante com a deliberação ou depois da deliberação, e essa graça pode ser cooperante, como pode ser operante. Em síntese o quadro é esse. (...)
Se eu for ler essa nota aqui, os senhores vão patinar, mas vamos lá, não tem nada.
Nota: Aqui há deliberação. Mas não é por deliberação e por um ato prévio que o pecador, no momento de sua conversão, é movido a querer eficazmente o fim último sobrenatural, pois todo ato prévio é inferior a esse querer eficaz,...
Ninguém quer a sua própria conversão por impulso próprio. No fundo o que ele está querendo dizer é o seguinte: o querer a própria conversão é fruto de uma iniciativa de Deus. Se Deus não tomar iniciativa, pode a pessoa fazer o esforço que quiser para se converter que não se converte. A iniciativa tem que ser de Deus.
Na Suma Teológica (1, 87, 2c), S. Tomás de Aquino ensina que a graça não se infunde nos que gozam de livre arbítrio, sem um movimento atual do livre arbítrio rumo a Deus.
*
"Jour-le-jour" 22/8/97:
Eu posso dizer o seguinte: conosco, em geral, se nos exigirem esforços, nós não damos. Precisamos, diria Dr. Marcos, de um caminhão. E depois de um caminhão, precisaríamos de um enxerto ainda. Sem isso não vai.
Então, o que se passa com todo e qualquer um de nós, em relação ao Sr. Dr. Plinio, é que de fato, durante a vida, vai-se construindo um belvedere em relação a ele, mas esse belvedere é construído por mera ação da graça, por um dom gratuito de Deus. Não pensem que a pessoa pára, senta e começa a fazer um esforço para poder construir, porque se se exigir isso de alguém da nossa geração, vai ser muito difícil arrancar.
É certo que com o auxílio da graça, aquilo voa. Mas sem o auxílio da graça, não se constrói. E por isso é que, quando vier o Grand-Retour, aí sim tudo estará resolvido, em matéria de belvedere. Aí nós teremos um belvedere a respeito dele, extraordinário.
*
"Jour-le-jour" 3/3/97:
Não venham com a história: "Ah, como é difícil ser santo!". Não é verdade. A dificuldade para a santidade está em nós, não está na graça, não está na vontade de Deus. Deus nos quer santíssimos, é só nós deixarmos. O problema é que nós colocamos obstáculos.
(...)
Chega um elemento qualquer, um eremita ou então um membro do Grupo, chega para um outro e diz:
-- Ai, estou passando mal.
-- O que é que está acontecendo?
-- Não sei, comi alguma coisa que me parou no estômago. O outro pensa um pouco e diz: "Eu tenho aquele digestivo que é zás-trás, tomou, pronto, cura mesmo. Mas acontece que eu tenho só três comprimidos, se eu dou um para esse sujeito aqui fico com dois. Vou fazer um esforço".
-- Olhe, eu tenho um remédio aí. Não sei se o senhor o senhor gostaria de tomar.
-- Ah, eu tomo qualquer coisa porque eu estou morrendo, eu estou morrendo. Me dê qualquer coisa porque eu estou morrendo. Se o senhor tiver, eu agradeço. Dê-me, dê-me, dê-
me.
Ele vai e diz: "Puxa vida, vou ficar só com dois, mas não tem nada, vou fazer esse esforço".
-- Tome, está aqui.
O que é isso? Um ato de virtude.
Ele recebeu um estímulo da Providência de dar o remédio para o outro, ato de caridade. Mas ele foi governar o estímulo que recebeu e ao governar começou a fazer cálculos: "Vai-me fazer falta". Ao fazer falta, ele praticou um ato de virtude que é imperfeito (1).
Se ao invés de ele ser tocado por uma graça, que é uma graça pura e simplesmente na linha da virtude que se chama cooperante, que a alma coopera com a graça de Deus, ele recebe uma graça operante onde ele vai ser tocado por Deus.
O outro vem e diz:
-- Ah, eu estou passando mal do estômago.
Ele imediatamente pensa: "Ah, eu tenho aquele digestivo".
-- Mas o que é que está acontecendo?
-- Eu comi um negócio e me parou aqui.
-- Olhe, tenho um remédio que é extraordinário. O senhor tome. Olhe aqui, tem esses três comprimidos aqui, o senhor tome um agora. Se o senhor não passar bem depois do jantar, o senhor toma outra, e já fica uma para amanhã para a hora do almoço. Com três resolve seu caso.
Nem passa pela cabeça dele que ele ficou sem porque o ato de virtude é heróico.
(...)
(Albertony: [Por que é que é heróico se não fez nenhum esforço]?)
(...) Em primeiro lugar é heróico porque quem pratica é Deus e tudo o que vem de Deus é heróico. Mas é heróico inclusive por causa da própria pessoa que o pratica, e pelo seguinte: é que o homem gosta de ser ele mesmo, o homem gosta de possuir por si, o homem gosta de praticar por si, o homem gosta de vangloriar-se naquilo que faz, o homem quer realizar-se.
O maior obstáculo que existiu em toda a vida do Grupo enquanto o Sr. Dr. Plinio esteve entre nós foi o obstáculo da prática desse heroísmo: deixar-se levar pelo profeta. Esse foi o problema que levou muita gente para fora do Grupo e que ensabugou muitos outros dentro do Grupo.
Por quê? (...) a pessoa queria ser ela mesma, e querendo ser ela mesma o que acontecia é que ela punha obstáculos. O não pôr obstáculos é um heroísmo.
Por isso Nossa Senhora foi tocada muitíssimo pelos dons do Espírito Santo, sempre na atitude "eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra". Isto é dificílimo, porque o sujeito gosta de ser ele mesmo.
(...) O mérito está em querer ser influenciado, o mérito dos dons está em querer deixar-se levar. Isso é um heroísmo. Exige muito mais virtude, muito, mais força de alma, do que a prática da virtude simples.
(...) [Os] dons agem dependendo da vontade do Espírito Santo, não é da nossa. Se nós tivéssemos a alavanca nas mãos seria muito fácil. Isso depende do Espírito Santo, é o Espírito Santo que vai dar.
Comentário:
JC apresenta a cooperação humana com a graça como acarretando, necessariamente, uma imperfeição.
*
"Jour-le-jour" 31/3/97:
O senhor é um apóstolo de escritório, o senhor está precisando escrever uma carta para uma pessoa qualquer, respondendo a uma que ela mandou para a TFP, o senhor se prescindir da graça e confiar na sua cultura, zero. O senhor vai fazer uma carta culta e carta culta não convence ninguém. O senhor precisa fazer uma carta abençoada, o senhor precisa fazer uma carta pliniana, o senhor precisa fazer uma carta luciliana. Para o senhor poder fazer uma carta pliniana e luciliana, o senhor precisa do auxílio da graça que eles têm.
São graças atuais que o senhor vai receber. Sem isso não adianta nada.
(Aparte: Até para fazer conta?)
Até para fazer conta, porque fora é possível que um filho das trevas faça uma conta perfeita, dentro do Grupo para fazer a conta perfeita é preciso do auxílio da graça.
O epígrafe desse trecho do "Jour-le-jour" é o seguinte: "Para tudo a graça santificante é necessária".
De fato a ajuda da graça é imprescindível para tudo, mas desde que diga respeito à vida sobrenatural. Para o operar natural humano, não é necessária a colaboração da graça. Segundo o insuspeito Pe. Royo, "sem a graça atual ou auxílio sobrenatural de Deus, a alma em graça (e ainda com maior razão a do pobre pecador) nada pode fazer na ordem sobrenatural" (Cfr. "Somos hijos de Dios - Misterio de la divina gracia", BAC, Madrid, 1977, Cap. V)I.
*
Reunião na Saúde, 3/6/97:
(José Elias: No retiro foi dito que nós temos que estar sempre com a alma aberta para as graças que Nossa Senhora dá. O que é esse estar com a alma sempre aberta?)
Quando o senhor está dentro de uma casa, o senhor pode estar com as portas e as janelas trancadas, com cadeado, etc., e o senhor não recebe ninguém. Se alguém toca a campainha o senhor olhar pela fresta da cortina, não atende, não abre a porta. Se o senhor não abre a porta, a pessoa não entra. Não sei se já aconteceu isto com o senhor, mas se o senhor não atende a pessoa na porta, ela não entra. [Risos]
Agora se, pelo contrário, a pessoa chega, toca a campainha e vê o portãozinho aberto, a porta de entrada aberta... ainda que a pessoa não atenda, ela arrisca e entra. Chega até à sala de entrada e bate palmas para ver se tem alguém, porque está tudo aberto.
Então, nós não devemos deixar nossa alma nunca com as portas ou as janelas fechadas; devemos estar sempre com a alma aberta, com as portas e as janelas da alma abertas para Nossa Senhora, para as graças, para o Sr. Dr. Plinio, para qualquer influência dele, para qualquer influência da Srª Dª Lucilia. Sempre, tudo escancarado!
Mas como JC está inabitado por “Dr. Plinio”, também é preciso estar com a alma escancaradamente aberta a ele ...
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"Jour-le-jour" 10/11/97;
Eu tomo um autor clássico a mais não poder, um autor conhecidíssimo, que é D. Columba Marmion, que eu já dei algumas coisas para os senhores a respeito dele. Ele ao tratar desta matéria, no final de um capítulo, diz:
Vede como o grande Apóstolo está convencido desta verdade. Numa das suas cartas, depois de ter falado da sua grande miséria, das lutas que tem de sustentar na sua alma, exclama: Libenter igitur gloriabor in infirmitatibus meis(II Cor. Xll, 9. ). Em vez de se queixar das suas enfermidades, das suas fraquezas, das suas lutas, gloria-se nelas.
Então ele confessa as fraquezas dele. Para nós é um consolo, porque o grande São Paulo diz que tinha fraquezas. A desgraça em conjunto é sempre mais alegre, diz o ditado. Se São Paulo que é São Paulo se diz miserável e se gloria das misérias dele, nós podemos gloriar-nos das nossas também. Mas por que é que ele livremente se gloria tanto das misérias dele?
Parece realmente extraordinário: mas, logo a seguir, o Apóstolo explica, dando uma razão profunda. E qual é ela? Ut inhabitet in me virtus Christi(Ibid.): Para que o triunfo não venha da minha força mas da força de Cristo, da graça de Cristo que habita em mim,...
Então é ótimo sermos miseráveis, porque de nós não vem a força, está patente. Quando nós fizermos alguma coisa excelente, algum ato de virtude, estejamos certos de que não vem de nossa miséria, porque nós somos miseráveis, vem da força de Nosso Senhor Jesus Cristo.
... e para que só a Ele seja dada toda a glória. E vede até onde chega S. Paulo ao falar da nossa fraqueza: Non quod sufficientes simus cogitare aliquid a nobis quasi ex nobis( II Cor. III, 5.); chega a dizer que não podemos ter por nós mesmos - quasi ex nobis - nem sequer um bom pensamento, um pensamento que conte para o céu;...
Isso é ótimo para os enjolrras. São Paulo é que diz dele, São Paulo, São Paulo o Apóstolo, o homem de fogo, diz a respeito dele que ele não é capaz de ter por ele mesmo um bom pensamento.
... e quando escrevia estas palavras, era inspirado por Deus. Somos incapazes de tirar de nós mesmos como de sua fonte um bom pensamento; tudo o que é bom, todo o bem que há em nós, tudo o que é meritório para a vida eterna, vem de Deus por Jesus Cristo:...
Essa é a doutrina clássica, essa é a doutrina que vem de São Paulo, e que é aqui consignada por um D. Columba Marmion, que foi sempre a doutrina seguida em toda a história da Igreja.
Será que ela chegando no Sr. Dr. Plinio vai ter uma interrupção ou vai ter um aprimoramento?
Diz ele ainda:
...Sufficientia nostra ex Deo est(Ibid. III); é Deus quem opera em nós tanto o querer como o realizar o que quer que seja de sobrenatural: Deus est enim qui operatur in nobis et velle et perficere, pro bona voluntate(Philipp. II, 13.), pela sua boa vontade, porque assim lhe apraz. Portanto, por nós mesmos não podemos sobrenaturalmente nem querer, nem ter um bom pensamento, nem operar, nem orar; nada podemos: Sine me NIHIL potestis facere(Joan. XV, 5.).
Nada! É nada, nada.
Seremos por este motivo dignos de compaixão? De modo algum. S. Paulo, depois de ter mostrado a nossa fraqueza, acrescenta:...
Nós de nós mesmos nada podemos fazer, mas ele vai acrescentar.
Omnia possum in eo qui me confortat(Philipp. IV, 13.): Tudo posso - omnia - não por mim, mas naquele que me dá a força, para que toda a glória seja dada a Jesus Cristo, que tudo nos mereceu e em quem tudo possuímos. Pela graça que Jesus Cristo mereceu para mim, não há obstáculo que eu não possa vencer, dificuldade que eu não possa superar, tristeza que eu não possa sofrer, tentação a que eu não possa resistir. NEle, por Ele, tudo posso, porque o seu triunfo é tornar forte aquilo que de si é fraco: Sufficit tibi gratia mea nam virtus in infirmitate perficitur(II Cor. XII, 9.). Deus quer deste modo que toda a glória suba até Ele por Jesus Cristo, cuja graça triunfa das nossas fraquezas: In laudem GLORIAE gratiae suae(Ephes. I, 6.).
Essa é a doutrina clássica.
*
Almoço 16/4/92 - JC está intemperantemente empenhado em conseguir que Dr. Plinio aprove sua tese a respeito do papel da cooperação humana na santificação da pessoa:
SDP: Eu pergunto se há uma via em que as graças místicas represente um papel perfeitamente secundário.
(JC: Tudo é feito em função de uma graça mística que a pessoa recebeu. Mera graça cooperante sem ter [tido] nunca aquele toque da fé, por onde a pessoa se encanta por isso, se encanta por aquilo, e em função do que ela vai lutar depois no meio da aridez... A pessoa entra para o Grupo por um flash. Eu não conheço nenhum caso de uma pessoa que tenha entrado para o grupo e perseverado no movimento por um mero raciocínio. Eu não conheço.)
Esse seu criado.
(JC: Não, mas o senhor teve essas graças! O senhor não se lembra abraçado na carruagem de Versailles, o senhor não se lembra encantado com os couraceiros...) (1)
Sim, mas não tinha relação com algumas coisas horríveis que eu fiz, como por exemplo... (...)
(JC: O que foi o mundo de maravilhoso que a Providência deu ao senhor é um universo.)
Não, vamos especificar a coisa melhor. A gente tem que fazer um sacrifício na hora "h", e não tem senão graças cooperantes sobre o tema da hora "h".
(JC: Ah, isso é possível. Isso não tem dúvida.)
De maneira que ali é feito no duro.
(JC: Não tem a menor dúvida.)
Disposta a qualquer...
(JC: Mas que fica como fundo de quadro aquilo que a pessoa viu e para o qual ela está disposta a entregar a vida.)
Sim, mas de tal maneira que a substância do ato de virtude está, no "creio"...
(JC: Creio e quero.)
No rationabile obséquium tenho obrigação de fazer e faça.
(JC: Isso não tem dúvida. Mas não se pode dizer que a pessoa tenha começado isso desde o início de seu processo todo.)
Não, isso eu não sustento.
(JC: Aí não tem dúvida).
Eu estou nos termos que [estou dizendo a você].
(JC: Aí acho que...)
Porque o grosso dos sacrifícios bem grandes que eu tenho tido que fazer em minha vida, foi assim, a respeito daquele ponto, graças místicas nenhuma. Naturalmente sabendo que tudo se dirige à glória de Deus, então para a glória de Deus, houve graças também não místicas, e também cooperantes, que houve graças místicas, etc., mas que ficam um fundo de quadro inteiramente secundário naquela hora.
Eu noto o seguinte, que até a palavra "secundário" aqui não exclui a palavra indispensável. Porque uma coisa pode ser indispensável, mas secundária em relação...
(JC: Naquele momento, claro.)
Não é?
(JC: Conosco, eu tenho tido experiência, a Providência tem sido de uma generosidade extraordinária. Porque nos faz passar por períodos assim curtos, às vezes um pouco mais longos, mas o que se nota é que as graças místicas são tão generosas da parte dEla, que por exemplo pegar os textos das cerimônias da SE ou de um ou outra reunião que o senhor fez na época da SE, todas às vezes, todas as vezes, todas as vezes, que eu pego, eu me emociono. Todas! E é uma coisa curiosa que não é só comigo, porque a gente vai fazer reunião para gente que nunca teve idéia da SE e começa a explicar, a pessoa começa a chorar. Quando se explica a cerimônia como ela era, então quando chega no momento em que o senhor se levanta do trono e convida o escravo para que ele se sente no trono do senhor, e o senhor usa uma fórmula para dizer o que vai ser feito, e o senhor oscula as mãos e os pés do escravo, aí o pessoal põe a mão na cabeça, chora, tem gente que tira lenço... É impressionante!) (2)
Mas eu sou propenso a admitir o seguinte: que o ato de amor... vamos dizer, que a pureza perfeita do ato de amor --eu sou propenso, eu não estou afirmando-- que a pureza perfeita do ato de amor está em que ele seja praticado na íntegra. Como Nosso Senhor: "Deus, Deus meus, quare me dereliquiste"
(JC: Mas o senhor vê que o ato perfeitíssimo é aquele que é impulsionado pelo próprio Deus e praticado pelo próprio Deus (3). Toda a questão de mérito sobrenatural nossa é muito complicado porque tudo aquilo que nós fazemos no campo sobrenatural vem de Nosso Senhor Jesus Cristo, é um mérito que Ele transfere para nós. O mérito realmente é dEle. Foi Ele quem comprou.)
Sim, mas nós temos obrigação de acrescentar nossa gota de água, e essa gota d'água muitas vezes é sangue.
(JC: Mas o senhor vê que a gota d'água que é posta no cálice, ela não é transformada, ela continua água ali dentro.)
Ela se mistura.
(JC: Não.)
Como é que não?
(JC: Não, eu tenho certeza absoluta. Posso trazer...) (4)
É claro que mistura.
(JC: Sim, mistura, mas ela não é transformada. O que é transformado é o vinho e não a água.) (5)
Eu sempre ouvi dizer que ela é objeto da transubstanciação.
(JC: Eu trago o documento amanhã.)
(Dr. Paulo Brito: A gota não se transubstancia?)
(JC: Não.)
Eu sempre ouvi dizer que ela transubstancia.
(Dr. Paulo Brito: Como ele fica? Fica fora?)
(JC: Fica ali dentro do vinho, fica com as espécies, mas ela em concreto não é transformada.)
(Cel. Poli: Aquela amálgama é uma coisa só.)
(JC: É o que eu vi. Eu posso trazer amanhã. Eu achei a coisa arqui...)
(Cel. Poli: O que se fala em física ou química... [...] a água e vinho forma uma coisa só.)
(JC: A transubstanciação se passa no vinho e não na quantidade de água que se põe.)
Comentários:
JC vivia apregoando que Dr. Plinio é nosso modelo em tudo. Agora resulta que, pelo menos nesta matéria, Dr. Plinio não é modelo? Por que?
Observe-se a criteriologia em função da qual JC discerne se uma reunião foi boa: é quando a pessoa se emociona ou chora. Quer dizer, além de igualitário, ele é subjetivista e egocêntrico.
Segundo a “metafísica” joanino-pentecostal, o ato humano se aproxima da perfeição na medida em que diminua o concurso do homem, e aumente o concurso de Deus. E atinge a perfeição quando o concurso do homem cessa completamente ...
JC pode trazer o quê? O livro de algum de seus autores favoritos: Padre Royo, Padre Vitorino, etc., cujos pensamentos --na mente de JC--, pelo menos nessa matéria, tem precedência sobre o pensamento de Dr. Plinio.
Aqui se percebe que o senhor e o modelo de JC deixou de ser Dr. Plinio.
A tese de JC permite conjeturar que, entre sua posição perante a Missa Nova, e sua escola espiritual, há uma correlação profunda.
A doutrina certa, sustentada por Dr. Plinio no Santo do Dia SD 29/6/94, é a seguinte:
Quando o padre durante a Missa pinga uma gota de vinho e depois uma gota de água no cálice, essa água e esse vinho formam com o vinho que está no cálice antes da consagração, formam uma só massa liquida. E acontece então que a água que nunca poderia ser matéria para a transubstanciação, para o milagre de ser uma aparência dentro da qual está realmente presente com corpo, sangue, alma e divindade Nosso Senhor Jesus Cristo, esta gota de água participando e diluindo-se naquele vinho, ela forma com o vinho um só corpo. E quando o vinho for transubstanciado, os restos daquela água, o que compunha aquela água antes está misturada ao vinho e vai transubstanciar-se também.
Isto somos nós com os nossos méritos. Nossos méritos não valem nada, é pouquíssima coisa, mas unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo têm um valor infinito e Deus recebe com agrado extraordinário.
Isso posto, não podemos deixar de registrar que há também uma correlação muito íntima entre a posição joanina perante a Missa Nova e a alegria joanina-pentecostal. Vejamos o que Dr. Plinio disse no Almoço realizado no São Bento, em 9/6/83:
O sorriso de Yalta tem duas versões: uma laica e uma religiosa. (...) No que é que ela é religiosa?
Ela tem uma carga --caricaturada, é claro-- de Noite de Natal, uma alegria permanente: "Não sabe? O Cristo nasceu, hé, hé, hé!" Sorriso Ação Católica, é inteiramente isso.
(Aparte: A JUC era assim.)
Você chegou a alcançar, é? Tal qual, tal qual!
Esse sorriso os senhores notam muito nas igrejas quando vão celebrar as Missas de domingo, Missa Nova.
A Missa é a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário e portanto é uma renovação real, mas sem efusão de sangue, do fato augustíssimo da Cruz, do fato nobilíssimo da morte de Nosso Senhor na Cruz e da morte pelo amor do gênero humano. Portanto, uma cerimônia augustíssima, nobilíssima e impregnada de recordações dolorosas, ao mesmo tempo cercada de uma grande glória. De uma respeitabilidade enorme e uma grande glória, essa é a Missa. E as Missas a que eu fui habituado eram assim.
Quando começou a Missa Nova, não: "Hé, hé, hé" Cerimônia alegrota, essas sacristãs, sacristinas etc., etc., andando na igreja de um lado para outro, sapato de..., com cara de festa.
E, no altar --não sei se ainda usam--, um altar onde o Crucifixo ou desapareceu ou representa um papel cada vez menor, o Crucificado, trigo e uvas de borracha, meio transparentes, de matéria plástica, para dar à Missa um caráter de festa, da qual a Cruz e o trágico estão eliminados. O sério está eliminado.
Só existe uma coisa, essa é real, é a festoca que lembra o Calvário. Lembra a Ceia e o Calvário. Não é a renovação, é uma lembrança, é uma memória.
É bem o conceito protestante de Missa. O que o protestante acha da Missa é isso, a tese protestante é essa.
"Jour-le-jour", 12/9/96:
A mente humana não pode conceber a Deus, porque se a mente concebesse a Deus, ela seria Deus, seria divina. Então a alma não concebe a Deus. O homem consegue amar a Deus como Ele é, mas não consegue entendê-Lo como Ele é.
Por que é que consegue amá-Lo e não consegue entendê-Lo? Aí é que está a história. Porque dizem os nossos teóricos todos de que a gente não pode amar uma coisa se não entende. E agora, como é que eu amo a Deus como Ele é, na proporção daquilo que Ele é, e não entendo a Deus como Ele é? Então eu amo o quê, se eu não entendo?
Os senhores já encontraram com Deus? Os senhores já viram a Deus? Os senhores fazem uma idéia a respeito de Deus? Qual é a figura que os senhores fazem de Deus?
Vejam bem: é que nós não temos possibilidade, pela nossa inteligência, de conceber a Deus como Ele é. Se nós tivéssemos, nós seríamos Deus, seríamos divinos. Não dá para conceber a Deus como Ele é.
Entretanto, vejam, Deus está aqui, Deus está dentro de cada um de nós, nós estamos dentro de Deus. Deus é onipresente, Deus é infinito, Deus está por todas as partes portanto, Deus conhece tudo, Deus vê tudo, Deus sustenta tudo, mas nós temos uma idéia assim vaga a respeito de Deus e é preciso que nós caminhemos para Deus.
São Tomás de Aquino afirma: “o homem conhece naturalmente a Deus, como naturalmente O deseja. E o homem deseja a Deus naturalmente enquanto deseja naturalmente a felicidade, que é certa semelhança da bondade divina. E por tanto não é preciso que Deus mesmo considerado em si, seja naturalmente manifesto ao homem, mas que o seja sua semelhança. Pelo qual é necessário que o homem chegue ao conhecimento de Deus raciocinando, através das semelhanças encontradas nos seus efeitos” (Cfr. Suma contra gentis, livro 1, cap. 12)
"Palavrinha" para CCEE - moças, 1/5/96:
(Srta. -: Como adquirir essa bondade e ao mesmo tempo a seriedade [de Dona Lucilia]?)
Bem, como adquirir? Antes de tudo pedindo, porque tudo que diz
respeito à vida sobrenatural, à vida da virtude, não se adquire pura e simplesmente pelo esforço. Também pelo esforço. Mas, é preciso que haja um auxílio da graça, se não houver o auxílio da graça, não adianta que a gente não consegue.
(...) Em segundo lugar, (...) o que é preciso é olhar, conhecer, e se encantar. Encantando-se, admirando aquilo que existe nela passa para nós. E para isto é preciso conhecer muito a história dela. Um terceiro método, que eu esqueci de dizer anteriormente e que é muito útil, é tomar as fotografias dela e analisar as fotografias dela, olhar para as fotografias dela, fazer uma oração de quietude diante da fotografia. Ficar olhando, olhando, que aquilo vai passando para o fundo da alma da gente sem que a gente perceba.
E é a mesma coisa com ele.
Seriedade (...) para isso também é preciso muita oração e muito pedido, mas olhando as fotos dele e sobretudo as fotos de jovem dele. (...) Então, peguem as fotografias dele, sobretudo, de jovem e analisem. Analisem... eu digo analisem não é pegar uma lupa e ficar vendo... [Risos.] O analisar é isso, olhar e ficar encantado, se deixar tomar por aquilo e se embevecer com aquilo, e aquela seriedade vai passando para o fundo da alma da gente.
"Jour-le-jour" 25/9/96:
Nós temos, então, um problema a ser tratado hoje, que nós já mais ou menos tocamos ontem e em outros dias, que é a respeito do serviço que nós fazemos aqui na sede, este serviço, aquele serviço, aquele outro. Esse serviço deve ser realizado, deve ser posto adiante em função apenas de um princípio, apenas de uma correção, apenas de uma honestidade para com a função que me foi dada? Ou eu devo fazer consistir meu trabalho, devo fazer girar meu trabalho, devo fazer com que meu trabalho saia das minhas mãos do enlevo, do flash, do entusiasmo? Ou do mero raciocínio? Como é que eu devo trabalhar?
Eu sou o encarregado de um computador X que é o usado para, por exemplo, um serviço que poderia parecer que tem muito pouca relação com a nossa causa, que é o Falcon.
Hoje, por exemplo, me diz o Sr. Raymond que a auditoria terminou e vai ser festejado o término da auditoria com um jantar que eles vão fazer. Está ótimo.
A auditoria foi posta em ordem, está tudo pronto. Mas o que é que é fazer essa contabilidade? Que relação tem isso com a Contra-Revolução? Por que devo eu fazer isso? O mero raciocínio diz: "Eu devo fazer isso porque as leis exigem. Ora, se as lei exigem, é preciso que, para que a instituição da TFP nos Estados Unidos exista, cumpramos as leis. Para cumprir as leis então é preciso que eu trabalhe". Estou trabalhando por um princípio.
O Sr. Dr. Plinio, que para mim é a minha matriz de flash, eu tenho em relação a ele um encanto extraordinário, me diz de que a muralha da obra dele é a parte toda fiscal em ordem. Então ele diz isso e eu tive um encanto por isso. No encanto eu tive um flash. Em função desse flash, em função do meu flash, da minha matriz de flash é que eu faço a coisa como devo.
Qual das duas situações é a ideal? É a única via verdadeira, é a segunda. A outra via é pífia, é falha, é inteiramente ilusória (1).
(...) Quem passa pelo martírio, passa pelo martírio por uma graça do Espírito Santo, e essa graça do Espírito Santo se chama flash. Só é possível a pessoa passar por cima do seu instinto de conservação e deixar a sua fé por cima de tudo desde que ela esteja "enflashada". Esse flash é produzido por uma graça especial do Espírito Santo, que é a graça do martírio.
Se não, caso contrário, chega na hora e diz:
-- Vou fazer o seguinte: eu vou queimar o incenso ao deus, mas minha intenção interior vai ser que eu creio na Santíssima Trindade. Até vou pegar três grãozinhos de incenso, em vez de um só vou pôr três, um para Deus Padre, outro para Deus Filho e outro para Deus Espírito Santo. Esses tontos vão pensar que eu estou queimando incenso para esse deus, mas não é isso não, eu vou queimar o incenso Deus Padre, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Chega na hora, olha para todos assim e diz:
-- Tontos. Está aqui: Deus Padre, Deus Filho, Deus Espírito Santo. Ele pensou que foi para esse deus, mas não foi não.
Esse é o raciocínio (2). O raciocínio nos leva a fazer manobras (3) e a passar inteiramente por cima da fé porque o instinto de conservação segura. Não é aquela afirmatividade que a pessoa tem por causa do flash:
-- Quer saber de uma coisa? Eu acredito em Deus Padre, Deus Filho, Deus Espírito Santo, num só Deus e em três Pessoas. Eu não vou abandonar minha fé católica.
-- Mas então vai morrer.
-- Mate-me.
-- Vou-te jogar às feras.
-- Jogue-me.
Quando entra na arena, entra com alegria e diz para as feras:
-- Venham, venham, comam-me logo.
Sem flash, por puro raciocínio, vá fazer isso. Não faz, é preciso flash.
(...) não é o raciocínio que toca as coisas adiante, o que toca as coisas adiante é o flash.
Comentários
De fato, no EVP 14/8/77, lido por JC nesse "Jour-le-jour" , Dr. Plinio sustenta que: "quanto mais a compreensão amorosa do flash nos envolve, tanto mais o desejo de serviço é ardoroso". Mas entre a posição de Dr. Plinio e a de JC perante o raciocínio e os princípios, há uma divergência diametral. Dr. Plinio nunca sustentaria o que JC disse a respeito dos princípios e do raciocínio.
Com efeito, nesse mesmo EVP, Dr. Plinio disse: "[O amor do flash e a compreensão do flash são] dois processos que se nutrem um do outro. O do amor é nascido antes, mas se nutre um do outro". E mais adiante Dr. Plinio recomenda explicitar o flash e procurar fixá-lo; rememorá-lo continuamente de maneira que ele fique habitualmente aceso para a pessoa.
O que leva a proceder assim, nesse caso concreto, não é o raciocínio, mas o instinto de conservação.
Portanto, JC aconselha desconfiar do raciocínio.
"Palavrinha", Montes Claros, 10/6/96:
O nosso grande problema de nossa fidelidade está justamente na hora da depressão, na hora da falta de entusiasmo, na hora da falta da sensibilidade. Nessas horas a gente tem que rezar mais do que rezava antes e tem que estar mais firme do que estava antes. Está claro isso?
Quando vierem essas horas de ventania, não mudar nada: é a regra que Santo Inácio dá. Não deixar nenhuma oração, não deixar nenhum ato de piedade, não deixar nada, nada de lado. Pelo contrário, fazer de tudo para que tudo o que nós adquirimos se mantenha.
E depois mais: eu não tenho entusiasmo porque está me faltando a sensibilidade, eu quero ficar entusiasmado e não consigo. Eu vou, externamente, estar tanto entusiasmado quanto eu normalmente estou quando estou por dentro cheio de fogo.
"Jour-le-jour" 24/1/97:
Os senhores vão ser julgados no dia do Juízo por Deus Nosso Senhor, e pelo Profeta da destra de Maria Santíssima, nosso Pai e Senhor, a respeito do que os senhores se entusiasmaram ou não se entusiasmaram (...).
Mas acontece que JC e seus adeptos, embora não o sustentem abertamente, concebem o entusiasmo como um fenômeno predominantemente emotivo, vibrátil e de superfície.
"Jour-le-jour" 15/12/96:
Depois de tantas cerimônias, audiovisuais, marchas no pátio, recepção de hábito, capas, missa, nós ficamos cheios de impressões e eu acho que vale a pena nós aproveitarmos o JxJ de hoje, tomarmos essas impressões todas e ordenarmos as impressões, pormos as impressões em esquema para que a gente não as perca, porque essas impressões são riquíssimas. Riquíssimas porque são, no fundo, graças místicas. Sendo graças místicas podem ser chamadas como nosso Pai e Fundador as denominava: flash. Nós tivemos uma série de flashs aqui, flashs lá, flashs acolá, a graça nos tocou sensivelmente, nós experimentamos no fundo da alma algo que é quase que indizível, algo que é quase que inefável, nós não conseguimos colocar em termos concretos, em termos exatos aquilo que em certos trechos durante a semana nós tivemos. Foi num audiovisual, foi numa cerimônia do pátio, foi numa tomada de hábito ou de capa, foi numa missa, enfim, houve momentos em que a graça nos tomou e nos fez sentir no fundo da alma uma experiência mística, fez-nos sentir no fundo da alma a grandeza da nossa vocação.
"Jour-le-jour" 13/9/96:
A partir do momento que [Deus] criou seres inteligentes como os Anjos, foram criadas as graças místicas, as graças operantes, mas o cultivo dessas graças têm um empenho, acabam tendo um empenho todo especial a partir do momento que nasce o Sr. Dr. Plinio. A partir da vida dele, do aparecimento do Sr. Dr. Plinio, é que essa escola de vida espiritual vinca, o Sr. Dr. Plinio calca, ele põe uma marca especial: flash, flash, graças místicas, admiração, inocência primeva. Então nós temos que entrar por essa via de santificação. Se nós não entramos por essa via de santificação, nós não nos santificamos.
*
Segundo JC, na vida espiritual de todo católico o essencial não é comungar bem, ou rezar bem, mas cultivar os flashs - "Jour-le-jour" 12/9/96:
Um ponto que ele [Dr. Plinio] não trata e que é fundamental para nós [é que] nós chegamos à conclusão de que nossa vida espiritual deve se centralizar nos flashs. Por mais que eu possa ter meu rosário bem rezado durante o dia, minha comunhão bem feita, minhas outras obrigações de piedade bem levadas, eu não fiz o essencial, porque o essencial está em cultivar os flashs. O Sr. Dr. Plinio mostra nessas páginas que nós vimos, que foram dez páginas, ele mostra nessas dez páginas como os flashs não constituem uma via especial só para nós. Os flashs fazem parte da vida de todo e qualquer católico.
*
Há uma correlação entre aquilo que JC entende por “flash” e sua aversão ao esforço --e portanto, sua recusa à cooperação do homem na santificação. "Jour-le-jour" 27/9/96:
O flash é uma graça mística, não é uma graça ascética. É uma graça onde a nossa alma se torna passiva, ela se deixa levar. O flash nos toca a inteligência, toca a vontade e toca a sensibilidade e nos arrebata, nos tira de dentro de nós e nos mostra um mundo maravilhoso, que é o mundo paradisíaco, que já é algo relacionado com a visão beatífica, diz o Senhor Doutor Plinio.
*
JC contesta e deturpa o que Dr. Plinio entende por flash. No "jour-le-jour" 14/9/96, feito por JC em Spring Grove, lê e comenta o EVP de 20/3/77:
O quadro exatamente vale, na medida em que ele exprime a fisionomia. E uma música vale, na medida em que ela também, no fundo, exprimir uma fisionomia moral. Quer dizer, o conhecimento da fisionomia é a mais alta cognição que o homem pode ter na terra, das coisas meramente naturais. (...)
(Aparte na reunião do EVP: Conhecimento de uma fisionomia é o conhecimento...?)
Conhecimento da alma enquanto refletida no corpo. Isso é a fisionomia. É um conhecimento mais diluído, dá-se muito pelo timbre de voz --eu não sei o quê os que estão aqui pensam, mas eu acho que o timbre de voz é altamente cognoscitivo-- dá-se muito pelo timbre de voz, pode dar-se pelo porte, pela marcha, por mil coisas assim, mas é sobretudo a fisionomia que indica o quê é a alma de um homem. Agora, se isto é assim, o que a pessoa tem de mais precioso dentro do mais precioso, se o mais precioso é o conhecimento das fisionomias, dos vários modos de se conhecer a fisionomia, o que há de mais precioso é ter um flash a respeito da alma de uma pessoa, porque o flash é o modo pelo qual se conhece de um modo mais excelente a alma de uma pessoa. E quando é um flash de um católico, conhece-se na alma do católico pela ação de Deus --que é ainda muito melhor do que a alma de católico-- e a qual operação de Deus, tocando no que São Paulo chamava a junção do espírito e da alma --quer dizer, no que há de mais profundo no homem-- indica o que há de mais profundo nele e a operação de Deus dentro dele. Então, é quase como um ver a alma, a participação da vida divina existente naquela alma, enquanto amoldada àquela alma, porque a graça é um acidente da alma e se amolda a ela. De maneira que a própria graça é uma espécie de divino espelho da alma. É dessas reversões... eu não sei se está muito complicado, muito rebuscado. Mas, então, eu estava dizendo o seguinte: é uma dessas coisas incríveis, mas é uma participação criada da vida divina que é um mero acidente do homem; portanto, uma coisa sobrenatural, criada divina, secundária no homem, mas sobrenatural, de uma natureza maior do que a do homem, e na qual o que há de mais interno no homem se reflete, mas que é, no fundo, a arquetipia do próprio homem. Esse é o "príncipe perfeito" do homem.
E ter um flash por onde a gente discerne o "príncipe herdeiro" de alguém é, portanto, ver nesta terra o mais alto que não seja diretamente um estado místico,...
Mas é místico. Não é um fenômeno extraordinário da mística, mas é um fenômeno místico.
... em que a gente vê Deus Nosso Senhor, Nossa Senhora, os anjos.
Aí quer dizer um fenômeno místico em que a gente vê Deus, Nossa Senhora e os anjos.
Aí é uma coisa diferente. Mas, do contrário, o mais alto é propriamente isso.
*
O que JC entende por flash não corresponde ao conceito de Dr. Plinio. Porque o “flash” joanino não leva para a virtude, mas para a revolta - Ensinamentos de Dr. Plinio, Palavrinha, 1/11/87:
Enquanto o "flash" dura, tende-se para a virtude. (...) Enquanto a pessoa está sob a ação do "flash", ela é levada muito mais facilmente à prática de todas as virtudes e à prática de todas as dedicações. E o amor de Deus, que é a primeira das virtudes, cresce muito mais quando o homem está sob a ação do "flash". Quer dizer, o "flash" é sobrenatural, porque faz subir tudo e torna mais fácil uma coisa de si mesma muito difícil
Numa “palavrinha” para cooperadores da TFP Chilena (28/4/96), depois de dar várias diretrizes, JC afirmou:
Bem, no que diz respeito --e isto é mais importante ainda do que o próprio apostolado-- à vida interna, creio que os Srs. poderiam dar um passo a mais na linha de fazer o Senhor Doutor Plinio mais presente ainda, do que já está, no Grupo do Chile.
(...) Nós ficamos com a ilusão de que uma vez que o Senhor Doutor Plinio partiu para a eternidade, aquele convívio que nós tínhamos com ele de corredores espanhóis, de palavrinhas, de telefonemas, de Santos do Dia, tudo isso se esvaiu e foi-se embora. E que portanto, nosso convívio com ele ficou reduzido a zero. Não temos mais convívio com ele.
(...) o convívio dele conosco tem que ir crescendo. Mas, não se trata mais de um convívio físico, é um convívio místico. E para isso é preciso que eu vá me adestrando. (...) [Porque] tudo depende deste convívio com ele.
Está claro isso ou não? (Claríssimo!)
Então, o que é preciso da parte dos Srs. é que os Srs. tenham momentos --e vários-- durante o dia por onde os Srs. entrem em contato com ele e convivam com ele.
(...) Atualmente nós podemos ter um convívio com ele muito mais intenso, muito mais eficaz e muito mais robusto do que tínhamos antes, por via mística.
Nós precisamos saber utilizar essas graças que a Providência nos dá e que dá em quantidade até. Sabermos utilizar dessas graças para progredir. Progredir nesse entranhamento de alma nosso com a alma dele para nós nos transformarmos a ponto de nós chegarmos a dizer: "Já não sou eu quem vivo..."
Mas, é preciso ter esta experiência interior tão entranhada e tão profunda em mim, que eu me dê conta de que "já não sou eu quem vivo", mas é ele quem vive em mim.
Isto feito está tudo resolvido.
Eu acho que os Srs. deveriam prestar muita atenção nisso, sobretudo, estando no Chile as atividades são muitas e os operários são poucos. Quer dizer, as mãos que existem para trabalhar são poucas, então os Srs. estão todos cheios de atividades. Os Srs. passam o dia sendo rolados nos acontecimentos e não se dão conta de que o mais importante não é a ação.
O mais importante é dentro da ação conservar esse espírito. Os Srs. dirão: "Bom, temos que abandonar tudo o que fazemos?"
Não. Tem que fazer mais do que fazem. Mas só se vai conseguir fazer mais do que fazem desde que os Srs. tenham este convívio.
(...)
(Aparte: Nessa linha o Senhor Doutor Plinio deu um conselho uma vez de conversar sobre batalhas, sobre guerras. Se o Sr. puder dizer concretamente exemplos, etc.)
Eu acho que esse conselho ele lhes deu, porque ele não podia dizer: "Falem de mim". Ele jamais diria: "conversem a meu respeito".
Então, ele disse: "Falem de batalha, falem de guerra, etc." Porque é um tema que não é comum para os Srs., os Srs. gostam mais de um tema a respeito de acontecimentos sociais, de acontecimentos humanos, que tal pessoa fez isto, um outro fez não sei quanto. Este é o denominador comum das conversas dos Srs.
Então, ele quis introduzir uma temática que fugisse do lugar comum, do convívio dos Srs., e indicou batalhas.
Mas, eu tenho a obrigação --não só tenho a possibilidade-- de dizer aos Srs.: mais importante do que batalhas, é conversar sobre ele. Conversem sobre ele, conversem sobre a Senhora Dona Lucilia, falem de temas da vocação, de textos que leram. De repente alguém que apanhou um livro, por exemplo, "Em Defesa da Ação Católica", lê um trecho que ninguém... ninguém está pensando no livro "Em Defesa", o pessoal está pensando no colega do colégio, do outro que foi membro da faculdade não sei quanto e que escorregou de um ônibus, etc., etc. Está pensando em coisas concretas da vida de todos os dias. Chegar com um trecho desse e dizer:
-- Olha que coisa extraordinária! Veja o que o Senhor Doutor Plinio diz aqui nesse trecho.
Lê o trecho, comenta um pouco.
-- Não acha isso bonito? Não acha interessante?
Façam isso e aí a seiva profética do espírito dele começa a circular no grupo. Circulando no grupo o grupo começa a subir.
"Jour-le-jour" 16/3/97, parte II:
(Amaury: O senhor tem falado muito de se deixar penetrar pelo Sr. Dr. Plinio. Como fazer para a gente se deixar realmente penetrar pelo espírito do Sr. Dr. Plinio e da Sra. Da. Lucilia? Como abrir o coração para eles realmente?)
Se o senhor tivesse a graça de amanhã, lá pelas nove da manhã que fosse, ir ali ao Palais de Justice, entrar e conhecer a Sainte-Chapelle, o senhor teria no fundo da alma um encanto por aquilo, que se o senhor for uma pessoa emotiva, vendo a Sainte-Chapelle pela primeira vez o senhor chora, porque as lágrimas caem mesmo.
(...) Aquilo tudo atrai enormemente e lhe transporta para um mundo completamente feérico, para um mundo completamente sui generis, para um mundo medieval, porque aquilo é Idade Média. O senhor sente uma consonância, pelo Tau, com aquilo que o toma por inteiro.
Nos grandes momentos de graça, nos momentos de sensibilidade do seu convívio com o Sr. Dr. Plinio, o senhor sentiu coisas muito superiores a isso.
O senhor imagine só isto, que chegasse um jovem aí ao lado do senhor, passasse um bilhete, e dissesse: "Tem um telefonema urgentíssimo para o senhor da Sede do Reino de Maria". O senhor vai fora, o rapaz lhe passa o telefone e nem sabe o que é. O Sr. Gugelmin, digamos, diz:
-- Espere um minutinho.
E o senhor ouve no telefone:
-- Meu Amaury, não conte nada a ninguém, mas a Sede do Reino de Maria está vazia e eu quero que você venha correndo para cá porque eu tenho uma palavra a lhe dizer.
O senhor entrega o telefone, pega um carro e sai correndo. Sobe correndo da Sede do Reino de Maria, pergunta para o Sr. Gugelmin e o Sr. Gugelmin diz:
-- Calma, não faça alarde nenhum. Ele está na Sala do Reino de Maria esperando o senhor.
O senhor abre a porta da Sala do Reino de Maria e o vê no trono. Ele levanta os braços assim e diz:
-- Meu filho, venha aqui.
Agora, imagine que o senhor chegue, o senhor se ajoelha, o veja refulgente e diz:
-- Meu filho, seu senhor ressuscitou. Mas seu senhor vai se revelar ao Grupo muito aos poucos. Não conte a ninguém, mas eu quis que você viesse aqui para lhe dar o testemunho desse meu amor que eu tenho por você.
O que aconteceria com o senhor? O senhor se desmancharia. Mas é normal que se desmanchasse, porque o senhor sentiria nesta hora o quanto ele ama o senhor, o quanto ele quer o senhor. Quanto ele quer cada um de nós, porque isso podia se passar com cada um de nós.
Isto que se passaria neste caso completamente hipotético, que de repente pode ser realidade, pode acontecer, (...) deveria ser a clave do seu relacionamento diário com ele e com ela. É assim que nós devemos nos relacionar com ele e com ela.
Nós devemos nos imaginar constantemente chamados, constantemente queridos, constantemente tratados com amor, com benquerença, porque o amor que desce é muito mais importante e é muito mais transformante do que o amor que sobe, nem comparação.
(...) Nós devemos confiar nesta benquerença dele para conosco, nesse amor dele para conosco, porque crendo que ele agora nos ama mais do que nos amava antes, nosso relacionamento para com ele aumenta, se intensifica. Aí, então, dá-se o que o senhor me perguntava: por este amor, por este desejo de retribuição, ele passa a viver dentro de nós. Mas é com base do amor.
O ponto de partida, o fundamento da via joanina para se unir a Dr. Plinio consiste num exercício egocêntrico da imaginação: é preciso imaginar-se querido pelo Dr. Plinio.
Mas isso difere diametralmente de tudo quanto o próprio Dr. Plinio nos tem ensinado a esse respeito. É preciso:
exercitar o senso do mal, isto é, conhecer como o mundo contemporâneo é ruim;
exercitar o senso RCR;
exercitar o senso do maravilhoso;
aprimorar a pureza;
cultivar o espírito de hierarquia, etc.
Quanto à considerar-se amado --e no fundo, aprovado-- , isso contrasta frontalmente com o que Dr. Plinio disse no MNF 2/12/94:
No meu modo de entender (...) as infidelidades foram crescendo com o tempo. Em vez de, pelo contrário, diminuírem com o tempo e crescer a inocência, foram crescendo as infidelidades e foi diminuindo a inocência.
(...)
Sr. GL: (...) O único modo de resgatar para essa alguma possibilidade de cumprir a vocação está numa posição de muita humilhação, não é?
Muita humilhação e de uma confiança muito humilde: "Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam. Tibi soli peccavi, et peccatum meum contra me est semper". Mas na certeza de que se estas circunstâncias todas produzirem em nós um coração contrito e humilhado, neste caso nós seremos exaltados.
Telefonema para a Saúde, 12/10/96:
Assim sendo, a Providência quererá nos levar cada vez mais para uma perfeição maior. A Providência não quer senão a nossa perfeição máxima, a Providência não quer senão de nós que nós sejamos santos, santos de altar e os maiores santos da História.
O que nós devemos fazer é não atrapalhar --primeira coisa. Nós devemos deixar Deus agir em nossa alma, nós devemos ser fiéis às graças que nos são dadas. Para nós crescermos no entusiasmo basta que a gente olhe uma fotografia, basta que a gente leve a vida de todos os dias com espírito sobrenatural, que essas graças vão ir num crescendo, num crescendo, num crescendo, até nos levar a uma glória, entende?
O que é preciso fazer da nossa parte é não entrar pelas vias do sabuguismo, não pôr obstáculo, ter espírito sobrenatural, crer na ação da graça como mais importante do que qualquer esforço nosso e rezar, pedir.
É mais fácil nós nos santificarmos do que a gente pensa. Basta a gente querer e basta que a gente não atrapalhe a mão de Deus agindo sobre nossas almas.
Reunião para CCEE, 1/5/96:
Mas é em tudo, é às vezes a gente entrando numa sala e olhando para o lugar onde ele costumava se sentar.
Está aqui uma cabine-relíquia. A gente entra aqui no auditório, senta-se e fica quieto. Na quietude olha para a cabina e começa a se lembrar: "Eu me lembro do último encontro em que o Sr. Dr. Plinio apareceu de hábito aqui. Ele fez questão de revestir-se de seu hábito para falar a nós de hábito. Ele estava sentado aqui nessa poltrona. Ho, que saudades!"
De repente, na quietude, eu começo a vê-lo, interiormente, sentado na poltrona. Querendo ou não querendo, eu olho para ele, ele olha para mim e diz:
-- Então?
Neste "então" minha alma se abre e diz:
-- Ah, senhor, que saudades, que vontade de reencontrar-
vos! Ah, se eu pudesse novamente estreitar as vossas mãos e oscular a mão direita, oscular a mão esquerda. Não repareis, senhor, se vós me aparecesses eu vos agarrava, eu não deixava sair. [Aplausos.]
O que é isto? É uma conversa. Eu traduzindo em palavras dei tudo o que a conversa contém? Não, porque passa-se um fenômeno místico por onde eu o experimento no meu interior, eu sinto que ele está vivo no meu interior, sinto que eu vivo dentro dele de alguma forma, que nós nos imbricamos totalmente, que é intraduzível em palavras. [Aplausos.]
Dr. Plinio ensina que a união de alma com ele opera-se através da admiração.
“Jour-le-jour" 13/9/96:
Santo Inácio vem então martelando na escola de vida espiritual dele de que é preciso saber que: "O homem é criado para servir, louvar e reverenciar a Deus Nosso Senhor e mediante isso salvar sua alma". Qual a finalidade do homem? Salvar a alma! Cuidado! De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se com isto ele vier a perder sua alma?
A finalidade do homem é antes de mais nada dar glória a Deus; a salvação de sua alma vem por acréscimo.
*
Depoimento do Sr. WD (?) , durante reunião nos EUU, post 15/10/96:
A orientação dada por JC era para que cada um se preocupasse mais com sua vida espiritual --a salvação de sua alma, se está perdendo o fervor, etc.-- e não tanto com a luta RCR.
*
A respeito da indiferença dos joaninos por tudo quanto não diga respeito à salvação individual de cada um deles, num folheto intitulado "Intenções do dia", figura a seguinte frase:
O Senhora e Mãe do divino enlevo em cujo Sapiencial e Imaculado Coração o Deus humanado deposita todas as suas complacências, ensinai-me a seguir o exemplo de vosso adorável Filho, procurando admirar, amar e imitar o ss. Varão de vossa Destra.
Dai-me a graça de sempre busca-lo; fazei-me conhecê-lo e segui-lo até a definitiva união com ele. Que eu seja indiferente a tudo que se passa e não queira senão vê-lo, amar tudo o que é dele, sobretudo a ele!
Ramón León pontifica ("Quia nominor provectus", p.127):
Além de encaminhar seus membros nas vias da salvação eterna, a TFP tem por fim o apostolado contra-revolucionário.
A frase é ambigua. Dá margem a interpretá-la assim: a principal finalidade da TFP é salvar as almas de seus sócios e cooperadores; além disso e por acréscimo, é fazer a Contra-Revolução. Dita interpretação não é forçada, pois se harmoniza muito bem com o pendor espiritualítico e heresia branca dos joanistas.
Reunião na Saúde, 17/6/97:
Alguém poderia perguntar para um outro:
-- Eu tenho uma dificuldade de comungar todos os dias, porque eu escorrego, tenho problemas... Não dá. O que eu faço para comungar todo dia?
O conselho que deveria ser dado para esse pobre coitado é o seguinte: a melhor forma de comungar todos os dias é comungar todos os dias.
-- Ué! Como é isso?!
-- Sim, porque se o senhor comungar todos dias, uma comunhão vai dando força à outra. E a alma vai aumentando em força, vai aumentando em força, até que ela fica resistente e comungue todos os dias, sem mais problema nenhum.
O conselho confere perfeitamente com uma tese joanista, vista anteriormente no item I deste Capítulo ("jour-le-jour" 27/9/96), segundo a qual, na caminhada rumo à santificação, a pessoa não precisa olhar para seu defeitos e combatê-los, mas olhar para seus lados bons e encantar-se consigo cada vez mais.
Reunião para CCEE, 4/10/96:
(Coutinho: O senhor tem incentivado e tem dito várias vezes que nós devemos nos santificar, atingir a santificação.)
Plena, pleníssima, de altar.
(Coutinho: Agora, essa santificação, Sr. João, tem uma forma de ser que não é a santificação que havia no passado inteiramente, é uma santificação nova. Há uma maneira de ser santo no Grupo, na TFP, uma maneira que o Sr. Dr. Plinio trouxe, que é uma maneira especial. O senhor pelo contato que teve com o Sr. Dr. Plinio durante todos esses anos, pelo que a gente vê no senhor, vê no apostolado que o senhor faz, por exemplo, na formação que o senhor dá para os eremitas...) (1)
E para os afilhados e afilhadas também. [Aplausos] Concordaram, hein?
(Coutinho: É uma forma de santificação que tem algo de especial que o senhor comunica (2). Eu gostaria, se o senhor achasse oportuno, que o senhor pudesse dizer um pouco mais sobre isso, entrar em pormenores, enfim, que santidade o senhor deseja para nós.)
[Aplausos] (3)
(...) (4)
(Coutinho: Sr. João, está magnífico, não podia estar melhor, mas a gente gostaria de ouvir um pouco mais. [...] A formação que o senhor dá para os eremitas (5), por exemplo, é uma formação de muita radicalidade. O senhor já falou alguma coisa, mas, não sei, eu pelo menos gostaria que o senhor abrisse um pouco mais o coração e dissesse um pouco mais sobre isso.)
(...)
(Coutinho: Se o senhor pudesse contar uns fatinhos da vida do Sr. Dr. Plinio e da Sra. Da. Lucilia de como era essa santidade dele, exemplificar um pouco com fatinhos).
Ah, isso é simplíssimo.
(Coutinho: Essa santidade e tudo isso que o senhor disse. Já que o senhor não pode falar do senhor, o senhor fala do Sr. Dr. Plinio e da Sra. Da. Lucilia (6).
Comentários:
Segundo esse depoimento insuspeito, o tipo de santificação que JC incentiva é novo. Pode se fazer uma idéia dessa escola espiritual em função do que se vê: a) na pessoa de JC --não na pessoa de Dr. Plinio, nem sequer misticamente-- ; b) na formação que JC dá aos eremitas e às suas afilhadas --não na formação que Dr. Plinio tem dado aos membros do Grupo.
Embora Coutinho reconheça que Dr. Plinio trouxe um "quid" especial em matéria de santificação, sustenta que quem comunica aquilo não é Dr. Plinio --nem sequer misticamente--, mas JC.
Coutinho pergunta que tipo de santidade JC --não Dr. Plinio-- quer para “nós”. E é
aplaudido.
Aí JC responde que os modelos de nossa escola de santificação são Dr. Plinio e Dona Lucilia; e que as notas tônicas de nossa escola são a bondade, a grandeza e o anti-igualitarismo.
A formação que JC --não Dr. Plinio-- dá para os eremitas. É bem verdade
Já que JC não pode falar de si próprio, Coutinho se resigna que fale de Dr. Plinio e de Dona Lucilia. Por aí ele pode ter uma idéia da santidade de seu senhor.
"Em Defesa da Ação Católica", 2da. Edição, Artpress, São Paulo, 1983, p.12:
Numa época convulsionada pelo mais fundo abalo moral, muitos entusiasmos se [manifestaram] de modo menos equilibrado do que fôra de desejar. Suscitaram-se messianismos de alta tensão nervosa, uma paixão (...) por resultados imediatos, que desterrou o bom senso para muito longe de certos ambientes animados de um fervor aliás generoso pela AC. Seria difícil dizer até que ponto a semeadura do jóio do "inimicus homo" concorreu para desviar para o campo dos erros já condenados pela encíclica Pascendi e pela encíclica contra "Le Sillon" tantos espíritos animados das mais louváveis intenções. O fato é que um messianismo malsão começou a fazer delirar em certos espíritos os princípios fundamentais da AC. E como as verdades que deliram estão prestes a se transformar em erros, não tardou que muitos conceitos novos assumissem um caráter ousado, para acabar tornando-se indiscutivelmente errados.
Daí um conjunto de princípios, ou melhor, de tendências que, em matéria de piedade, diminuem ou extinguem o papel da cooperação humana, sacrificando-o a uma concepção unilateral da ação da graça.
*
No seguinte trecho de “Em Defesa”, p.94, substitua o Leitor a palavra “Liturgia” por “cerimônia joanina”, “entusiasmo” ou “flash”, e perceberá o erro do heresiarca:
Sustenta-se, propaga-se a boca pequena que a prática da vida litúrgica, uma certa graça de estado própria à AC., bem como a ação empolgante da grandeza dos ideais da AC fazem calar, no íntimo dos membros desta, a sedução natural para o mal e as tentações diabólicas.
Isto implica em uma ascese inteiramente nova.
Sem negar que o fervor pela Liturgia da Igreja constitua uma das mais belas manifestações de uma piedade verdadeiramente esclarecida, e precisamente porque consideramos a Sagrada Liturgia, como a própria Igreja, da qual ela é a voz, “uma dama sem mácula nem ruga", não podemos admitir que, de um espírito litúrgico bem formado, possam decorrer as conseqüências desastrosas que abaixo mencionaremos.
Pretende-se, em última análise, que a participação nas funções da Sagrada Liturgia proporciona ao fié1 a infusão de uma graça tão especial que, desde que ele se porte de modo meramente passivo, santificar-se-á, porque calarão no seu interior os efeitos do pecado original e as tentações diabólicas.
Assim, a Sagrada Liturgia exerceria sobre os fiéis uma ação mecânica ou mágica, de uma fecundidade toda automática, que tornaria supérfluo todo o esforço de colaboração do homem com a graça de Deus.
“Em Defesa”, p. 103:
É vão, e destoa dos ensinamentos da Igreja, o propósito de ver na Sagrada Liturgia uma fonte de santificação automática, que dispensa o homem de qualquer mortificação, do esforço da vida interior, da luta contra o demônio e as paixões.
A respeito da correlação entre liturgicismo e Ação Católica, e por sua vez entre Ação Católica e joanismo, não é descabido registrar uma coincidência extremamente curiosa: é que os erros do liturgicismo provêm de um desvio havido na Ordem de São Bento, como os erros do joanismo provêm de um desvio havido no êremo de São Bento.
*
“Em Defesa”, p.95:
Sustenta-se que a simples fascinação dos ideais de conquista da AC é suficiente para vacinar contra a sedução do mundo, da carne e do demônio, a todos os fiéis.
*
“Em Defesa”, pp.95, 96, 97, 102:
Estes erros repudiam (...) o exercício da vontade (...), os chamados tesouros espirituais, a que, tudo, apontam como métodos decrépitos, torturas espirituais, etc.
Não é difícil ver que todo este encadeamento de erros provém, em última análise, do espírito de independência e prazer, que procura libertar o homem do peso e das lutas que o trabalho de santificação impõe.
Esta disposição gera necessariamente a revolta (...).
Ou seja, o espírito de independência e prazer --portanto o espírito revolucionário-- gerou, no campo da Revolução “A”, a aversão joanina à ascese e à luta; e no campo da Revolução “B”, a insurreição joanina contra a Diretoria da TFP.
*
“Em Defesa”, pp.97, 98:
Eliminada a luta espiritual, a vida do cristão lhes aparece como uma série ininterrupta de prazeres espirituais e de consolações.
(...) Como já dissemos, recomendam expressamente ambientes impregnados de uma alegria que, tendo pretextos espirituais, entretanto se mostra sôfrega de satisfações naturais.
Ensina-se aos membros da AC, em certos círculos, que trajem exclusivamente roupas de cores claras e alegres, vestidos de feitio de adolescente, mantenham uma atitude sempre risonha (...).
Para os adeptos do joanismo, a vida espiritual não consiste numa guerra da pessoa contra seus próprios defeitos, mas na fruição de prazeres espirituais. Na medida que esses prazeres forem intensos e a fruição se tornar ininterrupta, a pessoa vai atingindo a santidade.
O fundador e os sacerdotes dessa religião irradiam eflúvios de alegria. Seus ambientes são impregnados de alegria. Os fiéis vestem roupas alegres e mantêm-se risonhos.
*
“Em Defesa”, pp.99, 100:
Não espanta, pois, que a educação da pureza seja feita freqüentemente, de modo temerário, impregnada de um sentimentalismo mórbido e de idéias paganizantes, cheias de perigosas concessões aos costumes modernos.
Ao que parece, tantas e tão lamentáveis liberdades seriam "privilégios" inerentes à AC. Os antigos métodos de mortificação e fuga das ocasiões eram certamente muito aptos para as antigas associações onde realmente se pode ser severo e exigente. A AC, porém, representaria a libertação de tudo isso.
Estas precauções eram muletas sobre as quais se apoiava a insuficiência estrutural, jurídica, orgânica e vital das antigas associações. De tudo isto, poderia e deveria prescindir a AC.
*
”Em Defesa”, p.104:
Que haverá mais típico de um reformador do que, pela pretensão de escoimar da Igreja germes de liberalismo que nela se teriam esgueirado, destruir métodos consagrados, instituições cumuladas de bênçãos da Igreja, práticas de piedade aprovadas pelos mais augustos atos da Autoridade, e sobre tantas ruínas assentar as bases de nova vida espiritual fundada em uma concepção inteiramente diversa e "reformada" das relações entre a graça e o livre arbítrio humano? No fundo, como dissemos, todo o objetivo destes esforços consiste em um afrouxamento da vida interior.
*
“Em Defesa”, pp.105, 106:
A luta interior ativa e diligente, contra as paixões é sempre “condição de santificação e até da salvação”. Dí-lo o Espírito Santo: “Não te deixes ir atrás das tuas paixões, e refreia os teus apetites. Se condescenderes com tua alma no que ela deseja, ela fará de ti a alegria de teus inimigos". (Eclesiástico, XVIII, 30-31).
Não podemos, pois, consentir que essa condescendência se apodere da AC. Bem sabemos que nossas afirmações espantarão. Com efeito, muitos destes elementos, como os modernistas, causam impressão por um teor de vida em que até suas virtudes privadas servem à difusão de seus erros. “Levam uma vida toda de atividade, e um ardor singular em toda a espécie de estudos, costumes recomendáveis ordinariamente por sua severidade." (Pio X, Encíclica Pascendi Dominici Gregis). Entretanto, as idéias que propagam, os conselhos que dão, não são bons.
Não quereríamos terminar este capitulo sem uma observação que nos parece importante. Uma outra manifestação curiosa do espírito frívolo e sensual de nossa época, e do modo por que ele se amalgama, em muitas mentalidades, com os princípios e convicções religiosas, tendendo a produzir uma piedade toda eivada de laxismo e comodismo, está na preocupação de suscitar, a toda hora, devoções novas ou antigas, a este ou aquele santo, a esta ou aquela perfeição de Deus, a este ou aquele episódio da vida do Redentor, atribuindo sempre a esta devoção o efeito mágico, e por assim dizer mecânico de resolver todos os problemas religiosos contemporâneos.
JC suscitou a todo momento numerosas devoções: numa época colocou na moda usar uma espécie de cordão branco, atado ao colo, na hora de acercar-se a comungar; noutra época, fez rezar a Oração da Restauração, de joelhos, com os braços abertos em forma de “W”, à maneira oriental; depois lançou a moda da Sagrada Escravidão; depois veio a onda dos retiros; mais recentemente veio a moda das exposições do Santíssimo e das 40 Horas; depois colocou nas prateleiras do pátio o livro de Santo Afonso Maria de Ligório sobre a oração; por último vieram os sonhos e a “mística”.
*
“Em Defesa”, p.205:
Não se fala de mortificação, nem de penitência, nem de expiação. Só se fala nos deleites da vida espiritual.
Nem sequer nos dias da agonia de Dr. Plinio se falava, no covil joanista, de expiação, emenda de vida, compunção, etc.
*
“Em Defesa”, p.337:
Desenvolvendo a longa enumeração de doutrinas, que aqui ficaram expostas, quisemos pôr em relevo o nexo íntimo que as prende, fazendo delas um só conjunto ideológico. Todas elas se ligam, próxima ou remotamente, aos seguintes princípios: uma negação dos efeitos do pecado original; uma consequente concepção da graça, como fator exclusivo da vida espiritual; e uma tendência de prescindir da autoridade, na esperança de que a ordem resulte da conjugação livre, vital e espontânea das inteligências e das vontades.
Essa conjugação livre, vital e espontânea das inteligências e vontades não é outra coisa senão a “organicidade” e “autonomia” de que tanto falam os ideólogos do joanismo.
*
“Enciclopedia Cattolica”, Citá del Vaticano, verbette “Miguel de Molinos”:
As teorias místicas condenadas do molinismo representam a formulação mais precisa e consciente do movimento quietista (ver “quietismo”): as nuances do seu misticismo são subtilíssimas, as expressões são da mais requintada e evanescente psicologia literária: isto explica o envaidecimento que se teve em Roma de Molinos antes de sua prisão, mas quem fica aquém de uma leitura superficial encontra uma lúcida e cortante subestrutura teológica.
O molinismo sustentava que o querer operar ativamente é uma ofensa a Deus e que precisa, ao contrário, abandonar-se a Ele e permanecer, a partir daí, como corpo morto; que a atividade natural é inimiga da graça e impede a verdadeira perfeição; (...) que na contemplação cada reflexão é nociva ainda que dirigida sobre as próprias ações e os próprios defeitos; pois aquele que deu a Deus o livre arbítrio não deve mais cuidar-se da própria perfeição, nem da virtude, nem da própria santidade, nem da própria salvação, bem como não deve preocupar-se com as tentações, não deve fazer a elas nenhuma ação de resistência, e se a natureza se move, deixe-a mover porque é natureza (às vezes os atos carnais são cometidos diretamente pelo demônio sem o consentimento); que na contemplação adquirida não se podem cometer mais pecados.
Ensinamento de Dr. Plinio, Coleção de Circulares aos Propagandistas de “"Catolicismo", 313:
[O] Anticristo, foi ele previsto por Nosso Senhor, e virá certamente antes do fim do mundo. "Anticristo" também têm sido chamados certos vultos históricos, insignes por sua ação maléfica contra a Igreja e a Cristandade: Juliano o Apóstata, Maomé, Lutero e outros. Na história do século XX figuram Anticristos? Não tenho dúvida em afirmar que Lenine, Stalin, Hitler, são Anticristos, tanto quanto Juliano, Maomé e Lutero. Todos estes são Anticristos, isto é, precursores do Anticristo por excelência. O Anticristo virá em nosso século? Só Deus o sabe. Virá algum novo precursor do Anticristo, quiçá pior do que os outros que o precederam? Se um Anticristo é o produto histórico natural da falta de fé, da corrupção e do caos, não me parece surpreendente que nosso século venha a produzir um precursor do Anticristo, pior do que os anteriores. (...)
A geração nova não foi habituada à concepção de que, para qualquer pessoa fazer render efetivamente suas qualidades, é preciso um esforço árduo, um trabalho penoso, duro. E que, sem esse esforço, ninguém chega a ser grande homem.
Pelo contrário, tenho a impressão de que --se interpreto bem certos surtos de megalice que tenho tido ocasião de presenciar-- o aparecimento de dons relevantes é considerado, na geração nova, mais ou menos da forma que passarei a expor.
Considerem uma máquina que às vezes funciona, e às vezes não funciona. Alguém poderia não cuidar propriamente de consertar a máquina, mas de a sacudir, como se faz com certos relógios caprichosos. Sacudindo-os, às vezes eles funcionam; às vezes, pelo contrário, eles param. Dando bastante corda neles, de vez em quando eles empacam e precisam ir ao relojoeiro. Outras vezes eles criam alma nova e andam. Mas fica de pé a idéia de que no fundo o relógio é bom, e encontrando-se um certo jeito de fazê-lo funcionar, ele anda até bem direito.
Assim, tenho a impressão de que há, na geração nova, quem pensa a respeito do seu próprio talento dessa maneira. Seria um talento extraordinário, que funcionaria sem dar muito trabalho. Bastaria apenas encontrar um certo jeitinho, por onde sairia então uma fosforescência da cabeça, produzindo uma coisa extraordinária.
Trabalhar muito, estudar muito, ler muito, ter energia, força de vontade, método, disciplina, isso é bom para o pessoal mais antigo, que é mais ronceiro. Mas para o pessoal novo --que tem o brilho, a verve, etc., que nós conhecemos-- não é preciso tanta coisa assim. Uma boa dose de imaginação e de fantasia, sonhos com os olhos abertos e com os olhos fechados, e de vez em quando aquilo que vai por dentro sacode-se de modo jeitoso, e sai então uma chama de gênio. (...)
Será essa concepção da geração nova resultado de uma infestação diabólica? Eu não iria tão longe. Acho que ela resulta de uma longa preparação, feita em parte por essas revistas em quadrinhos, filmes, etc., em que personagens extraordinários, conseguem tudo sem ascese, sem esforço e sem valor, o que deforma a alma.
Quanto à relação entre o esforço e a magia, é uma coisa bem diferente. Com uma pessoa que não consegue exercer uma aptidão, pode acontecer a tentação de recorrer ao demônio para conseguir exercê-la sem esforço. É o modo pelo qual o preguiçoso procura o sucesso, sem o trabalho e os padecimentos inerentes ao trabalho. Não digo, portanto, que uma pessoa como a que descrevi acima é possessa do demônio, e sim que ela é abordável pelo demônio nesse ponto. E não que seja imediatamente capaz de adorar o demônio para esse efeito, mas de usar figa (?) e coisas do gênero. Está na lógica das coisas acontecer isso.
Parece-me começar a entrever que o Anticristo vai ser dessa escola. Não será um grande homem que vai trabalhar, estudar, etc. Vai ser um homem que, por uma arte qualquer do demônio, consegue puxar uma cauda de dentro da cabeça e fazer coisas que deixam os outros aturdidos de entusiasmo. O Anticristo fará prodígios aos olhos dos homens. Vai fingir que sobe aos céus, que tem poderes maravilhosos, atrações fabulosas. Multidões se entusiasmarão por sua sedução.
Nem seria razoável que o Anticristo fosse um homem de valor. Um "super-mega", é como eu imagino o Anticristo. O razoável é que ele seja um "super-mega", preguiçoso, pouco disposto a trabalhar, a se aplicar, a fazer qualquer coisa de sério. Pelo contrário, ele será um chacoalhador de algumas rutilâncias interiores, vindas por vezes de baixo. E com isso será capaz de hipnotizar os outros, que não conseguem obter as coisas que ele consegue. Será propriamente "o mega" realizado.
As pessoas ingênuas que lêem no Catecismo ou nos livros de piedade algo sobre o Anticristo pensam que ele vai ser uma pessoa parecida com Nosso Senhor, e que por causa disso vai dizer que é Cristo. Imaginam então uma pessoa de grande formosura, de grande capacidade de atração, de uma inteligência extraordinária, enfim tudo aquilo que caracterizou em grau inexprimível a Nosso Senhor, e por isso o povo vai começar a acreditar. Pensam que o Anticristo vai suscitar igualmente sentimentos de virtude e abnegações como Nosso Senhor suscitou, e que com isto vai procurar representar o papel de Cristo.
De fato, acho isso uma coisa mal pensada. O demônio odeia tanto a Nosso Senhor, que o Anticristo --o filho do demônio-- não vai ter disposição alguma para imitar a Nosso Senhor. Ele vai ser o contrário. Eu acredito que o Anticristo vai ser uma pessoa feia, ridícula, esquisita, deslumbrante por ser feia, ridícula, esquisita.
De onde vem esse poder de deslumbrar? É um dote interior preternatural que ele tem, uma espécie de visgo do demônio. (...). Ele é cintilante, e só. Mas uma cintilação que não comporta análise e nem pede análise, está além de qualquer lógica, de qualquer análise, de qualquer método. (...).
Um Anticristo assim será capaz de mover um plano concatenado para destruir o Reino de Maria? A resposta é que o Anticristo não vai ser o chefe das forças do mal, mas o palhaço delas. Será como um Hitler, que não movia nada de concatenado. (...).
[Essa] escola mental da geração nova, esse modo errado de considerar o valor pessoal, torna-a sem defesa para rechaçar as fraudes do Anticristo. Mais ainda. Um ditado afirma que cada povo tem o governo que merece. Em certo sentido, cada um adora aquilo que merece adorar. Quando vier o Anticristo, não há dúvida de que os adoradores dele merecerão adorá-lo.
Reunião da Comissão B, 23/7/66:
É por isso que nós impugnamos como constitutivo da heresia branca uma posição quase inversa: como Deus é muito bom para comigo, eu O amo (1). Não sei se os senhores percebem como a heresia branca espalha isso às torrentes.
Outro aspecto [é]: como eu sou eu, e eu não sou senão eu, e Ele é Ele, então o razoável é que eu me volte para Ele e [O] sirva, independente da preocupação de Céu e de inferno.
Não tem dúvida que o Céu e o inferno me dão razões colaterais muito importantes, muito úteis psicologicamente, muito santas, não tem dúvida, mas não é a mais alta razão de amar, não é a mais enérgica razão de amar, não são o Céu e o inferno, mas é porque Ele é Ele (2).
Bem, mas a heresia branca desloca esse ponto da religião para este outro: eu sou o centro de todas as coisas para mim. Como Ele me ama, acontece que eu tive essa bamba que esse “très-grand-Seigneur” teve o erro, a bobice de se encantar comigo, eu também condescendo em amá-Lo. Então vem toda uma estrutura de raciocínios, de considerações: Deus me reserva o Céu; devo ter um certo cuidado com o inferno; Ele se sacrificou por mim, é meu Redentor; veja como Ele me quer bem.
Comentários:
Os joanistas procedem da mesma maneira em relação a Dr. Plinio: como ele é muito bondoso comigo, eu o amo.
Os adeptos do joanismo querem salvar-se, não porque Deus é Deus, mas por temor do inferno.
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Almoço - 17/04/83, palavras de Dr. Plinio:
Se você tomar uma pessoa burguesa, do século XIX, um industrial, por exemplo, ou qualquer homem representativo do século XIX, um técnico, por exemplo Thomas Edison como eu imagino (...). Bem, ele colocado diante de quaisquer fenômenos da alma dos outros ele é insensível, ele não se preocupa. (...) Se ele tem um assistente que é um polígamo desesperado, a regeneração desse assistente não diz a ele absolutamente nada. Porque para ele o mundo das almas, o mundo do espírito, o mundo dos outros, o mundo das mentalidades, não importa. Ele tem uma meta pessoal: fazer aquela invenção, que ao espírito dele interessa, ele tem uma curiosidade de fazer aquilo, um desejo de fazer aquilo. (...) Agora, aquilo que o cerca, (...) pouco incomoda a ele.(...) Qual é a posição que tomaria Monseigneur Emmery? Monseigneur Emmery faria uma espécie de recíproca do Thomas Edison, só que no campo mais alto. O Edison diz: "eu quero inventar 'n' instrumentos ou aparelhos que se depreendem, ou que se podem imaginar, a partir da existência da energia elétrica." Então a essa meta ele dá a vida dele e os outros se lhe tornam indiferentes. Monseigneur Emmery: "Eu quero salvar a minha alma e o resto se me torna indiferente. E sou tão insensível a fenômenos coletivos, à família de almas que sintam isso, que sintam aquilo, etc., etc., quanto é o Thomas Edison. Eu quero me salvar. Agora, eu sei que Deus não é como eu, e que Deus é sensível à salvação de todo mundo. E por causa disso eu me interesso pela salvação dos outros, mas é porque Deus manda. Porque eu, uma relação pessoal com a salvação dos outros, eu não tenho. É legítimo que minha alma de si seja indiferente. Mas porque Deus quer salvar aqueles a que eu sou indiferente, eu por obediência a Deus vou salvar aqueles, mas eu por mim não me incomodo" (1).Seria portanto Monseigneur Emmery visto na sua melhor edição. Um pouco como Thomas Edison, que seria capaz, de "in articulo mortis" --se era católico-- chamar um padre para alguém, porque Deus quer salvar aquele, mas ele pouco se incomoda com aquele. Porque Deus mandou e Deus quer bem àquele a quem ele não quer, é que ele vai fazer a vontade de Deus. Mas ele propriamente é um individualista. Se ele não é inteiramente individualista ele ao menos estende esse desejo --que os outros sejam conformes a Deus-- a um número muito pequeno de íntimos, de parentes, de coisas, a quem ele quis bem. E é porque ele quer. Quer dizer, é um egoísta da ordem sobrenatural como o Thomas Edison foi egoísta da ordem física (2). E isso temos aí a heresia branca às torrentes.
Comentário:
Os adeptos de JC só estão interessados em salvar suas alminhas, o resto é indiferente para eles. E se fazem algum apostolado, não procedem movidos pela sede de almas, mas por obediência a Deus.
Os joaninos também são egoístas da ordem sobrenatural. Se contentam com a conversão de seus parentes e amigos mais chegados.
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Trecho de um MNF, lido no "Jour-le-jour" 9/9/97:
De onde --agora vem toda a heresia branca-- então, você dizia muito bem ainda há pouco, vem o deslocamento da piedade. De, em torno de Deus, passa a ser em torno do homem. E a questão não é dar glória a Deus, mas é gemer porque tem uma ferida na perna. E é sempre o homem que fez, o homem que aconteceu, etc. E Deus e todo esse panorama ficam afastados da fonte (...).
Trecho de uma CSN lida por JC no "Jour-le-jour" 22/8/97:
Nós somos chamados a sustentar, por um apelo profundo de nossa alma, que Deus se procura, essencial e fundamentalmente, através da vida religiosa, entendido nisso a vida de piedade, a Fé, os Mandamentos, etc. Mas, quando se procura a Deus só aí, não O encontramos senão de um modo muito menos intenso e próximo do que se quereria. Isso é a "heresia branca", uma espécie de laicismo que acantona a Deus dentro da capela pondo-O "no centro das coisas", mas depois falam pouco dEle quando tratam de outras coisas que estão em torno dEle (1). Dou um exemplo para os senhores pegarem o problema pelo nervo. Tomem o castelo de Saumur, depois tomem dois castelos que já não são medievais, são francamente da era dos tempos modernos que são o Escorial e Versailles. No Escorial, Felipe II colocou bem no centro a capela. E que capela! Uma catedral! E daí o palácio segue. Vai se ver o resto do palácio: é um mosteiro, é o que quiserem, mas, no fundo, o sopro da Revolução está ali, e não fala diretamente de Deus. Fala de uma ordem geométrica bem observada, correta, "bababá", mas não diretamente de Deus. Deus está na capela e a capela está no centro, mas Deus não está no Escorial inteiro. (...) Agora tomem em consideração Versailles. Luís XIV (...) não quis imitar Felipe II colocando a capela no centro e mandou construí-la, nobremente, alhures no palácio --não é um alhures qualquer, é francês, é capela exata no lugar exato. É o mais alto edifício do castelo, a única construção que tem teto pois todo o resto é "en terrasse". Imita vagamente a forma gótica, embora procure disfarçar. Mas, no resto do edifício, Deus está a léguas. Os senhores vão ver, são deuses mitológicos, são figuras, mas Deus está distante.
Os senhores tomam o castelo de Saumur, eu não me lembro de ter notado nele nenhum símbolo religioso, entretanto, a meu ver, Deus está no castelo inteiro.
Então, a nossa tese é que é preciso saber ver todas as coisas temporais, de maneira tal, que elas também nos falem de Deus, não é exclusivamente, nem eu afirmo que de modo absoluto seja principalmente, mas para nossa vocação é essencial afirmar isto que eu estou dizendo. E, na linha da complementaridade, organizar as coisas temporais e, portanto, ver de baixo para cima: [primeiro] as temporais, [depois] as eclesiásticas, até se chegar ao conceito de Deus, em ordem a ver Deus presente em absolutamente tudo. Não é presente como está na Eucaristia, bem entendido; nem é presente como Ele estaria num lugar, por exemplo, no seu Santo Sepulcro; nem é presente como está no edifício de um templo; mas é ver a semelhança, ou a imagem conforme o caso, de Deus por toda a parte. E saber ver, portanto, em cada coisa, até onde ela é ou não a semelhança ou imagem de Deus.
De onde se imagina o contrário: onde está posto o demônio, enfim, a Revolução e a Contra-Revolução, até mesmo na mais humilde forma de janela. Essa é a nossa vocação. Com a idéia de que, tendo isto completo, está-se de corpo inteiro pronto para a contemplação religiosa das verdades reveladas (2). (...) se um homem artístico colocasse em Saumur --mas era preciso saber colocar, era quase preciso ser Ele para ter a arte de colocar-- um crucifixo em glória, ou ao menos uma cruz em glória, no alto de Saumur, eu me rejubilaria! Nem sei dizer como eu agradeceria o homem de ter feito isto! Mas, isto não impede que Saumur, não tendo no alto o crucifixo, eu não o reconheça como um edifício mais religioso, do que a profissão de Fé explícita, mas incompleta, que está em Versailles, que está no Escorial, que está na Igreja de São Pedro (3).
Comentários:
A heresia branca e laicista procede em relação a Deus, como a seita joanista em relação a Dr. Plinio. JC põe a pessoa de Dr. Plinio no centro, a acantona numa gaiola de ouro, mas despreza todo o resto --por exemplo a luta RCR e os fenômenos de opinião pública.
A heresia branca age assim, pensa assim, estimula a ser assim em relação a Deus, como JC age assim, pensa assim, estimula a ser assim em relação a Dr. Plinio: "Eu conheço uma pessoa que fez essa... não sei se é promessa, se é promessa, se é propósito, se foi voto: de nunca ler mais nada na vida a não ser Plinio Corrêa de Oliveira. Eu, quando soube isso, no meu interior meu coração estendeu os braços e começou a bater palmas para o fulano. Merece" (Cfr. "Jour-le-jour" 22/8/97)
Para JC a contemplação faz-se diretamente, incursionando --de modo indiscernido-- na mística. Segundo a heresia branca e JC, para que algo tenha sacralidade, precisa ter uma cruz ou algum símbolo diretamente religioso.
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"Jour-le-jour" 5/2/97 - Falando a respeito do ateísmo prático, e de como é errado o homem tocar sua vida natural a margem da vida sobrenatural, JC aconselha o seguinte:
Ponham intenções em tudo o que os senhores fazem, liguem a vida natural dos senhores com a vida sobrenatural e não vivam duas vidas.
Chegou a hora da comunhão, diz:
-- Ah, é verdade. Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro, Criador e Redentor meu, eu creio firmemente que estais presente em corpo, sangue, alma e divindade.
Terminou a ação de graças:
-- Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Bom, então tem que limpar o jardim? Puxa, vida, essas folhas que não sei quanto, que não pára de cair folhas, e todo o dia isso. Ainda bem que ele me pega para limpar o jardim só uma vez cada quinze dias, mas assim mesmo por que é que não corta esses galhos?
Está perdendo toda a vida sobrenatural, o senhor está vivendo uma vida de animal, vida de homem puro. Se disserem:
-- Fulano de Tal, vá limpar o jardim naquele canto.
-- Praesto sum! Como Deus é bondoso, porque agora me dá essa oportunidade de poder louvá-Lo. Cada folha que eu arrastar eu quero que sirva como um cântico de louvor a meu senhor sacral que se encontra na eternidade. Cada folha que eu tire eu quero que seja um cântico de Magnificat pelo fato de ele ter me chamado a essa vocação tão alta, tão excelente. Senhor, que bondade, agora vou arrancar esse toco daqui e na força que vou fazer para tirar esse toco eu quero que vós aceiteis como uma oração para que vós arranqueis de minha alma todos os tocos que existem e que me impedem de amar ao Senhor com toda a minha força e toda a minha alma.
O conselho do pontífice revela, mais uma vez, que sua mentalidade é bem diversa da de Dr. Plinio. Segundo JC, se na limpeza do jardim --como em qualquer outra atividade própria da vida na sociedade temporal-- a pessoa não reza, é atéia prática. Segundo Dr. Plinio, não é indispensável rezar para que aquilo seja sacral.
JC vê na limpeza do jardim o símile de uma operação que Deus pode fazer em beneficio de sua "alminha". O agradecimento que tributa a Deus é em troca pelo que Deus deu a ele.
Dr. Plinio veria naquilo um símbolo --que não necessariamente remete para o Absoluto--, e faria aquilo independentemente de retribuição.
No padrão joanino, a operação desfecha num ato de piedade. No padrão pliniano, desfecha num ato de admiração.
No fundo da concepção joanina, há um ato de culto a Deus enquanto Bom. No fundo da concepção pliniana há um ato de culto a Deus enquanto Belo.
A respeito disto, cabe lembrar o MNF do 13/4/89, onde Dr. Plinio afirma:
O pai e a mãe, independente do aspecto sacramental do casamento, pelo fato de serem esposos, pai e mãe, têm qualquer coisa de sagrado. (...) Toda autoridade tem alguma coisa de sacral. Sobretudo se nota isso quando ela tem a convicção da sacralidade do poder que ela possui. Vou dar um exemplo. Morreu há pouco tempo atrás o Hiroito. Ele não era um Imperador sagrado pela Igreja, não era investido pela Igreja. Era um pagão! Mas, nenhum de nós, por mais descontente que estivesse com ele, teria coragem de lhe dar umas bofetadas! Por quê? Ele é o Imperador do Japão! E isso se respeita!(...) se se analisar com cuidado certas coisas de caráter pura e estritamente material, elas têm um "como que" de sagrado em relação a outras coisas boas, criaturas retas de Deus, mas que não têm aquele sagrado. Por exemplo, o cristal em relação ao vidro. O cristal é uma coisa que tem qualquer coisa de sagrado.
Comissão Médica, 22/1/95:
[Uma coisa que me chocava muito, na devoção ao Sagrado Coração de Jesus no padrão heresia branca era o seguinte]:
O ponto sensível [das cogitações sobre o Sagrado Coração de Jesus era] de que Nosso Senhor Jesus Cristo era a personificação da misericórdia --e é verdade. (...)
Então, na simbologia do tempo, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus era a devoção do pecador impenitente que sabe que anda mal, ao qual pesa andar mal, mas não tem coragem, não tem força, não tem resolução para passar a andar bem, e que portanto só teria razão para se desesperar. Esse pecador, nessas condições, entretanto, tomando em consideração a misericórdia infinita do Sagrado Coração de Jesus, tinha razão de esperar que, se ele implorasse essa misericórdia, recebesse em determinado momento graças tão intensas e tão fortes que se realizariam nele as palavras do salmo "lavabis me et mundabor, et super nivem dealbabor", Vós me lavareis e eu ficarei limpo, e me tornarei mais claro do que a neve, sem esforço do pecador, por um movimento concebido como um todo partindo do Sagrado Coração de Jesus e mais nada e trazendo automaticamente uma correção, uma retificação da posição moral do pecador, tudo quase por encanto (...).
No modo de falarem ao pecador da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, poucas coisas estimulavam o desejo de uma retificação, o desejo de um bom andamento espiritual, de Jesus ofendidíssimo precisando de uma reparação, e portanto recebendo do homem algo que se poderia dizer [o pagamento] das graças enormes que recebe de Deus. Quer dizer, "está bem, Nosso Senhor tem muita pena de nós; no meu reconhecimento eu não sou obrigado a não ser um movimento emotivo diante de tanta misericórdia".
Mas esse movimento emotivo cessa na emoção, não é uma emoção geradora de penitência em grande número de casos, mas é uma emoção (...) que não dá em nada e que se conserva inteiramente estéril.
Então essa devoção acabaria --vista assim com essas supressões de determinados aspectos inerentes a ela-- sendo uma forma de piedade que era o melhor possível para o pecador, considerados os interesses terrenos dele. Porque, em última análise, ele recebia graças inefáveis, não era obrigado a nenhuma contrapartida, nem era estimulado a uma contrapartida (...).
(Aparte: A devoção das primeiras sexta-feiras era apresentada nessa versão).
Isso. Comungue nove sextas feiras e tem uma passagem garantida para o Céu antes de morrer.
(Aparte: No fundo é "faça isso e depois pinte o caneco").
Adira ao mundo moderno, etc.
Se acrescenta [a] isto uma coisa especialmente "despiacevoli". É que este tipo de gente não tinha em concreto a preocupação da globalidade da sociedade que está se perdendo, nem da batalha em favor de conservar ou não uma Civilização Cristã no mundo. Eles tinham isto aí sobretudo como uma preocupação individual (...). [Isto] se vê sobretudo nas orações compostas ao Sagrado Coração, que eram na imensa maioria orações girando em torno de problemas pessoais; e o problema coletivo e o problema social posto num segundo plano.
O senhor tomando os autores [heresia branca] não encontra propriamente uma afirmação, nem sequer uma insinuação desses erros que eu estou falando. Tudo é apresentado de um modo correto, mas há silêncios.(...)
(Aparte: Sentimentais também e sem lógica nenhuma).
Um pouco mais do que isso. Uma posição um pouco irritável em relação à lógica. Não é uma posição perseguidora, mas é um pouco irritável. A lógica parecia uma coisa dura, inflexível, contrária à bondade. De maneira que, mesmo o uso de argumentos muito lógicos, muito corretos, etc., para propagar a devoção, não eram vistos como o melhor meio. O melhor meio era apresentar Nosso Senhor nos fazendo grande bem e nós não retribuindo adequadamente.
(...) Por causa disso, muitas vezes a pessoa não sendo sentimental, ficava meio "depaisé", meio exilada nesse campo, e como tal não era mal vista nem perseguida, mas não era promovida, ela ficava no "bas-fond", na parte dos ignorados, dos não influentes das associações religiosas.
(Aparte: Nesses devocionários, o número de vezes que aparecem as palavras "amor" e "coração" é incrível, mas nesse sentido de sentimentalismo).
Se o senhor quiser interpretar as palavras no seu sentido verdadeiro e corrente, é irrepreensível, mas são emoções afetivas que são chamadas de amor. Ora, o amor não é principalmente a emoção afetiva. O coração é o propósito, o ânimo, a decisão do homem, é uma espécie de psicologia caraterística de um homem ser; mas não é esse o sentido que eles tomam; coração é a impressionabilidade sentimental que é apresentada.
(Aparte: O não pensamento).
Não pensamento. Pensamento não vai. (...) Fazerem uma Via Sacra com tentativas de raciocínio --como é a Via Sacra que o "Catolicismo" e [o] Legionário publicaram-- não era bem aceite, nem bem vista.
Eu não quero fazer a mínima censura (...) ao uso largo do sentimento como elemento de piedade. A minha idéia é: "quantum potest, tantum autem", tanto quanto se puder, você use no que diz respeito ao sentimento como elemento indispensável e complementar da piedade; mas fazendo entender bem que sem o raciocínio iluminado pela Fé, sem a decisão firme e forte da vontade, motivada por razões doutrinárias específicas e adequadas, o resto não está bem. (...) Que a parte intelectiva e a parte volitiva esteja ausente, [ou] que não esteja no papel que se lhe é devido na hierarquia das coisas, isso não posso concordar de nenhum modo.
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Comissão Médica 5/2/95:
... uma coisa que carateriza profundamente a diferença entre o apostolado da pré TFP, ... entre a devoção nossa e a devoção deles, o apostolado nosso e o apostolado deles.
O apostolado deles se concebia em parte, mas em muito boa parte, da seguinte maneira:
... o apostolado das igrejas e dos fiéis era concebido sobretudo como apostolado individual. E a idéia de conquistar um país, para por meio dessa conquista, conquistar depois os indivíduos, e conquistar um país por meio de uma ação de caráter político, essa idéia pareceria ímpia, pareceria destroncar, arrancar o apostolado de dentro do santuário e cobri-lo não sei com que verniz de mau sabor laicista que faria ver mal o esforço dos católicos nessa direção.
(...) O grande problema interno, do que havia de mais interno na paróquia, não era conquistar as almas, nem era conquistar a cidade, muito menos o país e menos ainda o mundo, mas era que a próxima semana de estudos promovida pela congregação de Santa Cecília tivesse mais brilho do que a teve a congregação dos “consolacionanos”, para fazer uma briga que no fundo era um ato de amor filial e de dedicação pessoal ao vigário (...). Isto era a vida interna com mais nervo e mais fecundidade de uma paróquia (1).
(...) começar a fazer interessar a respeito das perseguições religiosas no México era tirar um pouco da luta dos bairros ... Aqui já começava a verter da coisa. Quer dizer, pode acontecer no Brasil que o governo persiga a religião, então é preciso começar a prestar atenção no governo e abrir as janelas para alguma coisa que não fosse o altíssimo debate cecilio-consolacionista. Daí formar um grupinho que gostasse de conversar sobre coisas abertas para os problemas internacionais relativos ao seguinte: implantar a Civilização Cristã, ou seja o Reino de cristo, ou seja o Reino do Sagrado Coração de Jesus implantar no mundo inteiro.
(...) todos esses paroquialistas entraram para o progressismo e todos os de largos horizontes ficaram na Contra-Revolução (2). Então havia alguma coisa de muito profundo que germinava dentro disso.
O apostolado da oração era a grande associação espalhada por São Paulo inteiro, a qual associação estimulava o culto ao Sagrado Coração de Jesus. (...) No culto ao Sagrado Coração de Jesus entrava uma desfiguração que não era pregada como uma doutrina, mas estava no ambiente, é o seguinte: é uma certa insistência na reparação, o Sagrado Coração de Jesus como continuamente, invariavelmente e exclusivamente ferido, machucado, magoado e triste por definição .... pedindo uma reparação sobretudo de coração a coração.
(...) toda a vida de relacionamento entre o Coração de Jesus e o seu fiel era de coração ferido e triste, sentimental, em contato com outro coração ferido, triste e sentimental também. Em vez de o elemento determinante, o elemento rex da consagração ser o ato de vontade, era a consonância lacrimal.
(...) a distinção entre nós e essa gente é: essa boa gente não gosta muito de silogismo, da razão pam pam pam, logo conclua de tal maneira ou de outra maneira, não gostam muito. Não gostam muito da briga nem da luta, por mais razoável que seja. “Não, por meio de um sorriso se consegue, os maus não são tão maus, os bons são ótimos, ......”
Por causa disto a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava transformada num fogareiro de sentimentalidade, de cuja existência eram sistematicamente banidas a virtude da sabedoria e da fortaleza.
(...) A Ação Católica não é mais lacrimejante, mas ela é uma das mães da Bagarre azul: ela é alegre, contente, mas otimista, todo mundo é bom, ninguém vai para o inferno, alegrem-se, queiram-se bem, amem-se intensamente todos uns aos outros e o mal desaparecerá da face da terra. A moleza deixou de ser lacrimejante para ser festiva; o raciocínio deixou de ser invertebrado para ser vertebrado, mas a serviço da heresia e a moleza substituída por uma festividade que era uma atração ao pecado.
Comentário:
O grande problema interno, nos arraiais joanistas, é o brilho da próxima cerimônia e apresentação do coro e da fanfarra.
Os que na TFP achavam que o grande problema consistia no brilho da próxima cerimônia joanienta, acabaram aliando-se com a Estrutura; e os que achamos que o grande problema consiste na conquista da opinião pública, não embarcamos nisso.
MNF 2/11/89:
Na vida mística há uma série de regras que sobretudo Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz estudaram, segundo as quais as graças místicas costumam suceder-se umas às outras, constituindo uma via de progresso que chega até um certo píncaro.
Mas é curioso o seguinte. É um progresso de fervor, mas é um progresso de clareza e de elevação na relação mística com Deus.
Quer dizer, o homem que é favorecido por graças místicas, procedendo de um determinado modo diante da graça mística extraordinária que recebeu, convida a Deus a dar uma graça de ordem mística maior ainda. E assim, de graça em correspondência, de correspondência em graça, ele sobe até o píncaro da mística onde Deus o espera.
A mística é, nesse sentido, uma auxiliar da santificação. Ela não é a sua substância. A substância da santificação é o amor de Deus. Mas a mística é uma auxiliar possantíssima da santificação.
Ela é também, em muitos casos; mas não necessariamente, um sinal de santidade.
(...) A santidade não consiste só na mística --aliás, pode-se dizer que não consiste principalmente na mística--, mas para uma pessoa que foi chamada para as graças místicas, a correspondência adequada a elas, a via que Deus escolheu para essa pessoa, é um elemento de santificação de grande importância e que é preciso conhecer bem, porque se destina a ser benfazejo essencialmente ao amor de Deus.